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Identidade

10 Perguntas Que Sempre Quiseste Fazer a uma Drag Queen

O que é a cultura Drag em Portugal? Haverá respeito pelo trabalho performativo destas artistas? Conversámos com Sylvia Koonz, a recém-eleita Miss Drag Lisboa 2017.
Sylvia Koonz, Rainha Drag de Lisboa
Sylvia Koonz, Rainha Drag de Lisboa. Foto pelo autor

O primeiro concurso Drag Queen da cidade de Lisboa decorreu na sexta-feira, 10 de Novembro, perante uma plateia que esgotou a lotação da ZDB. Das sete concorrentes, Kiki Milano, Paula Lovely, Sylvia Koonz, Nevada Popozuda, Lila Fadista, Dama de Paus e Cher No-Billz, é claro que só uma levou a coroa para casa. Sylvia Koonz arrasou no palco da Zé dos Bois, no coração do Bairro Alto, e conquistou o título que agora ostenta até à próxima edição.

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A ideia do evento surgiu da parceria entre a drag canadiana radicada em Portugal, Miss Moço, com o DJ Miguel Rita e foi num ambiente de euforia que o júri, constituído por Cecília Henriques, Rebecca Bunny e João Marques (Nyma Charles) decidiu premiar Sylvia Koonz. A Rainha promete agora continuar a trabalhar para uma maior divulgação da cultura Drag e a próxima edição do Miss Drag Lisboa vai mesmo acontecer.

Pouco depois do momento da coroação como Miss Drag Lisboa 2017, a VICE juntou-se a Sylvia Koonz nos bastidores do evento, para uma conversa sobre o que é ser drag, como é criar ilusões e desconstruir as noções de género e encarnar ficções que fazem mudar mentalidades.



VICE: Porque é que escolheste o nome Sylvia Koonz?

Sylvia Koonz: É por causa de uma música em particular da Lady Gaga onde ela menciona uma Sylvia e por causa do álbum também da Gaga, Artpop, para o qual Jeff Koons fez uma estátua gigante. Mesmo que um dia eu pare de fazer Drag, a Sylvia vai ser imortal como aquela estátua. É esse o significado do nome.

O que é que tu tens da tua identidade Drag e da tua própria identidade?

Eu não separo. Para mim, a Sylvia é a minha parte mais extravagante, aquela que não consigo demonstrar quando não estou em Drag.

Como é que constróis a personagem? Na tua performance brincaste um bocado com a colagem que te fazem à Drag brasileira Pablo Vittar…

Hoje em dia, há muita gente na cultura Drag, principalmente numa vertente mais mainstream, que está um bocado virada para a Pablo Vittar, porque é uma Drag em ascensão. Portanto, qualquer Drag Queen que as pessoas vêem na rua agora é tipo “Oh my God, és a Pablo!”. E eu digo, obrigado, mas já chega, porque acho que cada Drag é uma Drag. A comparação é óptima, porque estou a ser colada a uma Drag linda e talentosa, mas às vezes cansa um bocado. Outro exemplo é o da comparação entre a cena das Drag Queens de Lisboa, com o programa "RuPaul’s Drag Race", mas aquilo é obviamente outra coisa. Elas ganham muito mais do que nós e conseguem ter de facto roupas e produções muito melhores e depois ainda nos dizem: “Ah, as local queens são um bocado not polished, não têm aquele 'acabamento' tão bom"… mas, para mim, isso não corresponde à verdade.

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Sylvia Koonz, em plena actuação no Miss Drag Lisboa 2017, na ZDB. Foto pelo autor

Achas que deveria haver mais respeito pelo vosso trabalho performativo?

Em primeiro lugar, isto não é só meter uma peruca e um vestido. Eu, por exemplo, passo três horas a maquilhar-me, porque tenho que construir uma cara nova. As perucas são caras, as roupas e a maquilhagem também. No meu caso, gosto sempre de contar uma história, como fiz [no concurso Miss Drag Lisboa] e isso leva o seu tempo. Para fazer esta performance demoro tempo e acho que as pessoas deviam dar mais valor a esse trabalho. É um trabalho de personagem, como no teatro. Ser Drag é como ser actor, mas de uma forma mais intensa e agressiva, digamos assim.

Porque é que ser Drag é criar um mundo de ilusões?

A partir do momento em que meto os pés no palco como Sylvia, sou sempre a Sylvia. Estou sempre nervoso, nunca estou completamente à vontade. Quando estou fora de Drag não consigo fazer nada destas coisas, odeio dançar e ser extravagante. Mas, quando estou em palco curto mesmo o que estou a fazer, porque em personagem gosto de entreter as pessoas.

De que forma é que esta coroação e este tipo de concursos podem ajudar-te a divulgares melhor o teu trabalho?

Eu ando na faculdade e não tenho muitos recursos financeiros para gastar na minha carreira Drag. O prémio [kit de maquilhagem] vai ajudar-me a ter mais maquilhagem. A visibilidade que este concurso tem também pode ajudar. Não estava à espera que isto fosse esgotar. Pensava que iam vender 100 bilhetes e esgotou e acho que para o ano vão conseguir chegar às 500 e isso vai ser muito bom para nós e para a visibilidade que se quer para a cultura Drag.

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Miss Drag 2017. Foto pelo autor

Na tua opinião do que é que a cultura Drag precisa para se continuar a afirmar?

Precisa que nos apoiem. Há muita gente que não apoia, simplesmente não apoia.

E porquê? preconceito?

Porque nos comparam às Drags estrangeiras, da América. E dizem “Ah aquele é feio!”. Estar aqui hoje com as outras concorrentes foi muito bom e eu não conhecia todas, só algumas. Criam-se laços de amizade, porque estamos aqui todas juntas a gritar “Ai ajuda-me a apertar o corpete!” e ajudarmo-nos e sermos solidárias, faz com que juntas tenhamos mais força. Além disso, ser Drag é fazer a desconstrução de género. Com este personagem eu crio ilusões sobre o que a sociedade pensa sobre o que é ser mulher. Estou em Drag e não tenho mamas. Uma mulher não precisa de ter mamas para ser mulher.

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E para ser Drag é "condição obrigatória" ser gay?

Não é obrigatório, mas há uma coincidência entre o mundo Drag e as pessoas que gostam de pessoas do mesmo sexo. No entanto, na minha opinião, não acho que seja um problema ou um tabu. Há Drags que não são gay, mas é menos habitual.

Quando sais à rua em modo Drag és insultada, ou em 2017 isso já não acontece?

Já aconteceu sem estar em Drag. Uma vez, por exemplo, estava com a Cher No-Billz - que também foi uma das concorrentes - e fomos insultadas e apupadas. E acontece mesmo quando estou com amigos e amigas minhas. Em Drag, pelo contrário, parece que as pessoas ficam mais curiosas e têm mais pudor em insultar ou tratar mal.


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