Seis Anos de Metanol.fm e Contando
Gisele Sanfelice

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Música

Seis Anos de Metanol.fm e Contando

A crew que começou como uma rádio na internet, se tornou o coletivo que estabeleceu a bass music na noite paulistana.

Se você vive neste mundo, curte música eletrônica e lê o THUMP regularmente, deve conhecer a Metanol.fm. O coletivo formado por Akin, MJP, Vekr, U-RSO e SoulOne, que começou como um programa de rádio, acaba de completar seis anos de existência. É claro que você está convidado a entrar em nosso DeLorean dos beats e viajar comigo ao início dos tempos, para entendermos a trajetória — e quem sabe traçar o futuro — do grupo. Chega junto.

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Em sentido horário: U-RSO, SoulOne, Akin, MJP e Vekr. Foto por Marcelo Mudou.

Era uma tarde nublada, uma quarta-feira. Mentira, não tenho certeza. Mas era um daqueles dias em que você se reúne com seus amigos, que piram nas mesmas coisas que você e rola aquela pergunta: por que não criamos alguma coisa juntos? Foi assim que, motivado a criar um espaço virtual para suas produções e a de seus amigos, Akin começou o programa Metanol.fm. "A rádio começou de um jeito muito informal, não tinha pretensão nenhuma, nenhum grande planejamento a respeito de programação, de conteúdo, ela sempre foi bem espontânea" me contou ele, por Skype. A primeira edição teve do programa teve uma certa audiência, na segunda essa audiência cresceu e, depois de alguns meses, rolaram uns convites para trazer o conteúdo da rádio para o universo offline. Assim, Akin começou a tocar em aberturas de exposições, em festas, sempre acompanhado de algum amigo, como o MJP, o SoulOne, o Seixlack e o Vekr. Cada um já explorava e desenvolvia o próprio som e, com a rádio, eles possuíam uma plataforma de atuação e divulgação independente e livre.

Em 2011, graças a uma parceria entre o SESC e a Metanol FM rolou o show do Flying Lotus em São Paulo. A festa foi chamada de Metanol Mix e, a partir desse evento, Akin teve a ideia de formar o coletivo. "A gente chegou pra uma reunião e ele [Akin] fez o convite, todos toparam no dia", relembra SoulOne. "Isso aconteceu porque a gente já tava tocando junto direto". Na época, o grupo era formado por Seixlack, MJP, SoulOne, Vekr e Cauê Ueda, o U-RSO, e a ideia era criar um espaço no qual todos pudessem atuar, não só expondo seus trabalhos, mas propondo ideias e tentando montar uma rede de iniciativas capaz de alimentar um cenário musical no qual eles já estavam inseridos, mas que não tinha muito campo de atuação — ainda. O U-RSO, por exemplo, era o representante das artes visuais no coletivo, responsável pelas projeções que acompanhavam o som do outros integrantes nas intervenções que eles faziam fora da rádio. Essa parceria demonstrava a intenção da Metanol, desde o começo, em explorar diferentes campos e sensações.

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Não muito tempo depois, a Amanda Mussi foi convidada a se juntar ao grupo, o toque feminino que faltava. "Lembro que comecei a acompanhar as transmissões da rádio logo no início, quando o Akin se apresentava com alguns beatmakers amigos em exposições e festas em apartamentos, e eu já me identificava muito com as sonoridades", contou ela, via Facebook. "Eu me juntei ao coletivo meio que naturalmente, quase todos já éramos amigos. O MJP, por exemplo, conheço há mais de 10 anos! Foi uma experiência e tanto, tivemos reconhecimento e prestígio bem rapidamente e nossa união fez a força mesmo".

Essa união se tornou oficial de verdade quando eles tocaram todos juntos pela primeira vez, na festa Inflamável do S/A — espaço que o Akin começou a desenvolver em paralelo, junto do seu sócio na época, Diogo Distúrbios. "A gente partiu de uma troca de ideias, de um rolê de amigos, pra uma coisa que começou a ser uma rede de contatos mais extensa", conta Akin. A rádio se mantém até hoje como na primeira edição, sempre às terças-feiras, das 20h às 22h. E é parte importantíssima para o coletivo, sendo a oportunidade de formação de diálogo em cima da música, entre pessoas com as mesmas intenções, e um meio de alcançar lugares onde o coletivo ainda não chega presencialmente.

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De volta ao presente, algum tempo se passou e o Seixlack e a Mussi seguiram seus caminhos, deixando o coletivo em momentos diferentes. Enquanto isso, em termos de produção musical, cada integrante seguiu seu estilo dentro da trama criativa que os interligava. Perguntei ao Vekr como ele enxergava esse processo. "No começo quase todo mundo tocava um som bem parecido, muito beat na linha do que os caras faziam em LA, e tudo mais", explica ele. "Com o tempo cada um foi seguindo seu estilo e isso acabou criando uma gama de possibilidades e sonoridades pro coletivo, o que era interessante pra quem acompanhava o nosso trabalho, pois você acabava ouvindo muita coisa diferente. Acho que esse foi o grande ponto da Metanol.fm, de colocar em evidência essas sonoridades que até então eram pouco exploradas por aqui". Somos obrigados a concordar com o Vekr. "Acho que cada um tem o seu papel, baseado nas suas referências pessoais/musicais, no desenvolvimento da identidade do coletivo como um todo".

Dá pra perceber que o que une o grupo remanescente, além da amizade e o gosto pela produção musical e visual, é a necessidade de discutir ideias e avançar sobre diferentes espaços, tanto privados quanto públicos, como a própria rua. Foi assim que, depois de uma intervenção numa ocupação em frente a galeria Choque Cultural, no bairro de Pinheiros em São Paulo, eles começaram a desenvolver as famosas festas nas ruas.

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Perguntei ao SoulOne qual era seu momento preferido desses seis anos e ele citou as duas primeiras festas organizadas na rua, por conta da novidade, do ar meio romântico em cima da idealização da festa. Eu sei exatamente do que ele está falando, pois não me esqueço do meu primeiro contato com o evento. Tinha aquele clima de liberdade, de muito amor envolvido, onde você transitava livremente e deixava a música te consumir sem frescura e sem delimitações de espaço, dinheiro, nada — movimento esse que já era muito explorado pela galera do soundsystem, com o Yellow P como principal representante. Não podemos esquecer também das edições maravilhosas da festa Metanol e Convidados, que rolam na Trackers, quando temos a oportunidade de admirar o trabalho de convidados ilustres, muitos estrangeiros, além do som dos integrantes do coletivo

Outro momento importante, citado pelo Vekr e pelo MJP, foi a participação da crew da Metanol.fm no Boiler Room em parceria com a Skol. "Por ser [o Boiler Room] algo que eu sempre acompanhei, desde o começo, vendo um monte de DJ e produtor que curtia tocando [lá] e, de repente, eu estava lá também", disse Vekr. "Pra mim foi o fato de eu ter feito uma apresentação de produções autorais mais experimentais, em um momento no qual acredito que esperavam um DJ set mais pista. Foi esquisito, porém sincero", concluiu o MJP. Você pode dar o play no vídeo acima para assistir à maravilhosa apresentação do Vekr na festa e clicar aqui para ver a dos demais integrantes. Garanto que você não vai se arrepender.

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MPJ e SoulOne no palco Theatre no Tomorrowland Brasil. Foto por Anna Mascarenhas.

Do pequeno estúdio montado por Akin às festas de rua e os rolezinhos no S/A, a Metanol.fm cresceu e se tornou referência quando o assunto é bass music — e não apenas em São Paulo. Não à toa, os integrantes da crew marcaram presença na primeira edição do Tomorrowland Brasil. Hoje, além da religiosa transmissão semanal da rádio, há sempre festas com convidados, convites para tocar em outros picos e uma produção constante e contínua de todos os envolvidos.

E qual a conclusão chegamos com tudo isso? Eu, pessoalmente, fico muito triste por não estar vivendo em São Paulo nesse momento e, consequentemente, ter perdido a gloriosa comemoração dos seis anos de Metanol.fm que rolou na última sexta-feira (4). Foram 12 horas de loucura pura e muitos convidados, como o duo Lacozta, a Mussi, Anshu Sound, Bad_Mix, a Raquel Krügel, Badraw Filez e Tdro. Mas, felizmente, a trajetória da Metanol ainda vai longe e cada seletor tem produzido com mais intensidade seus respectivos projetos autorais.

Como bem colocou o Akin, antes de concluirmos nossa conversa: "O grande lance da Metanol para os próximos anos é se tornar uma ferramenta cada vez mais eficiente pra que as pessoas consigam dar os próprios passos e que a gente consiga de certa maneira contribuir pro desenvolvimento de várias outras iniciativas. A gente não quer que exista só a Metanol, nunca foi essa a intenção. No fim das contas, a gente comprou a ideia de que teríamos que seguir pelo caminho mais difícil, que é abrir espaços para mais discussões para troca de ideias. Seja com as festas de rua, pra se poder discutir a questão do uso do espaço público. Seja com a transmissão da rádio, pra se poder discutir a sonoridade que é pertinente pros dias de hoje e aquilo que faz parte do nosso universo. Seja através de trabalhos de curadoria e de iniciativas que a gente tem de produção. De poder aplicar algumas ideias e trazer pra perto diferentes pessoas e ver o cenário acontecer".

Amém! Vida longa a Metanol.fm.

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