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Música

Discos: Artifacts

Um clássico que escapou à maldição de Nova Jérsia.

Between a Rock and a Hard Place
Below System
9/10 Não deve ser fácil morar num lugar que está constantemente no centro das piadas do restante país. Pois é essa a triste sina de quem vive no estado de Nova Jérsia, que, devido à elevada concentração de população, acaba por acumular toda a merda (lixo, sujidade) que contribui para a sua má fama. Existe até uma música dos Bloodhound Gang intitulada “The Ten Coolest Things about New Jersey”, que consiste apenas de dez segundos de total silêncio. A piada tem graça, mas não deve cair nada bem entre as gentes de Nova Jérsia. Para mais, este estado está habitualmente destinado a todo o tipo de comparações com os vizinhos de Nova Iorque, cujo andamento cultural deve ser dos mais apreciados em todo o mundo. Encurralado entre a coolness de Nova Iorque e o Oceano Atlântico, Nova Jérsia vai resistindo à custa da indústria, dos parques de diversões, dos Yo La Tengo e de uma escola de hip-hop que não é assim tão pequena ou desprezível. Nada mesmo. Recordemos por exemplo a influência de bandas como os Naughty By Nature, os Fugees (The Score foi um sucesso estrondoso) ou os Lords of the Underground. Todos esses estão ligados a New Jersey, que, a seu favor, conta ainda com o facto de ter visto nascer os Sugarhill Gang (autores de “Rapper’s Delight”, que tantas vezes marca presença nas primeiras páginas dos livros sobre hip-hop). Contudo esta selecção não ficaria completa sem os Artifacts, duo formado em Newark (NJ) pelos muito astutos rappers El Da Sensei e Tame One (que têm sido acompanhados por DJ Kaos desde a reactivação em 2009). Escutando o disco de estreia dos Artifacts, Between a Rock and a Hard Place (lançado em 1994 e recentemente reeditado pela Below System), o que encontramos é um clássico, que provavelmente só viu escapar esse estatuto devido à maldição de New Jersey. Felizmente, tudo aquilo que amaldiçoa Between a Rock and a Hard Place é também aquilo que o fortalece. Percebe-se isso na forma como El Da Sensei e Tame One transformam uma posição de desconforto em rimas geralmente na mouche do que pretendem, enquanto tematicamente o disco oscila entre o tributo ao graffiti e a auto-biografia dos próprios Artifacts. Impossível é também ignorar todo o seu valor como documento de um tempo em que o hip-hop ainda era uma arte-engenho de escape para os encurralados e nem tanto um veículo de propaganda para os novos ricos. Para que tudo isto resultasse num clássico, podia até ter sido suficiente a acutilância com que El Da Sensei e Tame One distribuem as rimas de outsiders, mas um disco como este não se faz sem um grande produtor. Sendo também ele um homem algumas vezes esquecido na sombra (de DJ Muggs, nos Cypress Hill, por exemplo), T-Ray dispõe aqui de todas as oportunidades possíveis para mostrar que é um fabuloso artesão de beats. Sabíamos que assim era desde que a paranoia começava a rolar em “I ain’t goin’ out like that”, dos Cypress Hill, mas é em malhas como “Wrong Side of Da Tracks” ou “Whayback” que nos certificamos da grandeza de T-Ray na mistura de beats de rua com samples jazzy e outras especiarias vindas de vinis empoeirados. Com isto, o objectivo nem é sequer diminuir o contributo de Buckwild e Redman, pois também eles dão muito a Between a Rock and a Hard Place e o primeiro tem em “Attack of New Jeruzalum” (Nova Jérsia, na verdade) um daqueles momentos que parecem concentrar todas as energias do disco. Mesmo assim, não há energia como a dos Artifacts a rimar sobre as produções T-Ray, que, durante uma hora, silenciam todas as piadas sobre Nova Jérsia.