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fumar

A lei do tabaco foi escrita por alguém que fuma?

Achamos que sim.

Há leis feitas para proteger o património. Há leis feitas para proteger os cidadãos. Há leis feitas para proteger o estado. A lei do tabaco não é nenhuma destas. Promove a selecção natural. Ou talvez não. Temos de admitir que poucas coisas funcionam tão bem como lubrificante das relações humanas como o cigarro, sobretudo com a lei actual, que não permite fumo em espaços fechados de pequena dimensão. Passo a explicar-me. Algumas das melhores conversas que tive, das mais interessantes e estimulantes, foram travadas em volta de uma roda de cigarros. Não quer dizer que esses mesmos diálogos não tivessem lugar entre não fumadores, mas o tabaco implica um ritual. Nunca se está sozinho quando se tem um cigarro. As esperas parecem menos longas, menos penosas. Tem-se mais paciência para com a companhia quando esta se atrasa, dá-se graças a Deus por ainda não ter chegado para dar tempo de fumar um último cigarro. O cravar de um cigarro, o pedir um isqueiro deu origem a algumas amizades que ainda perduram, até de um namoro que deu em casamento: o meu. Ontem à noite, um grupo de amigos encontrou-se num bar. Todos estavam em animada conversa numa mesa, em volta de uma bela colecção de copos. Subitamente, um deles levantou-se e disse que ia à rua fumar, convidando, de imediato, outro ou outros fumadores para o acompanharem. Dois levantam-se, três levantam-se: de repente, todos se levantam, até o que não fuma. Então os outros dizem: "Alguém tem de ficar na mesa!" Aí, fica o que não fuma. Entretanto, todos os que foram fumar para o exterior, podem até ter tido as conversas mais banais, contado as anedotas mais recessas mas, quando voltarem para dentro, o não-fumador sentir-se-á sempre como um outsider. O que chutou ao lado. O corno. O que perdeu a janela de oportunidade da conversa em que se revelaram todos os mistérios da humanidade. Quantos não-fumadores ficaram à espera de um par de amigos que, quando voltaram, já eram namorados? Quantos não fumadores ficaram pendurados por um casal que foi lá fora fumar e que… já não voltou? Não foram poucas as vezes que uma pausa para uma cigarrada implicou uma escapadinha a dois e, quem sabe, uma rapidinha? Ah, a fabulosa intimidade de um momento a dois à porta de um bar ou restaurante: eu, tu e as centenas de clientes na rua à porta do Tásquilhado ou do Maria Caxuxa. Acabar com o fumo em recintos fechados proporcionou esta desculpa para umas fugas oportunas. Facilitou a escapadinha. Facultou uma cobertura para duas ou mais pessoas encontrarem um momento de intimidade para perceber mais semelhanças, partilhar desabafos e afectos, conspirações e aspirações. Para mim, é óbvio, a lei só pode ter sido escrita por um fumador. Enquanto fumava uma valente cigarrada. Se procurarem o Diário da República onde saiu a lei, vão encontrar marcas de coriscas. Obviamente.