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Tecnologia

De Viral no YouTube a Funkeiro: A História de Lucas dos Santos, o 'Zika'

Lucas estourou na internet em 2008 com um vídeo que apresentava sua humilde moradia. Agora ele volta ao YouTube para se lançar como MC.
O Lucas também bola as imagens de divulgação dos seus shows. Crédito: Lucas dos Santos/Facebook

Era um dia tedioso de 2008 quando Lucas do Santos ligou a câmera. "Nada pra fazer e tal", ele diz, de óculos escuros, filmando a si mesmo com um cigarro aceso nas mãos. Entre uma tragada e outra, o jovem apresenta a uma plateia imaginária os detalhes de seu lar em Cumbica, periferia da cidade de Guarulhos, em São Paulo. "Repara a bagunça, não, firmeza, molecada?", entoa, com voz estridente.

A trêmula filmagem de Lucas dura poucos minutos. Enquanto ginga ao som de um rap americano, capta imagens do cômodo onde se apertam ventilador, camas, móveis e roupas. A seguir, mostra o computador branco, a TV de tubo, suas moedas, a própria câmera digital e seu movimentado perfil no Orkut. Durante todo o vídeo, Lucas dispara gírias até então pouco conhecidas, a exemplo de "é nóis que tá, cachorro", "é quente", "daquele jeito" e "voltando pra contenção do bagulho". O fim do vídeo, colocado no YouTube pelo próprio garoto com título de só zika, é abrupto.

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Dias depois, o despretensioso passeio de Lucas viralizou na internet. O impulso veio de uma campanha de gosto duvidoso do finado blog de humor Eu-Ri.com. A página assinava uma edição do vídeo do Lucas com o título "Mano do Gueto Mostra o seu Barraco". As falas do moleque explodiam com legendas que brincavam com seus erros de português. Nos comentários, anônimos e outros usuários protegidos por avatares destilavam preconceitos contra o rapaz. "Maldita inclusão digital", repetiam, entre outros impropérios, como se Lucas, por ser pobre, não devesse usar a internet para mostrar sua rotina.

Lucas Zika, como ficou conhecido, entrou pro rol de tipos como Jeremias e Lindomar, webcelebridades involuntárias da rede. Com a mesma velocidade que surgiu, desapareceu.

Para muitos, a história dele acabava ali.

Seis anos depois, no fim de 2014, Lucas voltou ao mundo dos vídeos. O roteiro da mídia é o mesmo: ele apresenta a si mesmo, sua casa, seus pertences, seus amigos. O que muda é o cenário. "Antes eu morava num barraco de madeira. Hoje moro numa casa de bloco", ele me disse, por telefone, com a característica voz dos vídeos. O computador branco deu lugar a três novas máquinas com acabamento em plástico preto, tela plana e configuração potente, disse ele. Lucas também trocou a câmera antiga pela câmera de um smartphone lançado em 2014.

"Em cima de esforço e muita batalha a gente consegue acompanhar a tecnologia", me explicou. Segundo ele, o dinheiro que usou para comprar novos equipamentos veio da manutenção de outros computadores.

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A verdade é que o vídeo que tornou Lucas famoso ajudou a impulsionar sua dedicação aos computadores. Após o sucesso na web, ele passou a fuçar os PCs que encontrava por perto. Na mesma época, o jovem começou um curso de informática. Mesmo sem terminar os estudos, Lucas aprendeu o suficiente para ganhar uns trocados com serviços de suporte no seu bairro. "Pra rapazeada eu nem cobro nada, mas pro zé povinho da vizinhança eu cobro 50 conto", disse.

Seu poder de consumo aumentou na onda da classe C, como diz o exaurido termo dos cadernos de economia. Segundo levantamento recente do instituto Data Popular, a renda total dessa parte da população pulou de R$ 791,47 bilhões para R$ 1,35 trilhão em 2015. Lucas e sua família entram na conta da renda anual de moradores comunidades carentes brasileiras com valor estimado em R$ 68,6 bilhões pela pesquisa Data Favela. O salto aquisitivo correu paralelo a mudanças de hábitos do consumo tecnológico, a exemplo da troca do Orkut pelo Facebook e da substituição das câmeras digitais por smartphones.

Lucas, no entanto, não viu isso de perto.

"Nem acompanhei essa mudança pro Facebook porque eu estava preso", explicou. Ele diz que foi detido por causa de uma briga em sua comunidade. "Um cara estava mexendo com criança pequena, a população se revoltou e o castigou. Deu cana pra meio mundo", explica. Por causa da treta, Lucas pegou quase um ano de matrícula no sistema penitenciário em 2011. Ele também deu seus pulos na cadeia. "Eu fazia a função do corre lá, tipo um marreteiro", disse. Vendendo itens básicos, como sabonete, ele ganhou o apelido de Corrida. Fora da prisão, as sílabas do nome se inverteram. "Aqui na vila é um tal de falar de trás pra frente, aí surgiu Darrico."

O Lucas, ou Mc Darrico, na contenção do fluxo. Crédito: Reprodução/Lucas dos Santos

O codinome virou nome artístico da sua nova empreitada como MC. Não à toa o rap do Soulja Boy do primeiro vídeo deu lugar ao funk do Mc G7 na gravação de 2015. O ritmo vem estampado até no boné do Lucas. "Desde aquela época eu canto funk, mas não era nada sério como hoje. Hoje faço show em casas por aí", conta. Os temas de suas composições falam de bailes, novinhas, drogas, motos, sexo, a passagem pela prisão e uma homenagem ao saudoso Mc Zóio de Gato. Como não podia deixar de ser, Lucas produz os sons em programas como Audacity e Fruity Loops numa época já distante do início do funk paulista.

No YouTube, agora aos 23 anos, ele se dedica a emplacar a sua carreira como Mc Darrico. O maior número de visualizações e comentários, contudo, está nos vídeos em que o moleque dá um rolê pela casa. "Sempre achei legal as críticas. Tem umas que são a mais, mas tem umas que vem pra melhorar seu produto", disse ele, pouco antes de ser interrompido por latidos. Era o mesmo cão do primeiro vídeo. "Vai deitar, Billy!", falou, aos risos, encerrando a conversa.