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Μodă

Regina Boni

Garota mineira sem profissão definida, Regina Boni fora escolhida pela trupe tropicalista para alegorizar em vestuário o levante comportamental que eles pretendiam liderar.

O nome do bicho era Ao Dromedário Elegante. Em sua garupa vinham montados os estranhos artistas, quase ETs, que logo viriam a ser conhecidos como tropicalistas—Caetano Veloso em vinil verde-limão, Gal Costa de cabeleira black power, Gilberto Gil vestido com bata de semideus africano. Garota mineira sem profissão definida, Regina Boni fora escolhida pela trupe tropicalista para alegorizar em vestuário o levante comportamental que eles pretendiam liderar. A bordo de sucesso e controvérsia servidos à mesa da família brasileira na bandeja dos festivais televisivos da canção, abriu a loja de roupas de nome surreal que viraria coqueluche na São Paulo de 1969. Nesse tempo era ex-esposa de José Bonifácio Sobrinho, o Boni, já então executivo todo-poderoso da Rede Globo, com quem em 1961 teve o Boninho, hoje conhecido como diretor do Big Brother Brasil. Sob as corcovas pontudas do AI-5, o grupo tropicalista foi exilado e Regina acabou caindo nas garras de tesoura da ultradireita autodenominada TFP—Tradição, Família e Propriedade. Se o exílio abortou e fere até hoje o imaginário tropicalista, ela lamenta não ter ido com eles para Londres: “Como diz o Gil, o trem passou e eu não peguei”.  Na entrada dos anos 70, Regina vestiu Roberto Carlos e Wanderléa, deixou o Dromedário para trás, virou editora de moda, estudou Jornalismo, adiante se distanciou da moda e aproximou-se das artes plásticas. Em 1981, tornou-se a marchand brigona à frente da Galeria São Paulo, que durou 21 anos.  Hoje, presta consultoria de arte para banqueiros e colecionadores e ajuda a adolescente Mallu Magalhães a confeccionar seus próprios figurinos. E relembrou, em duas horas e meia de uma tarde paulistana chuvosa, os muitos solavancos de uma trajetória em nada linear. Vice: Como surgiu o Dromedário?
Regina Boni: O Dromedário foi uma experiência que eu e o grupo tropicalista fizemos. Nós conceituamos essa loja. Eu descobri, trabalhando com eles e fazendo parte do grupo, que roupa era uma linguagem. A gente treinava, perguntava: “Que reação a gente quer causar no público?”. E eu fazia uma roupa que tinha a ver com a música, primeiro, e depois que pudesse mexer com os costumes e o estabelecido e todas as prateleiras e todos os status. Pro bem e pro mal, conquistar ou derrubar. Mexer. E comecei a ter uma repercussão muito grande na mídia. As pessoas começaram a me procurar, estudantes querendo roupa, madames de society, mulheres lindíssimas, modelos, gente que estava na moda, teatrólogos, cineastas. Pra ser completamente in naquele tempo, tinha que ter uma roupa do Dromedário. A loja ficava na Rua Bela Cintra, onde é hoje o Reinaldo Lourenço. Só que não era daquele jeito, a casa era aquele desenho ali [aponta um quadro na parede], aquela casinha que a Mallu Magalhães fez pra mim. Mallu é completamente fã do Dromedário, total fã. A ideia da loja era tentar, fora do palco, atingir as pessoas do mesmo jeito. Mudar o comportamento, ou ir de encontro a ansiedades da sociedade que, com certeza, não era aquela coisa velha e mofada de antes. Eu tinha três amigos que tinham uma loja de objetos e móveis chamada Ah, se Eu Pudesse Arfar nos Braços Argentinos de Angelita [risos]. Precisávamos de um nome, e um deles, Fredmar Corrêa, falou Ao Dromedário Elegante. Eu adorei. O próprio tropicalismo era isso, um bicho desengonçado, mas elegantíssimo, de uma eficiência absurda. As roupas que a gente fazia, por mais que fossem transgressoras, eram elegantíssimas.