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Música

‘Body Talk’ da Robyn Salvou Minha Vida

O disco de 2010 da sueca ajudou Joshua Glazer a sobreviver ao fim de um relacionamento de 10 anos.

Para comemorar o quinto aniversário de 'Body Talk', disco da Robyn, o colaborador do THUMP Joshua Glazer se recorda do tempo em que esse cristalino disco pop o ajudou a se recuperar de seu divórcio.

No final de 2010, me encontrei no fim do caminho. Minha carreira como o editor de uma revista de música que uma vez foi relevante em Los Angeles lentamente acabava frente às novas mídias. Ao mesmo tempo, meu relacionamento de oito anos, após um casamento de dois, rapidamente se desmanchou quando minha parceira resolveu aceitar um emprego em Toronto e se mudou para o Canadá sozinha. Como se isso não fosse o bastante, nosso gato de dez anos faleceu de doença nos rins na mesma semana da nossa separação, como se dissesse, "se vocês não conseguem fazer isso funcionar, por que eu deveria?"

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Tudo ocorreu depois da nossa família se desmanchar em Viena, no décimo dia de uma estadia de três meses na Aústria. Faltando dois meses e meio até meu vôo de volta pra Califórnia, eu escapei para Berlim em busca de refúgio com velhos amigos da minha juventude na comunidade de techno de Detroit, e comecei a explorar a infame cena de baladas da capital da Alemanha.

Após várias semanas acampado em sofás e quartos vagos, consegui alugar um apartamento no agora descolado bairro de Neukölln, ainda vários anos antes dele eclipsar Kreuzberg como o ponto hipster. O flat de um quarto era tão minimalista quanto a coleção de discos do selo Perlon que enchia as estantes que dividiam a área do quarto da sala de estar. Por força do destino quem me alugou esse apartamento foi um sujeito que mantinha uma loja junto com a esposa do fundador da Perlon, Zip. Em uma poltrona ficava uma bolsa com a marca dos meus amigos da Paxahau, os promoters do festival de techno Movement-Detroit com quem eu armava festas dedicadas ao techno.

E o techno me fez companhia. As próximas semanas foram um emaranhado de sessões na Berghain que seriam consideradas heróicas em todos os aspectos, mas eram equiparadas aos meus companheiros desajustados amantes de música, mais de um também fugido para Berlim depois de grandes catástrofes amorosas. Esse grupo de solteiros em Berlim se soltou nas longas noites europeias, foi um grande alívio para as questões emocionais que me abatiam sempre que eu voltava para o flat vazio.

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A minha vida podia ter sido desancorada de seu porto na costa oeste, mas não estava completamente à deriva. Eu ainda precisava ganhar dinheiro, mesmo para manter o famoso baixo custo de vida de Berlim. Para conseguir alguns trocados, comecei a escrever resenhas de música para o agora falecido site Shockhound, da Hot Topic. Dentre esses textos em sua maioria esquecíveis, tinha uma resenha de Body Talk, o quinto álbum da sueca Robyn. Olhando em retrospectiva, escolhi no texto focar mais na estratégia de venda do disco — dois EPs anteriores junto com algumas faixas novas para justificar um LP. O que eu ignorei completamente, ou não estava pronto ainda para admitir, foi o impacto emocional que Body Talk estava causando em mim.

Isso não é algo pelo qual um esnobe musical como eu costume passar. Mas me pegou, mesmo em letras que normalmente me dariam aflição. Em versos como "Don't fall recklessly, headlessly, in love with me," [não se apaixone temerariamente, de cabeça, por mim] ("Hang With Me") e "I let the bad ones in and the good ones go" [eu deixei os maus entrarem e os bons irem embora] ("Indestructable") foram de preocupações triviais a ressonâncias empáticas de um gênio quando ouvido por alguém nas mesmas circunstâncias que eu. Usar música pop como um antídoto para o coração é geralmente visto como aceitável entre adolescentes e jovens adultos, de indivíduos mais maduros é esperado que lidem com essas tribulações de maneira mais adequada com sua idade e experiência.

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Mas quando eu ouvi Body Talk, nada disso importou mais. Não importava realmente que canções como "U Should Know Better" (com colaboração de Snoop Dogg) e a diretamente nomeada "Don't Fucking Tell Me What To Do" carregavam claros impulsos de girl power enquanto me animavam. Sozinho e deprimido, fumando um cigarro atrás do outro em uma cozinha do tamanho de uma caixa de sapatos.

Ainda assim, eu não teria sido pego cantando vergonhosamente a todo volume no meu apartamento solitário se a música também não tivesse algo de significativo. Os comparsas de Robyn — que basicamente consistiam no produtor executivo Klas Åhlund, Diplo, Röyksopp e Savage Skulls — combinaram house minimal e batidas electro com melodias sintéticas que grudam na sua cabeça uma canção depois da outra. O mais irresistível sendo o arpegio de baixo e os sintetizadores presentes em muitas músicas, lembrando o protótipo do techno-pop de Kraftwerk e Giorgio Moroder. Talvez o exemplo mais único da genialidade de Body Talk a indicada ao grammy "Dancing On My Own", impulsionada por um pulso leve, que fala sobre uma mulher dançando sozinha enquanto vê seu ex amante beijando outra mulher. Em uma entrevista na época do lançamento do disco, Robyn disse à Pitchfork: "O álbum todo é sobre estar muito sozinha, mas eu acho que é interessante colocar essa ideia em uma balada onde tantas pessoas estão espremidas em uma sala pequena". Dada a minha situação, não é à toa que Body Talk ofereceu uma ressonância tão clara com o meu sistema nervoso enquanto eu ia vidrado de uma balada para a próxima.

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Depois de cinco anos, estou feliz em relatar que as coisas voltaram ao normal na minha vida. Eu fiquei em Berlim quase cinco anos, fazendo muitos amigos novos e tendo experiências de vida fora da, por vezes inescapável, orbita da noite. Eu tive alguns casos. Depois muitos. Eu vi amigos em situações similares começarem a entrar em relacionamentos ou ir embora, muitas vezes para onde eles tinham vindo antes de parar em Berlim.

Às vezes, um novo estrangeiro se juntava ao nosso círculo, determinado a absorver todo o prazer hedonista que a cidade tem a oferecer. Era um ciclo familiar que, embora eu pudesse compreender, não era mais o que me interessava.

Recentemente, voltei para Los Angeles e, surpresa, numa nova situação romantica, bem mais saudável do que a anterior (embora eu possa dizer que eu e minha ex estejamos bem). O drama tão sucintamente resumido em Body Talk em retrospectiva, virou um dos capítulos mais queridos da minha vida no que refere ao crescimento que ele conteve. E o álbum foi elevado ao raro status de algo que pode evocar uma memória que eu espero não perder, mesmo que o agudo trauma da minha chegada em Berlim vire uma memória apagada.

Não se engane: eu não procuro esse caos no meu futuro, nem quero que alguém que leia isso passe pelo mesmo. Mas se um dos marcos da música é ser universalmente relacionável (ao menos em certo ponto de nossas vidas), então um objetivo mais distante possa ser sua habilidade de nos fazer voltar para aquele estado emocional — sejam eles radiantes ou conturbados — de uma distância segura. Os sentimentos, sem o sofrimento. Todo mundo deveria ter algumas escolhas mais viscerais em suas playlists para tocar ocasionalmente. Meia década depois, Body Talk ainda me leva lá.

Siga Joshua Glazer no Twitter aqui.

Tradução: Pedro Moreira

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