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Entretenimento

Os Caçadores da Arca Perdida: Versão de £3000

Tres moleques duma escola primária no Mississippi assistiram Os Caçadores da Arca Perdida e gostaram tanto que decidiram fazer sua própria versão. Sozinhos.

Em 1981, fui para Maiorca com os meus pais. Uma noite, fizeram um concurso de fantasias para crianças no hotel e minha mãe passou uma hora ou duas fazendo provavelmente a pior fantasia de Darth Vader que alguma criança já usou: ela basicamente me enrolou num monte de papel preto e fez um sabre de luz com papel alumínio. Meu pai me disse para desfilar pela sala, enfiando o sabre de luz na cara das pessoas. Eu não ganhei.

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No mesmo ano, três moleques duma escola primária no Mississippi assistiram Os Caçadores da Arca Perdida e gostaram tanto que decidiram fazer sua própria versão, palavra por palavra, tomada por tomada. Sozinhos. Chris Strompolos interpretaria Indiana Jones, seu amigo Eric seria o diretor, e o garoto esquisito Jayson foi encarregado dos efeitos especiais. Isso foi antes da era do videocassete, então eles voltaram ao cinema para ver o filme de novo, gravaram o áudio com um gravador de fita, fizeram anotações e voltaram pra casa para começar o processo de storyboard e produção.

Filmaram em Betamax nos porões e jardins das casas dos pais, preencheram o elenco com outras crianças do bairro, fizeram uma pedrona de fibra de vidro, puxaram um carro queimado de um pântano, convenceram um fazendeiro a dar permissão para atirar na sua propriedade poeirenta (para as cenas do deserto), e encheram o saco de um capitão da base naval por três dias para que ele deixasse filmar dentro do seu submarino.

Eles fizeram tudo de verdade, incluindo todas as cenas perigosas e os efeitos especiais. Eric fez um molde de gesso do seu rosto, quase se sufocou e perdeu os cílios e as sobrancelhas. Para o macaco nazista que faz o “Sieg Heil” no filme, eles usaram um cachorro e levantaram sua pata com um fio de pesca. Eles terminaram o filme sete anos depois, quando estavam entrando na adolescência, e acabaram tretando e mandando os outros se foderem. Depois fizeram as pazes.  Anos depois, vai saber como, o diretor de O Albergue Eli Roth acabou pondo as mãos numa cópia do filme, organizou uma exibição e todo mundo ficou louco. Spielberg ouviu falar disso e convidou os caras para ir a casa dele. O criador de Ghost World Dan Clowes escreveu um roteiro sobre isso, que deve virar um filme produzido pelo super produtor Scott Rudin. Agora, esses nerds lendários viajam o mundo, mostrando seu remake em exibições especiais.

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Conversei com Chris Strompolos sobre seu meticuloso remake.

VICE: Foi você quem teve a ideia do remake, certo?
Chris:É, eu era obcecado por Guerra nas Estrelas; eu tinha todos os bonecos e as naves, sabonete do Yoda, cueca do Luke Skywalker — que se chamavam “Underoos”. Dava pra comprar de todos os personagens. Eu tive a Underoos do Chewbacca também.

Não sei se isso chegou à Inglaterra.
Talvez não. De qualquer maneira, eu foquei principalmente no Han Solo — eu adorava o Harrison Ford. E quando o Caçadores saiu em 1981, eu tinha dez anos, e o filme dividiu meu cérebro no meio, e me mudou. Depois da exibição eu só queria 1) ser o Indiana Jones, e 2) fazer filmes. Era como se um machado tivesse caído na minha cabeça. Eu fui chamado. Aí eu comprei os quadrinhos e comecei a elaborar meu próprio script.

Quantas vezes você pensou nesse plano? Você só tinha dez anos.
Nem pensei muito num plano. Uma das coisas mais legais de ser criança é que você não sabe que não dá pra fazer alguma coisa, você não tem uma perspectiva limitada. Você não enxerga os obstáculos na sua frente. Então não pensei muito. Só me deixei consumir pela fantasia. Chamei o Eric e disse: “Vou refazer o Caçadores, quer ajudar?” e ele disse: “Claro”. Comprei o gibi e me escalei como Indiana Jones, e começamos daí. Eu não tinha ideia de onde estava me metendo.

Como o Jayson conseguiu fazer todos aqueles efeitos, como ele sabia o que tinha que fazer?
O Jayson era excêntrico, criativo. Aos 11 anos ele foi o primeiro militante do vegetarianismo que conheci. Ele curtia xamanismo, marionetes, medicina dos índios americanos, ele curtia as coisas mais bizarras, e no topo disso tudo estavam os efeitos especiais. Então ele montou um laboratório na garagem no fundo da casa da mãe. Sempre que precisávamos de um efeito ele pedia uns dois dias e fazia experiências, lia livros, pesquisava na biblioteca e fazia coisas na garagem. Aí aparecia com explosivos e cabeças derretidas.

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Uma das coisas mais emocionantes e legais do filme é o realismo: o beijo na tela foi seu primeiro beijo, você realmente tacou fogo em si mesmo; e é você mesmo sendo arrastado pelo caminhão. É muito louco te ver passado por todas essas coisas, e nesse sentido vocês até têm uma vantagem sobre o original.
É, e eu não tinha noção dessa energia até começarem as filmagens. Só sabia que naquele dia a gente tinha que fazer alguma coisa, mas tínhamos medo de colocar as outras crianças do bairro como dublês — fizemos essas coisas perigosas porque não queríamos ter problemas se alguém se machucasse. Então, sim era a gente mesmo fazendo essas coisas pela primeira vez, e esse é o charme, é isso que é cativante, tem essa inocência no nosso rosto. E as pessoas que vão ver o filme e conhecem o original ficam sentadas lá de braços cruzados pensando: “Hum, eles conseguiram, como será que eles vão fazer a próxima cena… Meu Deus, eles realmente colocaram fogo na sala!” E dá pra ver essa energia no cinema, e na metade o público já está completamente travado e torcendo pela gente, e nos créditos finais as pessoas aplaudem. A primeira vez que isso aconteceu eu até chorei. Eu não tinha ideia do que a gente tinha feito antes disso.

Você fez muito bem em deixar o filme fora da internet.
E não foi fácil, acredite, foi uma luta. Tenho certeza que deve ter cópias toscas em torrent, é quase impossível hoje em dia. Mas demos duro pra tentar deixar fora, fizemos cópias em segredo, nunca demos nenhuma cópia para a imprensa. Tem funcionado em nosso benefício no sentido de criar um mistério, e numa época em que você pode conseguir o que quiser, é só baixar e assistir, a noção old school de ser inacessível acrescenta uma puta alegria quando você finalmente consegue assistir.

Qual foi a melhor coisa que essa experiência te proporcionou?
Bom, eu posso revisitar e reexaminar essa janela da minha vida de uma maneira muito diferente. Quando se é criança, você passa por toda a dor e agravamento de si mesmo, seus pais, coisas sociais, descobrir tudo isso, e eu certamente tive uma experiência única crescendo dentro dos muros dos Caçadores. Mas eu achei por muitos anos que muitos aspectos da minha personalidade e do meu amor pelos Caçadores, e o fato de eu ter feito esse filme por tanto tempo, que isso tudo era uma coisa vergonhosa. Acho que era uma parte inconsciente de mim que ficou envolta em vergonha; eu me casei e minha esposa nem sabia que eu era fã do Indiana Jones. Ela não tinha ideia que eu havia feito esse filme; eu mantive tudo escondido, trancado numa caixa, longe de todos e nunca mostrei esse meu lado.

E agora, com todo mundo curtindo tanto e se inspirando com isso, é incrível e coloca aquele capítulo da minha vida dentro de um contexto de uma maneira mais positiva. Sem falar de todo o trabalho positivo que temos feito — levantamos milhares de dólares para a caridade e para a educação, demos aulas de cinema para adolescentes, fizemos crianças se interessarem pelo cinema e demos a elas confiança e noção de que podem fazer as coisas por si mesmas.

Todo mundo saiu ganhando! Que final ótimo. Brigadão, Chris.