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Paraisópolis S/A

É verdade que o clichê preconceituoso reflete ainda uma parte da realidade de muitas comunidades (termo cujo uso já reflete uma bem-sucedida estratégia de branding) Brasil afora, mas ignora uma profunda transformação em andamento.

Edivaldo de Souza Barbosa, deixou um emprego na loja de irmã em Pinheiros para abrir a Brilhante Semi-Jóias, que abastece outras lojas na comunidade e até lojas na Avenida 25 de Março, templo do consumo popular no Centro de São Paulo. Além do negócio com jóias ele investe em pontos comerciais ao redor da comunidade.

Para a maioria dos brasileiros que não vivem em favelas, pensar em capitalismo dentro delas significa imediatamente imaginar trainees magrinhos, descalços e sem camisa com uma mochila de sacolés de cocaína nas costas e uma pistola na cintura comandados por CEOs com fuzil espalhafatoso no ombro focados em literalmente queimar a “concorrência” em seus sofisticados micro-ondas, produto de mais alta tecnologia desenvolvido localmente. Os mais ciosos de sua própria história corporativa acumulando os restos em um head fund, tão herméticos e inexpugnáveis quanto os hedge funds que quebraram a banca da economia global. Um modelo de negócios muito mais influenciado por Darwin do que por Jack Welch.  É verdade que o clichê preconceituoso reflete ainda uma parte da realidade de muitas comunidades (termo cujo uso já reflete uma bem- sucedida estratégia de branding) Brasil afora, mas ignora uma profunda transformação em andamento. Nos últimos seis anos apenas, cerca de 20 milhões de brasileiros fizeram o upgrade para classe C, letra que não representa apenas a inicial de capitalismo, mas também o que muitos analistas consideram a nova classe média brasileira. E uma parte significativa desse povo mora e pretende continuar morando nas favelas, ou melhor, comunidades (olha o C aí de novo) onde encontraram o rumo ascendente na vida. É uma classe que ganha entre R$ 1.115 e R$ 4.807 (economistas têm aversão a números redondos) e que, de carnê em carnê, é a grande responsável por ter mantido a economia nacional a salvo da crise que ainda vem causando devastação ao Norte do Equador. E se os grandes players do capitalismo nacional estão mandando até etnógrafos para dentro das comunidades para tentar entender melhor esses newcomers no mundo do consumo, os negócios que nasceram já dentro dessas comunidades estão em posição estratégica para colher os frutos dessa bonanza. Paraisópolis, encravada em meio a uma floresta de torres de gosto duvidoso com apartamentos vendendo nos high six figures no nobre bairro paulista do Morumbi, é o perfeito case study para o fenômeno.

Sandra Margareth Pinheiro, dona da Sandra Lingerie, já teve loja em Pinheiros. Como o negócio não deu certo desfez a sociedade e veio para Paraisópolis, onde finalmente encontrou sucesso. Agora ela já pensa em abrir uma segunda loja num shopping.

São 8 mil estabelecimentos comerciais que movimentam no mínimo 36,5 milhões de reais por ano. Esse número na verdade é uma estimativa rudimentar feita por Gilson Fernandes, presidente da União de Moradores de Paraisópolis, já que um estudo detalhado da economia local nunca foi feito. O próprio Gilson acredita que esse valor hoje já deve ser bem maior. E o mercado consumidor da comunidade não se limita aos seus cerca de 100 mil moradores.  “Vendo até pra 25 de Março (principal endereço de comércio popular da cidade de São Paulo, que diariamente atrai multidões de sacoleiros do Brasil todo)”, garante Eduardo de Souza, dono de uma pequena loja de joias na Melchior Giola, o endereço nobre do comércio paraisopolitano. Eduardo não é originalmente de Paraisópolis, se mudou para lá apenas por causa de seu negócio, há dez anos. Foi um dos primeiros comerciantes de fora a superar o preconceito e apostar no potencial capitalista da segunda maior favela de São Paulo. Trabalhava na loja da irmã em Pinheiros quando um amigo lhe deu a ideia da aventura. “Ele disse ‘monta o negócio que dá certo’. Abri e deu,” diz, detrás do pequeno balcão emoldurado por uma enorme tela de plasma exibindo um show de música sertaneja, ao final de dois longos corredores abarrotados de colares, pulseiras e brincos folhados a ouro e prata. Hoje seu faturamento mensal com o negócio, cerca de R$ 30 mil, é 50% maior que os R$ 20 mil que tirou do próprio bolso para começar sua vida empresarial em Paraisópolis. A notícia deve ter corrido, pois o valor dos pontos comerciais da comunidade disparou nos últimos anos. “Eu comprei um ponto por R$ 25 mil e hoje se pedir R$ 120 mil vendo fácil. E isso em três anos!”, se espanta Eduardo, que cedo percebeu o potencial do mercado de “real state” local e já abocanhou vários pontos espalhados pela favela. O dinheiro extra dos aluguéis ajuda a garantir sua renda de classe A. “Tudo o que eu quero eu tenho”, garante. Quem melhor definiu o frenético ambiente de negócios em Paraisópolis foi Raimundo Nonato Santos da Silva, que acaba de abrir sua própria oficina de estamparias: “fala-se por aí que até se colocar merda pra vender, vende”.