O Acampamento Unist'ot'en fica em territórios Wet'suwet'en tradicionais não cedidos em um corredor de oleodutos e gasodutos no norte da Colúmbia Britânica. No verão, helicópteros da indústria de energia começaram a pousar ali – sem permissão – para continuar seu trabalho de pesquisa, enquanto máquinas pesadas derrubavam as árvores no caminho do oleoduto TransCanada em direção ao Wedzin Kwah (Rio Morice). O propósito desse acampamento é proteger as terras de várias propostas de oleodutos que correriam das areias betuminosas de Alberta e extrairiam gás de xisto da região de Peace River até a Costa Oeste do país.
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Enquanto me preparava para minha primeira viagem para lá no verão passado, o acampamento estava em alerta máximo depois de receber informações de que as autoridades planejavam um ataque. O acesso não era fácil, e eu tinha de tomar certos passos para que eles pudessem verificar minhas credenciais de jornalista. Depois de fazer contato através das redes sociais, me instruíram a encontrar alguém em Vancouver perto do mar, frisando que eu deveria prestar atenção em um cara de barba num barco Zodiac. Depois, partimos para uma viagem de 15 horas até o norte da CB.
Me senti estranho entrando num acampamento de resistência bem no meu quintal. Antes de voltar para CB, passei quase três anos cobrindo o conflito no Afeganistão – e senti a mesma sensação de insegurança enquanto me aproximava desse ponto da minha província natal.Um número estranhamente alto de viaturas da polícia e SUVs pretas estava espalhado pela área. Comboios de picapes brancas passavam por nós numa estrada florestal estreita enquanto nos aproximávamos do acampamento na escuridão da noite. De repente, vi um clarão, senti como se fosse dia. Ouvi uma voz gritando comigo: "Quem é você?". Estávamos no posto de controle, que parecia mais a fronteira de algum outro país. O portão se abriu, atravessamos a ponte – não sem antes passarmos pelo protocolo que incluía várias perguntas padronizadas.
Como todos que cruzaram para o outro lado, eu tinha de respeitar a cultura indígena e a hierarquia hereditária local. Aprendi rapidamente que os acampados deixam as frescuras do outro lado da ponte e aprendem a viver da terra numa comunidade desconectada.
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Assim que entrei no acampamento, me olharam como um suspeito: eu era um rosto novo, afinal de contas, e eles estavam preparados para ter um infiltrado das autoridades ou da indústria. Ao mesmo tempo, eu temia ser preso e ter meu equipamento apreendido. À noite, dormi na traseira do meu jipe encarando o posto de controle, checando de hora em hora para ter certeza de que ainda estava seguro. Eu tinha planos de esconder meus filmes na floresta.Nas três semanas que passei lá, conheci pessoas de todos os tipos, que tinham vindo de várias partes da América do Norte, deixando família e trabalho para trás a fim de se unirem por uma causa. Eles estavam dispostos a serem presos.
A natureza é uma fonte incrível de remédios, tanto para o corpo como para a mente. Beber a água fresca do rio, ouvir o silêncio, devorar as frutas selvagens e carne de caça é parte do processo de cura enquanto você se desconecta das distrações do cotidiano. Esse é o lugar por onde devem passar os oleodutos, alguns já em construção, através de vales intocados e sob canais que alimentam geleiras. Quando cheguei, eu sabia que o acampamento era uma tentativa de lutar contra os oleodutos e proteger o meio ambiente. Mas logo percebi que isso é muito mais: é um esforço coletivo para restabelecer tradições, línguas e práticas sagradas que têm sido reprimidas há gerações.Tradução: Marina Schnoor.Siga a VICE Brasil no Facebook, Twitter e Instagram.
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