Livro analisa oito décadas de cultura pop a partir do Super-Homem
Capa do livro Super-Homem e o Romantismo de Aço (Rogério de Campos), publicado pela Ugra Press.

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Livro analisa oito décadas de cultura pop a partir do Super-Homem

Em publicação da Ugra Press, Rogério de Campos disseca minuciosamente o super-herói mais famoso dos quadrinhos.

Como que um gênero criado para meninos de oito anos da década de 1930 se tornou a ficção favorita de homens adultos do século 21? O que isso significa? Quais são as angústias e anseios que levam tantos desses caras a querer mergulhar em uma caixa de areia de um parquinho construído para crianças? Em Super-Homem e o Romantismo de Aço (Ugra Press) o editor da Veneta e conhecido impulsionador dos quadrinhos autorais no Brasil Rogério de Campos tenta responder a estas e outras questões envolvendo o famoso personagem.

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Sucesso comercial por espantosos 80 anos, o Homem de Aço, astro de revistas em quadrinhos, filmes, séries de TV e de uma lista infindável de produtos derivados, esconde algo por trás de sua incrível trajetória. No livreto de 60 páginas, por meio de um texto simples e objetivo Rogério lança um olhar minucioso e perspicaz sobre as últimas oito décadas da cultura pop.

VICE: Que pontos você pensou em abordar quando começou a escrever o texto do livro?
Rogério de Campos: Na verdade, não pensei muito não. É por isso que escrevi o livro: para ir aprendendo no caminho. É o que aconteceu também nos meus outros livros.

O livro nasceu como tentativa de responder à minha perplexidade de ver como uma subcultura que parecia condenada ao desaparecimento tornou-se a cultura dominante do nosso tempo, pelo menos nos quadrinhos e no cinema.

Como surgiu a ideia?
O pontapé foi uma discussão no Facebook a respeito da distinção de quadrinho autoral e quadrinho industrial. Fala-se de muito em “mundo dos quadrinhos” como se fosse uma coisa só. Mas ele é bem dividido em dois grupos bem distintos: o dos quadrinhos autorais e o dos quadrinhos industriais. Os interesses de cada um desses grupos não são apenas diferentes, são antagônicos.

Você sempre preferiu quadrinhos que vão na contramão da indústria?
Na verdade, eu era mais ou menos indiferente ao quadrinho industrializado. O que mudou foi que neste nosso século, ele passou claramente a invadir e destruir os espaços que haviam para outros tipos de quadrinhos. E isso parece que também está acontecendo no cinema. Os quadrinhos industriais expulsaram os quadrinhos autorais das bancas. Agora estão dominando as livrarias.

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Como pode essa coisa de um personagem com superpoderes vestindo uniformes estranhos serem levados a sério, gerarem tantos tratamentos e subprodutos?
Eu também me pergunto. Mas o problema é ainda mais profundo: por que tal obsessão por personagens assim generalizou-se entre os homens adultos de nosso tempo. Acho normal alguém ser fã de um personagem antigo de quadrinhos ou de TV, acho normal existir um fã clube disso, mas é um bocado esquisito quando isso se torna tão generalizado.

Ainda é comum a associação de quadrinhos a histórias de super-heróis ou gibis infantis?
O grande problema não é mais de preconceito contra os quadrinhos. É mais concreto: as redes de livrarias gastam com quadrinhos industriais quase todo o orçamento que têm reservado para os livros de quadrinhos. Ainda que as vendas de cada um dos títulos venham caindo há décadas, a indústria vai produzindo mais títulos, então os pontos de venda ficam lotados.

Ouço falar que o mesmo problema acontece nos cinemas: os filmes de super-heróis tomam todas as salas e jogam outros tipos de filmes para horários “alternativos”.

Como você vê a relação afetiva que os fãs desenvolvem com o Super-Homem através dos tempos?
Na verdade, nem é tão forte assim. Pelo menos nos quadrinhos. Nos Estados Unidos, a venda dos gibis do Super-Homem hoje em dia não chega a 5% do que era décadas atrás.

"Ela [a indústria] hoje é uma inimiga da criatividade, da experimentação, da ousadia humana." (Rogério de Campos)

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Como daria pra criar um mercado mais autoral e de livres associações criativas?
Tenho algumas ideias. Mas acho que a primeira coisa é os quadrinistas e pessoas envolvidas na área conversarem a respeito, se articularem. Tenho certeza de que aparecerão ideias muito melhores do que as minhas.

A indústria é negativa para os quadrinhos?
Não sei se usaria esse termo. Acho que ela hoje é uma inimiga da criatividade, da experimentação, da ousadia humana.

O que você vê de coisas legais nos quadrinhos pop?
Claro que sim! Algumas das melhores HQs de todos tempos foram feitas dentro dessas fábricas. Em geral, quando os capatazes estavam distraídos. A indústria ainda depende do trabalho humano e de vez em quando um desses humanos aproveita alguma distração dos capatazes e exercita sua criatividade. Mas, na medida que a gestão fica mais eficiente, as planilhas ficam mais minuciosas e o controle aumenta, esses espaços livres diminuem.

No fim, o problema todo da indústria afeta a originalidade.
Como acontece cada vez mais em todas as áreas, a padronização é a receita para aumentar os lucros. Como em todas as áreas, o mercado de gibis está cada vez mais concentrado na mão de poucas empresas, cada vez menos empresas dominando tudo. Menos empresas e menos produtos. Para simular diversidade, apenas variam o design das embalagens. O mercado de gibis é hoje tão variado quanto o cardápio do Mac Donald’s.

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