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​Militares das Forças Armadas poderão ter foro diferencial para julgar crimes cometidos durante as Olimpíadas

A proposta de lei temporária já foi aprovada pela Câmara dos Deputados e espera agora a aprovação do Senado.

Treinamento de militares para as Olimpíadas no Rio de Janeiro. Crédito: Agência Brasil

A Câmara dos Deputados aprovou na sexta-feira (8) o projeto de lei que estabelece um foro diferencial para crimes dolosos contra civis cometidos por militares das Forças Armadas durante as Olimpíadas. Se aprovado, o foro vigorará com caráter excepcional até o dia 31 de dezembro.

Assim como a lei antiterrorismo, a proposta foi aprovada por conta das Olimpíadas, que acontecem entre o 5 de agosto até o dia 21. Para a segurança do evento, cerca de 5 mil homens da Força Nacional de Segurança Pública e cerca de 21 mil das Forças Armadas foram deslocados para o Rio de Janeiro.

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O foro diferencial temporário foi uma alteração do deputado federal Julio Lopes (PP-RJ) no projeto de lei nº 5768/2016 que está sob sua relatoria. A proposta original é que membros das Forças Armadas sejam julgados pela justiça militar em casos de crimes dolosos contra civis no contexto de cumprimento de atribuições que lhe forem estabelecidas pelo Presidente da República ou pelo Ministro de Estado da Defesa; de ação que envolva a segurança de instituição militar ou de missão militar, mesmo que não beligerante; ou de atividade de natureza militar, de operação de paz, de garantia da lei e da ordem ou de atribuição subsidiária, realizadas em conformidade com o disposto no Art. 142 da Constituição Federal.

Atualmente, o artigo 9º, inciso II do Código Penal Militar vigente diz que os crimes dolosos contra a vida cometidos contra civis serão da competência da justiça comum, salvo quando praticados no contexto de ação militar realizadas pela Força Aeronáutica. Os PMs são sempre julgados pela justiça comum e, consequentemente, pelo Tribunal do Júri quando cometem um crime doloso (com intenção) contra um civil.

Para o professor de Processo Penal e doutor da Faculdade de Direito da PUC-SP, Claúdio Langroiva, a criação da lei temporária é um equívoco e que deveria ser priorizado o treinamento necessário para os militares destacados para o evento lidarem com eventuais conflitos urbanos. Segundo ele, existem tropas que já receberam esse treinamento, como foi o caso da atuação das Forças Armadas brasileiras no Haiti.

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"É preciso lembrar que as Forças Militares não são treinadas e capacitadas, em regra, para conflitos urbanos, elas são capacitadas para a guerra, pra enfrentamento da defesa do país. Criar esse tipo de prerrogativa, no sentindo de dizer que os militares se sentirão mais seguros se eles estiverem sendo julgados pelos seus levanta uma questão. Esses pares que julgarão suas ações terão a capacidade para entender o conflito civil que ocorreu? Eu acredito que não. Ele deverá ser julgado pela justiça comum, como que acontece normalmente", frisa.

"A justiça militar tende a ser mais severa aos militares do que a justiça comum, mas não acredito que ela seja adequada para conflitos civis. No conflito civil quem sabe a conduta é o juiz regular."

Já Dirceu da Câmara Valle, advogado, mestre e doutor em Direito Processual Penal e professor da PUC-SP, acredita que a lei aprovada pela Câmara não muda nada em questões práticas. A alteração diz apenas a respeito aos membros das Forças Armadas e não da Polícia Militar. O policiamento, como é no caso das Olimpíadas, seria uma situação excepcional conferida ao soldado e que deve ser da competência da justiça militar.

Atuando como advogado tanto na justiça militar quanto na comum, Valle conta que, na prática, os militares julgados pelo Conselho de Sentença (júri) costumam ter mais empatia por policiais militares. "Absolvições que não existiram na justiça militar, existem no Tribunal do Júri. Acaba sendo um júri que absolve porque lê a folha de elogios direcionados ao policial militar e lê a folha de antecedentes daquele que foi embora." O especialista também adverte que o Tribunal Militar não é corporativista. "Falando sobre a minha experiência prática no foro militar, posso dizer que a justiça militar é tudo menos corporativista. Se o sujeito for nocivo moralmente e eticamente à vida do quartel, ele vai ser condenado."

No Tribunal de Justiça Militar, o órgão colegiado que dá as decisões, conhecido como o descabinato, é composto por um juiz civil e quatro oficiais militares. "Quem dá todo norte nas decisões é o chamado juiz auditor, que é aprovado em concurso como qualquer carreira", explica.

Valle diz que a proposta original não prevê a questão da temporalidade, o que ele acha dispensável. "Vejo com maus olhos porque passa a ser um direito penal pontual. Direito penal de emergência não soa bem, se for dessa maneira, melhor deixar como está." Langroiva também concorda que a criação de uma lei temporária para um evento esportivo não oferece nenhum tipo de segurança jurídica para a situação. "É um grande equívoco social fazer esse tipo de coisa, cedendo às pressões muito mais de interesses externos do que às pressões reais da sociedade. "

O projeto de lei temporário aprovado pela Câmara segue agora para a análise do Senado Federal, que ainda poderá promover modificações no texto legal.

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