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Paulo Eno, o Ibiza Spider-Man

A favor da luxúria, contra as bad trips.

Fotografia por Nuno Miranda É uma das figuras portuguesas mais vistas no YouTube e tem clubes de fãs um pouco por todo o lado, até no México. Porquê? Tem 50 e tal anos e dança vestido de Homem-Aranha no Bora Bora Beach Club, em Ibiza, desde 2001. É o animador de serviço e uma das figuras mais conhecidas do reduto raver de Espanha — vejam o vídeo dele com duas moças e digam-nos se a sua cara não é a expressão máxima da felicidade. Hedonista, comunista, técnico cultural na Câmara de Coimbra, ex-punk, músico experimental e dadaísta, eis Paulo Marques, também conhecido por Paulo Eno. VICE: Dadaísta, experimentalista, punk, Homem-Aranha dançarino, técnico cultural. Mas, afinal, quem é o Paulo Marques?
Paulo Eno: Em 1977 fundei uma das primeiras bandas punk de Portugal. Havia os Aqui d’El Rock, os Faíscas e a minha banda, os Curto Circuito. Demos poucos concertos, éramos aves raras. Existíamos porque perto de Coimbra havia uma discoteca que passava esse tipo de música. Dançámos lá o primeiro álbum dos Devo, dos Stranglers, da Siouxsie. Depois do punk, fundei a associação Objectos Perdidos. Havia quem nos quisesse processar por atentado ao pudor. Em 1987, num espectáculo no Instituto Franco-Português em Lisboa, como só tinham ouvido uma cassete, de música electrónica, não previam o espectáculo performativo. Em oito minutos pusemos aquilo num caos. Tinha o hino português em electrónica, pessoas a actuarem nuas, vídeo-arte hardcore de primeiro escalão, a bandeira portuguesa com objectos fálicos. A directora do instituto queria remeter o caso para a polícia. Perguntei-lhe se lá não falavam de Sade, Jean Genet, Lautréamont e Baudelaire. Depois tiveste uma banda punk, os 77. Como é que passas de punk a dançarino em Ibiza?
Pensei que as editoras estivessem disponíveis para editar o segundo álbum que estávamos a querer criar. Nenhuma se mostrou interessada. Então disse para mim próprio: “Não estou mais para estar a brincar com isto.” Estávamos de malas aviadas para Londres. Disse a um dos elementos para tratar de tudo. Confiei nele, mas depois recebi a notícia de que essa pessoa não queria saber dos 77 e fundou os Parkinsons. Revoltaste-te e foste para Ibiza?
Voltei à minha onda pedagógica. Sou musicoterapeuta, dançoterapeuta e continuei a minha actividade como técnico superior de cultura na câmara. Uma vez, ao passar por uma rua em Coimbra, vi uma revista que dizia: “Passe os seus últimos dias em Ibiza.” Eu já queria ir lá há muito tempo e disse ao meu irmão: “Vamos.” Nunca tinha ouvido música de dança, nem ido a uma rave. Isto em 2001. Alugámos um apartamento em Figueretas. Estava a dançar no clube Space e, por acaso, naquele dia tinha levado o meu fato de Homem-Aranha. Então, um sujeito, perguntou-me, em inglês, se não queria fazer aquela performance para ele. Perguntei: “Isto é que é a performance?” O gajo disse-me: “Sim, acho fantástico.” Fez um contrato comigo e mandou vir uma garrafa de champanhe. Desde 2001 até agora, já fui a Ibiza umas 50 vezes, dancei em quase todas as discotecas e ao som dos mais variados DJs, entre os quais o Boy George, que fechou um hotel. Nunca tinhas dançado música electrónica e o tipo ficou encantado? Que estranho.
Danço seguindo três grandes referências: a nível de movimentos mais conceptuais e calmos, é o Merce Cunningham; os movimentos mais selvagens são do Iggy Pop; e os mais sexuais são do Mick Jagger. Mistura isto e sai o Ibiza Spider-Man. Onde compraste o fato?
Em Nova Iorque. Até estava para actuar com ele num concerto dos 77 nos Estados Unidos, só que achei que seria muito americanizado. Como os 77 eram contrários ao sistema imperial norte-americano não ia estar ali com um ícone do sistema. Mas agora estás com o ícone em Ibiza.
Porque para mim o Spider-Man ajuda as pessoas que estão a sofrer dificuldades, combate a criminalidade. É o que faz o Spider-Man. É uma pessoa que está numa “good trip” contra as “bad trips”. É o que fazes em Ibiza?
“Peace, love, dance, music, beach, enjoy life” é o meu lema. Sempre gostei de estar a dançar sem ninguém a importunar-me. Nunca vi em Ibiza nenhuma cena de violência. Nunca vi alguém com aspecto de junkie ou heroinómano. A malta deve tomar cocaína porque fica tudo bem-disposto. Tomas alguma coisa?
Não bebo álcool. Nunca apanhei uma borracheira na vida. Detesto álcool. Há pessoas que me convidam para tomar alguma coisa. Não posso estar sempre a beber Red Bull e Coca-Cola, não é? Tomo uns shots, um máximo de dois por dia. As pessoas ficam muito intrigadas porque não tenho ligações a álcool, nem a drogas. Então de onde vem a tua energia?
De uma coisa muito simples: “Ibiza Freestyle.” É um ambiente fantástico: estou rodeado de pessoas ligadas às artes, a praia é maravilhosa, tenho temperatura da água a 20 e tal graus, a praia é ultra-higiénica, há pessoas bonitas. Lá, 95 por cento das mulheres são ultra-bonitas, enquanto aqui em Portugal apenas dois por cento das mulheres são bonitas. Valorizam muito mais a minha performance. Além disso, são pessoas de várias nacionalidades. E começo a dançar a uma hora em que ninguém dança: todos os dias, às 16h30. E danças quantas horas seguidas?
Dançar é uma forma de libertação pessoal e também de entretenimento. Pode-se parar para falar sobre arte, desporto, política, pode-se ir tomar um banho. Se não tomar comprimidos para dormir, não consigo dormir. É algo que me favorece a esse nível. Tens o melhor emprego do mundo, confessa.
[Risos] Não quero outra coisa. Vês isto como uma sequência lógica? Dadaísta, conceptualista, punk, Spider-Man de Ibiza… é tudo arte?
É a mesma coisa que dizer que nos anos 80 o Miles Davis já não era um músico de jazz. Se vires os meus 120 vídeos que estão no YouTube, a nível de expressões faciais, é uma onda performativa completa. Se lhes puseres outro tipo de música em cima, já achas mais natural. O que não é natural é estares a vê-los com house ou trance. Como é que um comunista como tu adora Ibiza e Nova Iorque, dois dos locais mais consumistas do mundo? Ainda por cima, trabalhas numa câmara governada por um partido de direita.
Sou membro do sistema, mas mordo-o por dentro. Dá-me gozo. Se mordesse por fora era estupidez porque não teria força para aguentar com o sistema. A luxúria está ligada ao máximo de libertação. Ibiza e Nova Iorque são os sítios onde consigo o máximo da sociedade capitalista. Mas enquanto os outros ficam maluquinhos, com drogas e não sei quê, eu faço a minha autocrítica e mantenho-me na posição correcta.