Pega o Monstro que há em ti

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Música

Pega o Monstro que há em ti

A adolescência é chata, a juventude é sacana. Mas não se preocupem, os putos estão bem.

Dez músicas. Trinta e cinco minutos. Afasta os móveis. Prepara-te para os vizinhos a esmurrarem-te a porta. Carrega no botão e aguenta-te à bronca que tens muito air guitar pela frente, doses maciças de headbanging e uns pontapés na atmosfera para aviar. A Júlia e a Maria não inventaram nada. O rock tem quase 70 anos. O Garage, o Punk, o Hardcore, até o Grunge (sim, também o havia bom), são variações mais ou menos alternativas e já têm também a sua vidinha feita. Riot Grrrll… foi mais uma expressão do que propriamente um movimento ou um género. Eram gajas a partir tudo, e com coisas importantes para dizer e isso, à época (uns anos 90 em que tudo começava a acelerar) chegou.

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Fotografia da Ágata Xavier.

A Maria e a Júlia não inventaram nada e, no entanto, aqui estão elas a partir tudo, com muitas coisas para dizer e, nas mãos, um disco de rock n' roll com tomates de proporções épicas. Disco que é bem capaz de as levar a um patamar que se calhar não imaginavam atingir quando em 2008 com 17 e 15 anos e mais um bando de putos, não só se meteram a fazer música, como se abalançaram a gravá-la, produzi-la, distribui-la e promovê-la debaixo dessa casa bonita, multifacetada e tão utópica como eficaz chamada Cafetra Records.

A Maria toca guitarra e canta, a Júlia toca bateria e canta. São irmãs, lisboetas, e desde 2010 respondem pelo nome Pega Monstro. O disco chama-se Alfarroba foi gravado nos estúdios Golden Pony, de onde têm saído as grandes pérolas da música lusa na última década, produzido por Leonardo Bindilatti (dos também "cafetras" Putas Bêbadas) e, num "golpe" que demonstra bem a visão estratégica desta malta, desta vez a edição ficou a cargo da londrina Upset The Rythm, lugar onde o duo português encaixa como uma luva ao lado de bandas como os Deerhoof, John Maus, Munch Munch, No Age, ou até os agora mediáticos Future Islands.

Fotografia da Ágata Xavier.

E é daqueles que vai deixar marca numa geração (a delas), que vai ser uma inspiração para outra geração (mais nova), que em número cada vez maior lhes vai enchendo as salas nos concertos (delas e do resto da pandilha Cafetra) e ainda um alívio para outra geração (mais velha), que nestes trinta e cinco minutos tão furiosos como comoventes, tão intensos como subtis, reconhecem a sua própria história, sem concessões, saudosismos ou monotonia, antes com frescura, vitalidade e uma lucidez pouco comum.

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Isto é rapaziada que faz o que lhe dá na real gana e não vacila. Nem quando sob aclamação geral da crítica lançaram em 2011 o primeiro álbum a sério, "Pega Monstro", sucessor do EP de 2010 "O Juno-60 Nunca Teve Fita", gravado pelo "Tio Fachada", senhor de outras andanças musicais (e daí talvez não, porque isto no fundo é só rock n'roll e nós gostamos), directamente para um quatro pistas e impregnado dessa urgência crua tão capaz de a um mesmo tempo criar seguidores, como sentenciar mortes prematuras.

Fotografia da Ágata Xavier.

Afinal, seria tão fácil pensar que uma cambada de putos entre o alucinado e o armado em esperto, a cantar coisas adolescentes em português e a fazer um chinfrim do caraças com guitarras em volume generoso não passaria de um fogacho de Verão inspirado nos desvarios sónicos da Bee Keeper de há mais de 20 anos. Não tarda crescem, tiram os seus cursinhos e a barulheira, a revolta, a vontade de contar histórias de salmonelas e tendas a abanar em Paredes de Coura esvai-se atrás da secretária do gabinete de design gráfico e sobrevive apenas nas conversas gabarolas de copos na ZDB: "Quando eu era novo toquei aqui mil vezes e aí é que era bom".

Por outro lado, no meio do hype (à escala lisboeta talvez, mas ainda assim, potente) que rodeou as Pega Monstro, o Éme, ou os Passos em Volta (de que a Maria e a Júlia também faziam parte com o Éme e o Sar, parte do núcleo fundador da Cafetra) há cerca de três anos também todos podiam ter-se deslumbrado com a atenção e os elogios e terem tentado capitalizar nesse suposto "êxito". Desalinhados e talentosos. Com culto em formação e gente mais que respeitada a apoiá-los…

Nada mais errado. Como se viu pela atitude quase imediata de acalmar, pensar, estruturar, chamar ainda mais amigos ao barulho para que, se algo falhasse, pelo menos estarem todos juntos e amparados. Esta gente não anda aqui a brincar. E se, como garantiam a Júlia, o Sar e o Éme em conversa com a Vice PT poucos dias depois do fim da primeira digressão ibérica da Cafetra - que levou o rock Pega Monstro, a folk de sabor canção pop de Éme e a electrónica claustrofóbica da dupla Iguanas a palcos tão diferentes como são os de Barcelona, Valência, Vila Real de Trás-os-Montes, Porto ou Lisboa - "o futuro não interessa tanto como o presente", é certo que com "Alfarroba" há um futuro que se adivinha radioso.

Está à vista na estranha melancolia de "És Tu, Já Sei", mui My Bloody Valentine era "Isn't Anything", na urgência carregada de velocidade e de riffs duros de "Branca", "Braço de Ferro" ou "Fiz esta Canção", no longo curso de onde não se quer sair em "Amêndoa Amarga", mas também na beleza comovente de "És tudo o Que Eu Queria", embalada pelas teclas carregadas de reverb e pela voz desassombrada da Maria a cantar quase cândida sobre algumas das merdas fodidas que acontecem no amor não correspondido.

A adolescência é chata, a juventude é sacana. Mas não se preocupem, os putos estão bem. Há 10 canções e trinta cinco minutos para o provar.