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Tecnologia

Hacks Planetários: a Engenharia Climática Está Prestes a Virar Realidade

Um conluio de cientistas de elite se reuniu na Alemanha, onde, em cômodos mal-iluminados, discutem grandes planos para controlar o clima do planeta.
Crédito: Doc Searls

Ok, comparar geoengenharia – ou engenharia climática, ou "a deliberada intervenção de larga escala no sistema climático da Terra para controlar o aquecimento global", como dito pela Sociedade Real Britânica – à ciência maluca de supervilões é meio previsível a essa altura. Mas não resisti.

Esta é a Conferência de Engenharia Climática de 2014, afinal de contas. Trata-se do primeiro encontro internacional interdisciplinar de grande porte criado para examinar, de forma muito séria, uma ideia que em qualquer outra época teria sido encarada, literalmente, como incompreensível ou blasfêmia: mudar artificialmente o clima do próprio planeta. Hackear o planeta, no dialeto vulgar de nossos tempos.

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Trezentos dignitários, estudiosos e cientistas de quarenta países diferentes viajaram à Alemanha por causa desse evento. O objetivo dele, de acordo com sua carta régia, é "reunir os diversos interessados no debate – incluindo pesquisadores acadêmicos e representantes da comunidade política e civil da sociedade" para "tratar de forma abrangente e equilibrada os contextos técnicos, geofísicos e geoquímicos, éticos e sociais em que a ideia de estruturação do clima esteja sendo contemplada".

O modus operandi da geoengenharia é, essencialmente, "corrigir" o clima tendo em vista o aquecimento global. A ideia é a de que estamos cozinhando o planeta com uma torrente de emissões de gases causadores do efeito estufa – 34 bilhões de toneladas de dióxido de carbono ao ano, e aumentando - e nos provamos incapazes de diminuir estes números a tempo de evitar um desastre planetário. Aí precisamos dar uma de cheater.

Ou sugamos quantidades enormes de CO2 da atmosfera, ou damos um jeito de refletir luz solar o suficiente para equilibrar a quantidade de CO2 que já está lá em cima. Estes são os dois maiores tipos de geoengenharia – redução de dióxido de carbono (CDR, na sigla em inglês) e gerenciamento de radiação solar (SRM, na sigla em inglês) – e ambas estão em pauta esta semana.

Mais especificamente, estamos falando sobre injetar na atmosfera aerossóis para refletirem a luz do sol (SRM), colmeias mecânicas gigantes que absorvem carbono (CDR), drones no oceano que vomitam nuvens (SRM), espelhos lançados ao espaço (SRM), ou despejar quantidades absurdas de ferro no oceano (CDR).

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Estes planos são apenas a ponta do iceberg também. Todos os tipos de ideias serão discutidas esta semana; algumas bizarras, outras viáveis, algumas exorbitantemente dispendiosas, outras assustadoramente baratas. E o fato de que cientistas de ponta, políticos e representantes discutirão estas ideias na CEC 2014 por si só já é um marco.

Nas comunidades internacional e acadêmica, a geoengenharia é ainda tida como uma scientia non grata: uma área envolvida em um tabu enrolado em um enigma. É algo tão denso que muitos afirma que falar sobre ela já é uma péssima ideia; que ao postular a geoengenharia como possibilidade, estes pensadores estariam depreciado o que deveria ser a verdadeira e única ordem do dia no front climático – a transição de combustíveis fósseis para energia limpa, reduzindo drasticamente as emissões de gases responsáveis pelo efeito estufa.

Você ouvirá o termo 'risco moral' ser usado diversas vezes em discussões sobre geoengenharia. Significa dizer que a mera sugestão da ideia de que a questão climática pode ser resolvida com tecnologia é como dar um passe livre para a humanidade, que poderia arruinar uma vontade por buscar medidas mais duras na prevenção desses problemas.

Ainda assim, a geoengenharia achou um caminho ainda mais fundo na consciência cultural e social desde que Paul Crutzen, químico atmosférico vencedor do Nobel, publicou uma das primeiras pesquisas amplamente consideradas sobre o tema há menos de uma década.

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Desde então, surgiram artigos na New Yorkerlivros para leigos e aumentou o número de instituições acadêmicas e políticas debatendo esse assunto. E, talvez, também exista uma familiaridade crescente e uma boa vontade insidiosa vinda de cidadãos comuns com relação a esta arriscada opção. Pro bem ou pro mal, estamos falando de hackear o planeta.

Sejamos claros: isso é razoavelmente assustador, de qualquer ângulo analisado. Quase todos os envolvidos admitem que caso a geoengenharia seja aplicada, haverá efeitos colaterais. Padrões climáticos podem mudar, pode ficar frio demais, pode haver seca. E já é terrível o bastante o fato de que a humanidade se enfiou tão fundo no buraco do carbono a ponto de considerar opções drásticas como essa.

E então legisladores, cientistas e líderes civis sentarão em um hotel em Berlim e ficarão de cara com essa possibilidade: quais as opções? Quais as menos piores? Quais foram testadas? O que pode refletir mais luz ou sugar mais carbono com menos custo? O que a geongenharia traz de mais foda ao planeta com menos custo? O que é tão barato a ponto de nos preocuparmos com geoengenheiros malandros que sairiam na frente nessa corrida com experimentos em escala planetária — altruístas ou não — ?

Quem irá pará-los? Como nós controlamos isso, em primeiro lugar? Quem poderá fazê-lo, se puder, e onde, por quanto tempo e sob a vigilância de quem?

Estas serão algumas perguntas feitas esta semana, em voz alta, em público, por estimados cientistas e pessoas públicas, na nova, quente e louca realidade que é o Antropoceno. Eles já propuseram uma estrutura para administrar futuros experimentos em hackeamento planetário.

Tudo dito acima é o porquê de eu ter que estar lá. Este momento parece grande e histórico, empolgante e exaustivo. Estamos mesmo levando isso à sério. Se a humanidade vai acabar alterando o clima, as sementes de como isso acontecerá provavelmente serão semeadas esta semana, aqui em Berlim. Fiquem ligados.

Tradução: Thiago "Índio" Silva