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Música

Discos: Liberez

Um dos discos essenciais de música experimental do último ano.

Sane Men Surround

Alter

Se repararmos bem, uma fotografia de afectos, com uma parte dela cortada, apresenta uma sugestividade bastante diferente de qualquer outra rasgada em duas ou quatro, de maneira mais ou menos aleatória. Enquanto a fotografia cortada revela a intenção de excluir algo, de modo a poder ainda assim ser aproveitada, a sua semelhante feita em bocados indica que alguém preferiu desenvencilhar-se por completo de qualquer coisa que, no futuro, lhe poderia trazer mágoa ou levantar suspeitas. Por tudo o que tem de cirúrgico e premeditado, a fotografia que deixa de fora uma pessoa, fazendo passar a tesoura à sua volta, é um objecto bastante assustador. Por mais incrível que pareça, pegando numa dessas, a figura excluída torna-se muitas vezes na parte mais significante da foto (o que é e o que foi), nem que seja pela forma como faz acelerar a imaginação, com a incógnita que impõe.

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Depois de uma edição limitada em LP, na Savoury Days,

Sane Men Surround

, o segundo álbum do misterioso colectivo britânico Liberez, chega à Alter numa edição remasterizada em CD. Olhamos para a capa do disco e lá está uma fotografia registada noutros tempos, com a forma de um homem de cigarro entre os dedos delineada para lembrar que ele esteve ali. Mas será que esteve realmente? Só quem tem a fotografia original na mão saberá ao certo, porque pode estar ali a forma e não ter estado lá homem nenhum (embora haja um cinzeiro por perto da sua mão direita).

O mesmo passa-se com

Sane Men Surround

: o seu conteúdo é o mais importante ou esse papel pertence ao que deixou de fora? Os Liberez baralham-nos as ideias com ruídos inclassificáveis e ratoeiras sónicas preparadas em estúdio, mas depressa tornam bem claro que

Sane Men Surround

 é um jogo de inquietantes elipses, em que a mente fica obrigada a uma participação activa para preencher os silêncios e assim encontrar as canções, onde agora só existem os rastos deixados por essas. Logo na primeira faixa, há uma voz feminina (a de Nina Bosnic) a cantar uma lenga-lenga que nos faz lembrar a canção de

Rosemary’s Baby

, ainda que esteja completamente deformada. Tudo o resto, em

Sane Men Surround

, consegue ser igualmente fascinante e capaz de me fazer acreditar que aqui está um dos mais essenciais discos de música experimental do último ano.