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Indígenas Australianos Estão se Unindo Contra uma Nova Geração Roubada

Em 2014, mais crianças aborígenes foram tiradas de suas casas do que em qualquer outro período da história australiana.

Em fevereiro de 2008, o então primeiro-ministro Kevin Rudd emitiu um pedido de desculpas público aos povos indígenas australianos. O pedido reconhecia as sucessivas políticas de governos federais e estaduais que levaram à Geração Roubada – dezenas de milhares de crianças aborígenes e ilhéus do Estreito de Torres foram tiradas de seus lares à força e colocadas sob cuidado distante do final dos anos 1800 até 1970.

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Mas seis anos depois do discurso de Rudd, os números mostram que mais crianças aborígenes estão sendo tiradas de suas casas hoje do que em qualquer outro período da história australiana. Líderes de comunidades indígenas dizem que essa é uma nova geração roubada e vão se reunir em Brisbane esta semana para coordenar grupos localizados e formar um movimento nacional.

No National Apology Day, em 13 de fevereiro deste ano, um grupo de mulheres aborígenes de Gunnedah, zona rural de Nova Gales do Sul, realizou um protesto em frente ao parlamento estadual. As chamadas Avós Contra Remoções (ACR) destacaram a situação em NGS, onde a crise está no auge.

O relatório da Comissão de Produtividade australiana de 2014 apontou que Nova Gales do Sul tem o maior número de remoção de crianças, onde 10% das crianças indígenas acabam longe de suas casas. As remoções são realizadas pelo Departamento da Família e Serviços Comunitários (DFSC) de Nova Gales do Sul.

Hazel Collins, uma das fundadoras do ACR, disse que as remoções não afetam apenas a família imediata das crianças, mas repercutem em toda a comunidade. “Fui afetada pessoalmente e é traumático ter que passar por isso, mas sempre que um bebê aborígene é levado, sinto o impacto disso como uma pessoa aborígene”, ela disse. “Minha avó e minha tia foram levadas muitos anos atrás e o impacto ainda é sentido em toda minha família.”

De acordo com Hazel, o que está por trás da situação é uma falta de entendimento quanto aos diferentes métodos de criação das comunidades indígenas. “Não podemos ser julgados por uma família que não é aborígene. Somos pais de um modo diferente. Criamos as crianças como uma comunidade, com todo um parentesco. Ninguém pode julgar a maneira como criamos nossas crianças”, ela disse.

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Hazel acredita que as DFSCs precisam ter redes locais centradas em manter as famílias juntas e que os povos aborígenes precisam ter mais controle sobre a questão.

Debra Swan foi assistente social sênior de uma DFSC por 13 anos, mas renunciou em janeiro deste ano por estar desapontada com o tratamento injusto dado às famílias aborígenes. Ela disse à VICE que o departamento não consulta as famílias de forma apropriada antes de remover as crianças, e que é preciso um serviço culturalmente específico para o povo aborígene.

“A agência não sabe lidar de maneira correta com as famílias aborígenes”, disse Debra. “Eles não dizem por que essas famílias são inadequadas, então essas pessoas não têm chance de se defender. Se eles fizessem consultas e reuniões com as famílias antes de remover as crianças, as coisas poderiam funcionar muito melhor.”

Um porta-voz das DFSCs disse que o departamento só remove crianças quando as considera em perigo significativo e quando todas as outras opções já foram exploradas. “Os assistentes sociais consideram a diversidade do povo e das comunidades aborígenes, as diferentes perspectivas e o contexto socioeconômico”, ele disse. “Os assistentes consultam e conhecem a família para estabelecer se há aliados protetores dentro do núcleo familiar e na comunidade local.”

O porta-voz apontou que o último relatório da Comissão de Produtividades mostrou que em Nova Gales do Sul, 63,6% das crianças retiradas das famílias são colocadas com parentes, o que supera o número geral nacional de 51,5%. Ele ainda explicou que 81,6% das crianças indígenas removidas de suas casas ficam com um cuidador indígena, e que aproximadamente toda criança indígena removida com menos de 12 anos vive num arranjo baseado em uma casa.

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No entanto, Hazel acredita que colocar crianças removidas de casa com parentes também traz problemas. “As crianças não podem ver um dos lados da família, então isso cria barreiras dentro das comunidades aborígenes.”

A ativista Olivia Nigro, que trabalha com o ACR, disse que o grupo propôs à DFSC o julgamento de um Comitê de Contato Comunitário Aborígene (CCCA). O comitê proposto, que será um corpo de representantes de serviços de controle aborígenes e idosos da comunidade, tomaria parte em decisões sobre casos de remoção.

A Associação de Serviço Público de Nova Gales do Sul, um sindicato de trabalhadores do serviço público, aprovou uma moção, em sua conferência anual de 30 de maio, apoiando a campanha do ACR, assim como a implantação do CCCA.

Mas, enquanto isso, a crise da remoção de crianças continua por todo o país.

Karen Fusi, que vive em Brisbane, Queensland, experimentou a remoção de sua neta com consequências trágicas. “Em 2010, minha filha deu à luz uma menina. Ela me ligou e disse: 'mãe, venha buscar o bebê, a assistência social acabou de chegar'. Eles tomaram o bebê e o colocaram sob cuidados especiais. Ela não soube como lidar com isso e teve depressão pós-parto. Ela ficou muito mal e acabou cometendo suicídio.”

Na corte federal, Karen lutou pela custódia da neta e venceu. “É muito triste. Por que temos que lutar por uma criança que nos pertence?”, perguntou.

Karen formou, então, o grupo Avós Soberanas de Brisbane, em conjunção com a embaixada provisória Soberania Aborígene Brisbane, e eles iniciaram um programa de alimentação. Eles fornecem comida para mais de 120 famílias de Brisbane, o que ajudou a desacelerar a taxa de remoções. Ela explicou que quando os assistentes sociais do Departamento de Comunidades de Brisbane visitam uma casa, a primeira coisa que eles observam é se há alimentos suficientes. Se não houver, a criança pode ser removida.

O Fórum Nacional dos Avós Contra Remoções deve acontecer em Brisbane em 10 e 11 de julho, na embaixada provisória em Musgrave Park. O encontro, que coincide com a semana NAIDOC (National Aboriginal and Islander Day Observance Committee), será a primeira chance que os grupos contrários às remoções terão de consolidar sua posição na Austrália.

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Tradução: Marina Schnoor