O que fazer com madeira inaproveitada da Amazônia? Móveis monumentais

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O que fazer com madeira inaproveitada da Amazônia? Móveis monumentais

Nos descartes da floresta, Cristiano Ribeiro do Valle encontrou a matéria-prima para suas obras maravilhosamente imperfeitas.

ESTE CONTEÚDO É UMA COCRIAÇÃO DE BE BRASIL E VICE ESTÚDIO CRIATIVO.

O cheiro da madeira tem espaço especial nas recordações de infância de Cristiano Ribeiro do Valle. Quando menino, ele costumava passear com a avó no Parque Ibirapuera, em São Paulo, brincando de abraçar as enormes árvores que existem por lá. Hoje ele consegue sentir o mesmo perfume amadeirado quando viaja para a Amazônia em busca de troncos, raízes e restos de árvores que se transformam, quase que por mágica, em móveis e objetos de decoração de luxo pelas suas mãos.

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Formado em Agronomia, Valle mudou de carreira há 14 anos ao voltar de temporada de trabalho em florestas amazônicas. "Quem me deu a dica foi a minha mãe", lembra ele. "Eu contava sobre as madeiras que estavam por lá, abandonadas, e ela me perguntou se eu não poderia aproveitá-las e fazer alguns móveis. Comecei tudo por conta própria." Sua ideia nasceu da transição de agrônomo para designer. Assim, entre os descartes da floresta, Valle encontrou a matéria-prima exclusiva para suas peças de luxo que hoje têm lugar cativo em restaurantes, lojas de grife e hotéis pelo Brasil e também pelo mundo. Com o material inaproveitadol, cria móveis únicos, imperfeitos e monumentais.

O toque especial das criações do designer está no inesperado da natureza. Algumas ideias e conceitos só podem surgir nascer no coração da natureza. Mais precisamente, das florestas de manejo onde o designer têm autorização para buscar as madeiras da Tora Brasil, com certificação da FSC (Forest Stewardship Council). A organização, que está presente em diversos países, surgiu por aqui nos anos 1990 para combater a exploração de madeira ilegal e o desmatamento. O certificado é uma forma de garantir que a extração da matéria-prima cause o menor impacto ambiental possível, além de incentivar o trabalho com comunidades que vivem na Amazônia. Alguns países, por exemplo, só aceitam exportar madeiras com esse tipo de certificado.

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Crédito: Mel Coelho Ribas/ VICE

No Brasil, existem atualmente mais de 7 milhões de hectares certificados pela FSC - destes, cerca de 1 milhão é composto por mata nativa da Amazônia. Apesar dos números parecerem impressionantes, ainda é muito pouco perto da possibilidade total de manejo florestal no norte do país, onde muitas áreas são desmatadas e adaptadas para abrigar fazendas de pecuária extensiva. No manejo, o ciclo da vegetação é respeitado, impedindo a extração desenfreada.

"Também queremos incentivar a difusão de outras espécies vegetais para exploração sustentável. Na indústria, apenas 20 tipos de árvores têm a madeira aproveitada, mas sabemos que a Amazônia tem a maior diversidade florestal do mundo. Isso reduziria a pressão sobre espécies que são exploradas além da conta", explica Aline Tristão, diretora executiva da FSC Brasil. Mas não basta apenas diversificar a exploração e investir em técnicas mais sustentáveis no coração da mata. Mesmo em florestas de manejo, os resíduos de árvores amazônicas impressionam pelo tamanho e quantidade. As possibilidades vão muito além da fabricação de móveis.

Crédito: Mel Coelho Ribas/ VICE

Um exemplo desse tipo de reciclagem natural é a Mil Madeiras, empresa certificada desde 1997 e que também atua em florestas de manejo na Amazônia. Os resíduos de madeira descartados pela serraria da empresa são reaproveitados por uma indústria de energia para gerar eletricidade a 60% do município de Itacoatiara, localizado a 3 horas de Manaus. Além disso, sobras da produção são doadas para a OELA, Oficina Escola de Lutheria da Amazônia, ONG em Manaus que utiliza a matéria-prima das florestas na fabricação de instrumentos musicais para jovens de baixa renda e em situação de risco.

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Os móveis que vêm dessas florestas preservadas carregam histórias de muitas décadas, já que são árvores que cumprem o seu ciclo natural. É uma riqueza só nossa que merece ser perpetuada

"O país tem uma vocação florestal de fato, embora ainda existam muitos preconceitos em relação à utilização da madeira no dia-a-dia. É uma matéria-prima que aquece e aconchega, de inúmeras formas, que carrega um aroma único. Os móveis que vêm dessas florestas preservadas carregam histórias de muitas décadas, já que são árvores que cumprem o seu ciclo natural. É uma riqueza só nossa que merece ser perpetuada", acredita Aline Tristão.

Crédito: Mel Coelho Ribas/ VICE

Para Valle, o trabalho com madeira legal ainda ainda precisa ser devidamente reconhecido no Brasil. Apesar de existir uma tendência de valorização das matérias-primas nacionais, o compromisso com a sustentabilidade ainda fica em segundo plano, principalmente quando a exploração da madeira é pensada apenas pela ótica ostensiva do lucro a todo e qualquer custo. Por aqui, o bolso acaba falando mais alto e a madeira certificada tem seu preço, já que envolve uma série de questões, sustentáveis e trabalhistas, dispensadas pelas madeireiras ilegais.

"A colheita correta é a que mantemos a floresta em pé como um todo. Temos que manter não só as árvores, mas também as vidas que estão envolvidas ali, de pessoas e animais, que vivem da floresta. Dessa forma, criamos um trabalho que envolve famílias, empresas e natureza na medida certa, para que as árvores continuem crescendo. E não quero ser só alguém que vende mesas, quero ajudar a construir um Brasil mais sustentável", afirma o designer.