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Como 'Game of Thrones' pode nos surpreender de agora em diante?

Sejamos sinceros: a série perdeu quase todo o poder de nos abismar pelos assassinatos. Em vez disso, são os sobreviventes, ou até um “felizes para sempre” ou dois, que me surpreenderiam.
Screenshot de 'Game of Thrones.' Cortesia HBO.

Alerta de spoilers.

Quando Jon Snow estava sufocando embaixo de uma pilha de cadáveres e homens em pânico, admita — você achou que ele ia morrer, dessa vez para sempre. Isso porque nos últimos seis anos, Game of Thrones te treinou para acreditar na possibilidade da morte repentina de qualquer personagem, independente de sua importância. Claro, ele não morreu. Os Cavaleiros do Vale, liderados por Sansa Stark e Mindinho, apareceram do nada para salvar o dia, um salvamento heroico familiar — mas não menos emocionante — para quem curte fantasia épica como Senhor dos Anéis.

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Enquanto Game of Thrones vai chegando ao seu final, muita gente morreu, e muita gente ainda vai morrer. Apesar das formas das mortes poderem chocar, a série, para mim, perdeu quase todo o poder de surpreender pelos assassinatos. Em vez disso, são os sobreviventes, ou até um "felizes para sempre" ou dois, que me surpreenderiam.

Por exemplo, o episódio de ontem. A decisão de Cersei de explodir o Grande Septo já tinha sido prevista em vários episódios: numa visão de Bran, na conversa de Tyrion com Daenerys sobre seu pai, e na declaração de Jaime a Edmure de que Cersei "reduziria cidades a cinzas" pelos filhos. Os roteiristas contavam com a antecipação da explosão, elevando a tensão com as cenas dos personagens se vestindo e música clássica, depois o grande bum. Lena Headey, que só rivaliza com Dinklage pela coroa de melhor ator da série para o público, entregou uma interpretação perfeita, bebendo vinho enquanto a cidade queimava. Tenho que admitir que subestimei o quanto ela abraçaria o mal.

Ainda assim, enquanto ela colocava seu vestido negro de vilã, matava incontáveis inimigos de uma vez e entregava a Septã para o zumbi Ser Gregor estuprar e torturar, suas maquinações mais uma vez resultaram na perda do que era mais importante para ela. Se ela será nossa vilã final, já sabemos que Cersei não pode mais vencer. A ascensão dela ao trono possivelmente só vai abrir caminho para Westeros trocar uma rainha má por uma boa, quando Daenerys voltar para casa.

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Ned Stark, Catelyn e Robb Stark, Joffrey, Tywin, Jon Snow — essas mortes vieram como uma surpresa porque não se encaixavam na nossa expectativa de como histórias assim funcionam.

Esse episódio foi incomum em vários sentidos. Em vez de acabar com a explosão e a queda de Tommen, a cena abriu caminho para uma longa sequência em Porto Real, depois nos levou para um canto surpreendentemente calmo do Norte, Meereen, Dorne e Correrrio, e de volta no tempo para descobrir que R+L=J era verdade no final das contas. Tyrion e Daenerys formam um pacto, Arya reencena sua cena favorita de Titus Adronicus, e fica claro que Lyanna Mormont (que, não por coincidência, tem um nome que começa com "L"), é a criança mais fodona de Westeros.

A série mudou fundamentalmente na temporada seis, indo de um conjunto vertiginoso de narrativas, que funcionavam subvertendo nossas expectativas, para uma coleção mais unida de três histórias que seguem as convenções — de maneira brilhante — de uma história de fantasia. O exército de resgate chega no último minuto. Arya e sua assassina fazem parkour nas ruas de Braavos apesar das facadas que ela tomou, enquanto nenhum transeunte interfere. Daenerys queima os patriarcas Dothraki e o exército magicamente se submete a ela, em vez de partir para a vingança. O curto momento de sacrifício heroico de Hodor (meio forçado) rende tempo suficiente para uma adolescente arrastando um trenó fujir de um enorme exército de mortos-vivos e encontrar o tio perdido de Bran. Não me entenda mal — adorei todos esses momentos, mas eles também são um sinal de que Game of Thrones funciona agora sob um novo conjunto de regras.

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É só pensar nas primeiras temporadas, quando Game of Thrones nos introduziu às realidades de uma Westeros em guerra, um mundo onde qualquer um, por mais heroico que fosse, podia morrer. Ned Stark, Catelyn e Robb Stark, Joffrey, Tywin, Jon Snow — essas mortes vieram como uma surpresa porque não se encaixavam na nossa expectativa de como histórias assim funcionam. Ned Stark deveria voltar e liderar a luta contra os monstros do norte. Catelyn e Robb deviam vingar Ned. Tywin, o patriarca da família mais poderosa da série, morre cagando. Alguém importante — um Stark ou talvez Tyrion — deveria matar Joffrey numa cena triunfante de vingança, parecida com a que vimos com Ramsay semana passada. Em vez disso, do nada, ele é envenenado. Todo mundo odiava o Joffrey, mas ninguém viu a morte dele chegando.

A subversão das narrativas esperadas é um produto da brilhante apropriação de George R. R. Martin da história da Guerra das Rosas, uma longa guerra civil real da Inglaterra medieval que realmente mudava com mortes repentinas. Mas desde o primeiro capítulo, da primeira cena, ele cercou a narrativa de política real com duas outras — dragões e zumbis. A trama dos zumbis, como qualquer trama desse tipo, cria um inimigo implacável que só pode ser enfrentado com a humanidade unida. Infelizmente, humanos são humanos, então ignoram essa ameaça e lutam entre si pelo poder. A trama dos dragões, por outro lado, vai para o reino da alta fantasia, com a busca de autodescoberta do herói enquanto Daenerys passa de peão a rainha, reunindo uma coleção de companheiros e conselheiros com talentos diversos que a ajudam no caminho.

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Nos episódios finais, três coisas ficaram claras. Primeiro, não restavam muitos personagens para matar e ainda assim ter uma história que as pessoas quisessem assistir. Segundo, as tramas dos zumbis e dragões avançavam rápido. A necessidade de terminar as grandes tramas vai passando por cima do "realismo" brutal da história, tirando a Guerra das Rosas da paisagem. Terceiro, Daenerys tem Dorne, Tyrell, os Dothraki, os Imaculados, os Ironborn, três dragões e o cara mais inteligente dos reinos como sua Mão. Contra ela, temos os Lannisters, que aparentemente sempre pagam suas dívidas, e talvez um Rei do Norte, que pode acabar atropelado por zumbis.

Os roteiristas de Game of Thrones passaram seis anos nos ensinando o que "valar morghulis" significa: todo mundo vai morrer, muito antes deles, e dos espectadores, estarem prontos. Aprendemos bem a lição, por isso a reação à morte de Hodor foi tão emocional. A morte dele foi significativa. A de Rickon, também, pode ter te feito gritar para ele correr em zigue-zague (mas, olha, ele era só um menino assustado e não estava pensando direito), mas entendemos o que estava acontecendo. O mesmo pode ser dito de todo mundo que morreu no templo. Espero muito mais mortes assim na próxima temporada.

O que não sei é o seguinte — quem vai sobreviver? Eles vão conseguir arrancar sua vitória das garras da derrota? Alguém vai viver feliz para sempre, ou, pelo menos, por um dia ou dois? Isso sim seria uma surpresa.

Tradução: Marina Schnoor

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