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Tecnologia

A cidade de poeira

No sudoeste do Irã, Ahvaz está sufocando debaixo de uma camada amarela de areia. O governo do país, porém, não permite que pesquisadores descubram o motivo.

As primeiras chuvas de outono de Ahvaz, no sudoeste do Irã, anunciam as tempestades de areia iminentes. Logo mais serão dias ininterruptos de areia nas ruas da cidade. Uma camada amarela ficará sobre carros e casas e, nos hospitais, milhares de pessoas se acotovelarão. Só no ano passado, 17 mil pacientes lotaram as salas de espera com queixas de tosse seca ou sintomas da chamada síndrome da angústia respiratória.

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Muhammad Hussein, 28 anos, estudante e funcionário da companhia de água da província, foi levado às pressas ao hospital por sua mulher com sintomas de perda de respiração e tosse persistente. "Não me lembro de já ter ido ao hospital, só quando a minha sobrinha nasceu", ele me contou. "Porém, de repente, senti que não conseguia mais respirar, que eu ia morrer." E, segundo ele, os sintomas desapareceram em alguns dias.

Enquanto as salas de emergência lidam com novos pacientes, os cientistas estão tentando compreender por que exatamente isso está acontecendo. Políticos afirmam que se trata de pólen das diversas árvores Conocarpus plantadas ao redor da cidade ou areia do vizinho Iraque. Os pesquisadores apontam para outras causas possíveis, incluindo indústrias irregulares que lançam seus resíduos no ar e na água e aumentam as temperaturas das mudanças climáticas. O maior problema da discussão, porém, é o Estado. O governo iraniano está censurando a pesquisa científica no local.

O professor Reza Panahi está em quatro ligações diferentes quando eu o encontro em seu gabinete na Universidade de Ahvaz. Ele conversa com um aluno, um professor e dois representantes governamentais do gabinete da província e da organização de proteção ambiental. Apesar da miríade de sanções iranianas que impedem a aquisição de ferramentas de pesquisa, Panahi conseguiu obter medidores de amostras de esporos no ar em dispositivos que capturam e medem a quantidade de partículas transportadas pelo ar. Ele precisa coletar essas amostras nos oito distritos de Ahvaz antes das primeiras chuvas deste ano a fim de medir a quantidade de pólen no ambiente.

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Alterar os padrões climático e de precipitação impõe desafios novos ao Khuzistão, porém, a poluição do ar e da água também agravam esse impacto. A região tem a maior refinaria de petróleo do Irã, além de indústrias de aço, petróleo e agricultura, as quais não são rigorosamente reguladas. Lixo industrial escoa para rios e pântanos, cada vez mais secos, mesmo em áreas residenciais.

Jovens sufocam com a poeira de Ahvaz. Crédito: Ali Shakiba.

A situação reforça o sentimento popular de que as riquezas do Khuzestão são extraídas com pouco cuidado com o bem-estar de seus cidadãos. Hojatollah Mirzaie, representante do ministério do trabalho, em dezembro de 2016, repetiu uma frase que agora soa familiar: "Apesar de ricos em resources como água, petróleo, produtos petroquímicos e gás, o Khuzistão permanece como uma das regiões mais precariamente desenvolvidas do Irã".

Precariamente desenvolvida – e altamente doente. As tempestades de poeira e as chuvas são exemplos de como as mudanças climáticas afetam gravemente a saúde pública.

Enquanto isso, políticos continuam culpando o pólen da Conocarpus pelas doenças respiratórias resultantes das chuvas de outono. Panahi dispõe de dados estatísticos precisos sobre as árvores de todas as regiões e planeja buscar vínculos entre as visitas aos hospitais e o tamanho das populações de árvores. (Quando o questionei da última vez, em 2016, ele afirmou que ainda não descobriu nenhuma "evidência conclusiva de possível ligação".) Governadores e administradores apelam para que haja o corte das árvores, especialmente depois do pânico na saúde pública.

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Precisei de diversos encontros com Panahi – um raro pesquisador com desejo de falar publicamente, e compartilhar livremente suas informações. Outros pesquisadores aceitam discutir seus trabalhos somente se eu me dispuser a traduzir seus artigos para o inglês a fim de serem submetidos a periódicos internacionais. Um acadêmico me explicou que eles são extremamente limitados no compartilhamento de suas pesquisas, apesar de terem sido recrutados por diversas organizações para conduzir pesquisas. Os ministros da saúde, petróleo e energia chamam pesquisadores locais para estudar as condições ambientais da província, todavia, eles são impedidos de publicar seus achados.

Soldados em um ônibus durante uma tempestade de poeira em 2016. Crédito: Ali Shakiba.

"Em algumas áreas em particular, encontramos doenças raras relacionadas a lixo industrial, por exemplo. Porém, não podemos publicar essas pesquisas", me contou Panahi. "O patrocinador da pesquisa pega nossos dados e diz 'obrigado por sua contribuição, agora vão andando e esqueçam o que viram aqui'."

O Khuzistão está localizado no chamado crescente fértil da Ásia ocidental, terra dos primeiros assentamentos e comunidades agrícolas do mundo. Seus habitantes passam casualmente por monumentos – templos, pontes e canais de irrigação – que datam de milhares de anos. Na última metade do século, a paisagem da província se transformou, de um pastoralismo nômade e agrícola para um cenário de chamas de gás e plantas industriais agourentas. O Khuzistão também está no centro da produção de petróleo do Irã, e suas primeiras plataformas foram perfuradas pela Grã-Bretanha em 1909.

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"Não estamos lutando somente com a poluição da água e tempestades de poeira – temos a poluição da água e do ar, secas, areia e alterações climáticas, e não há nenhum estudo compreensivo sobre os efeitos combinados de todos esses fatores", Panahi afirmou, "Mesmo quando observados individualmente eles chamam bastante a atenção".

Em outubro de 2015, um estudo publicado no periódico Nature Climate Change, previu que áreas ao redor do Golfo Pérsico – a 60 milhas de Ahvaz – se tornariam "inabitáveis" nos próximos 100 anos por causa do aumento das temperaturas. "Como se os primeiros assentamentos humanos tivessem surgido e se extinguissem no mesmo lugar", um agropesquisador do norte do Khuzistão contou ao Motherboard.

As temperaturas no verão atingem os 150°F (65°C), e Ahvaz se encontra no topo da lista da OMS de cidades mais poluídas do mundo. Em fevereiro, uma grande tempestade de poeira causou interrupção na distribuição de água e energia na província, incluindo a capital. As quedas, de acordo com funcionários do governo, foram resultado de níveis de umidade que chegaram a 97% e da poeira. Abadan, local da maior refinaria de petróleo do Irã, e a cidade portuária de Khorramshahr, estiveram entre as cidades afetadas.

Agora, os habitantes de Ahvaz conhecem a rotina de uma tempestade de areia: o ar esfria de uma forma que, ao olho não treinado, parece que vai chover. Porém, há poeira no horizonte. As pessoas correm para fechar portas, janelas e persianas de todos os tipos. A maior parte da cidade anda com máscaras cirúrgicas prontas para serem usadas dentro das bolsas. Nos vilarejos, é comum molhar lenços na água e amarrá-los ao redor do rosto. As escolas têm fechado tanto por causa das tempestades nos últimos anos, que fala-se em ajustar o período letivo nas estações de tempestades de poeira.

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A poluição do ar costuma ser medida pelos níveis de partículas PM10 no ar. Com menos de 10 mícrons de diâmetro, e mais finas do que um fio de cabelo, essas partículas são facilmente inaladas e penetram nos pulmões e na corrente sanguínea. Essas partículas são associadas a uma taxa de doenças, de asma a cardiopatias e a câncer de pulmão.

As maiores fontes dessas partículas são os aglomerados de materiais (poeira, areia e sal marinho), biomateriais, navegação, atividade industrial, construção e emissões veiculares – as quais existem em quantidades enormes ao redor de Ahvaz. A prevalência de partículas também pode ser influenciada pelo padrão de vento e precipitação de cada estação. As piores concentrações anuais de PM10 em Ahvaz alcançam seu pico de 421 µg/m3 no mês de julho – duas vezes a concentração encontrada em sítios industriais ao redor de Calcutá, e três vezes mais do que a maior concentração de Pequim. O nível médio de PM10 em uma semana é cinco vezes maior do que as diretrizes recomendadas pela OMS.

Ciclista cruza uma ponte durante tempestade de areia em Ahvaz. Crédito: Ali Shakiba.

"Um aumento significativo da frequência e da intensidade das tempestades de areia foi observado no Oriente Médio nos últimos 15 anos", a Organização Meteorológica Mundial relatou em 2016. Os piores aumentos estão no Irã e no Kuwait. Tempestades de poeira no sudoeste do Irã ocorrem há bastante tempo por causa da penetração de sistemas de alta pressão no Iraque e no sudeste da Arábia Saudita, porém, a construção de barragens ao longo da região, e secas graves contribuíram para volumes de poeira muito maiores.

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Inicialmente, políticos iranianos culparam fontes de areia do Iraque e outras regiões de fora do país, muitas vezes com uma linguagem racialmente carregada (uma rede de notícias a chamou de "poeira árabe"). Porém, cada vez mais, a seca dos maiores rios e pântanos no Khuzistão é uma das fontes do agravamento das tempestades de poeira.

O Khuzistão é lar de dois grandes pântanos: Hawrul Azim e Shadegan. Um estudo financiado pelo programa para o meio ambiente das Nações Unidas relatou que os pântanos mesopotâmios, os quais incluem o Hawrul Azim, no Irã, e o Hawrul Hoveyezeh, no Iraque, se transformaram em um "deserto incrustado de sal", e está prestes a desaparecer. Ao estudar imagens de satélite da década de 1970 aos dias de hoje, o relatório afirma que 90% das áreas pantanosas, habitat de uma vida selvagem distinta, secaram.

Cinco rios principais correm pela província. O Karun e o Dez juntos compõem o grande sistema de águas superficiais do Irã. O Karun era utilizado para a navegação na primeira metade do século 20. Hoje, por causa do grande número de represas, o desperdício de água urbano e industrial, a situação do rio é o que Mehdi Qomshi, conselheiro do governador do Khuzistão chama de "extremamente alarmante". Somente da cidade de Ahvaz, cerca de 400.000 m3 de água desperdiçada é escoada ao Karum diariamente. "A nascente do Karun é canalizada para Isfahan, enquanto os habitantes locais não dispõem de água potável para beber", Qomshi afirmou.

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A água para consumo é outra questão controversa no Khuzistão, enquanto os ricos compram água mineral em garrafas ou investem em sistemas de purificação caros, os habitantes mais pobres fervem a substância cinza amarelada que jorra de suas torneiras.

Crédito: Ali Shakiba.

O ministro do petróleo admitiu ter papel na seca dos rios e pântanos da província por causa da exploração e extração de petróleo, porém, todas as administrações culpam as administrações anteriores. Em setembro de 2016, o então ministro do petróleo iraniano, Bijan Zangeneh, afirmou para um publico em Ahvaz: "As pessoas culpam o ministro do petróleo por todas as calamidades, mas há outros 18 ministros tocando seus projetos".

Mesmo que a agência de proteção ambiental, o gabinete do governador da província e diversas organizações não governamentais tenham clamado para ações imediatas, grandes esforços parecem distantes. Panahi me contou que 550.000 hectares da província estão no que ele chama de estado crítico: inutilizados e uma grande fonte de poeira. As soluções propostas incluem a aplicação de uma manta de material orgânico na superfície do solo e a plantação de vegetação resistente. Porém, um funcionário do gabinete do governador contou ao Motherboard, "Não temos orçamento, e muitas dessas terras são particulares, logo, não temos jurisdição sobre elas".

No sul do Khuzistão vivem os árabes maadans, uma comunidade que vive há séculos em torno do rio Shatt Al Arab e se sustenta por meio da agricultura, pesca e caça de aves. Eles foram os primeiros a sentir a força das mudanças que estão por vir.

Hoje, ao longo de toda a região do Shatt, pomares secos podem ser vistos de longe. Um fazendeiro local arranca as folhas e me mostra manchas ressecadas: fusariose, uma praga causada pela poeira e pela seca. Ele me conta que os campos de trigo e quiabo "crescem uns poucos centímetros e então morrem". Mesmo durante a guerra, afirma, eles produziam colheitas abundantes todos os anos – o que não acontecerá mais.

A agricultura começou no crescente fértil há cerca de 10.000 anos, porém, em 3800 a.C. as terras cultiváveis começaram a secar. A região se tornou uma rede de vilas e cidades, e prosperou como centro cultural e político. Por fim, a área se transformará no centro global da indústria da energia. Agora, o Irã e seus vizinhos enfrentam novos desafios climáticos. Quando a poeira baixar, no que será que o crescente fértil terá se tornado?

Tradução: Amanda Guizzo Zampieri