O VI Miss Curitiba Trans Foi Joia

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O VI Miss Curitiba Trans Foi Joia

O VI Miss Curitiba Trans foi um maravilhoso tapa na cara da sociedade duma das cidades brasileiras que mais procura pelo serviço sexual de travestis e trans e também uma das que mais mata por transfobia.

Nunca antes na minha vida eu dei tanto valor por ser mulher. A condição feminina é construída muito mais pela identidade de cada uma ou cada um do que pelo seu gênero sexual de nascença. Algumas mulheres transexuais podem nunca ter ouvido falar de Simone de Beauvouir, mas sabem exatamente do que ela estava falando sobre tornar-se mulher: a experiência da afirmação feminina é sentida na pele . Isso foi o que senti após acompanhar de pertinho o VI Miss Curitiba Trans.

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Muito mais que um concurso de beleza que elegeu a nova Miss Trans de Curitiba e do Paraná, o evento, como me disse uma das meninas que estava na plateia, vai na contramão dos concursos de Miss-Alguma-Coisa. Os concursos tradicionais supervalorizam até hoje a beleza e os corpos esculturais das candidatas, ficando em segundo, terceiro ou quarto plano uma possível importância da intelectualidade ou do papel feminino dessas moças na sociedade.

Claro, existem exceções. Mas a ideia aqui não é falar mal dos concursos de beleza e simpatia da forma como os conhecemos. Estamos falando de um concurso que tem uma importância política e social muito mais impactante do que se imagina. O que pode ser prisão para algumas mulheres - aqui falando de concursos de beleza - pode sim ser a libertação e o empoderamento de outras.

A cerimônia reuniu 16 candidatas vindas de todo o Paraná, Santa Cataria e Rio Grande do Sul, além de uma legião de amigos, familiares, apoiadores, torcida, maquiadores, cabeleireiros, estilistas, mestres de cerimônia e a comunidade LGBTT que, literalmente, lotaram o Espaço Cult, no coração do centro histórico curitibano. Todos derretendo pelo calor, mas tentando segurar a make, porque, afinal, a noite era de gala. As mais acostumadas já foram prevenidas: levaram leques orientais enormes na bolsa para se abanarem enquanto davam opiniões as possíveis futuras misses.

Horas antes de começar, o camarim era um verdadeiro caos de laquês, roupas, maquiagens e grampos de cabelo. Conforme o tempo ia correndo, a fumaça dos cigarros dentro do camarim ia ficando mais densa: nervosismo puro no ar. Não dava pra deixar a peteca cair.

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O primeiro desfile de apresentação das meninas foi casual: baby look estilizada, jeans e salto alto. Logo depois veio o desfile em traje de banho e por fim o tão esperado traje de gala. Chiquérrimo é pouco. Foi literalmente o debute de muitas meninas que por toda a vida ou grande parte dela tiveram sua feminilidade reprimida e seus corpos marginalizados. Para elas, pisar firme com o salto na passarela é muito mais do que simplesmente disputar uma faixa. É afirmar como verdade sua identidade duvidada de mulher.

Ali não importava se mudaram de sexo ou não, se já legalizaram seu nome social, tomaram hormônios para adaptar o corpo ou ainda passarão por todas essas etapas. O ponto foi mostrar pra quem quisesse ver que o gênero de cada pessoa é muito mais ligado a como você se sente no mundo e não a como você chegou nele. Essas mulheres lindas ainda são clandestinas na categoria de mulher e ainda têm seus corpos constantemente questionados. "A gente tá tentando estabelecer laços de alto-estima: a gente não joga pedra na Geni!", disse uma das candidatas.

A emoção de estar presente foi inquestionável, era muita energia e adrenalina no ambiente. Esse é só o começo da visibilidade trans em Curitiba, uma das cidades que mais procura pelo serviço sexual de travestis e trans e também uma das que mais mata por transfobia e exclui por desconhecimento e preconceito. Lá elas brilharam como devem brilhar todos os dias. "Há anos a gente vem lutando dia após dia pelo mínimo de respeito que uma pessoa merece. Estou triste porque quando a festa começou aqui, recebemos a notícia de que uma colega se suicidou hoje. Provavelmente mais uma vítima dessa transfobia. Vamos resistir. Porque nós não deitamos, nós somos TRANS!", exatamente como disse uma das homenageadas da noite, ovacionada pela plateia.

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A vencedora do concurso foi a curitibana Patrícia Veiga, 20 anos. Nallanda Bioshe, 28, e Alicia Krüger, 21, foram a primeira e a segunda princesas, respectivamente. Já coroada como Miss Trans, Patrícia deixou seu recado. "Eu quero levar o sonho de todas e mostrar para o mundo que nós somos seres humanos com sentimentos".

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