FYI.

This story is over 5 years old.

Noticias

Quatro Lideranças Evangélicas que Não Transam o Feliciano

De saco cheio das generalizações “anticrentes”, entrevistei alguns líderes que não trincam no Marco Feliciano, presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias.

Depois que o Pastor Marco Feliciano (PSC) assumiu a presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) neste mês, fez-se um alvoroço. É muito provável que a sua timeline do Facebook tenha pipocado de fotos, links e petições contra o recém-empossado, acusado de ser racista e homofóbico. No Brasil e em outras partes do mundo, como Buenos Aires, Berlim e Paris, as pessoas foram às ruas e mais uma vez o assunto política versus religião veio à tona.

Publicidade

O tumulto começou quando o PT abriu mão da comissão na Câmara e o PSC (Partido Social Cristão) ficou com o direito de indicar um presidente. A primeira reunião para decidir quem ficaria no cargo foi alvo de manifestações e precisou ser cancelada. E isso tem acontecido desde que o pastor tomou frente. Militantes de movimentos sociais não estão a fim de deixar o Feliciano lá e, aparentemente, não vão parar de fazer barulho tão cedo. Além do mais, estão dizendo por aí que ele está para ser destronado ainda esta semana.

Só que obviamente tem muito evangélico neste país insatisfeito com a postura e as declarações impetuosas do pastor – a carta aberta que soltaram na internet deixa isso bem claro. Fica difícil dizer que o Feliciano é rechaçado somente por causa da religião. De saco cheio das generalizações “anticrentes”, entrevistei alguns líderes cristãos que não trincam no Feliciano. Aproveitei e perguntei o que eles acham sobre o casamento gay e a adoção de crianças por casais homossexuais. Leia as entrevistas abaixo.


Foto: Mudança de Vida. Anderson Zambom
Bispo da Igreja Evangélica Inclusiva do Brasil, teólogo e vice-coordenador estadual de políticas do movimento LGBT Socialista (PSB).

VICE: Você acha que o Pastor Marco Feliciano pode representar as minorias à frente do novo cargo? 
Anderson Zambom: Não. Como político, ele deveria representar um Estado laico. Ele não pode se deixar levar por seu conhecimento limitado, racista e preconceituoso – querendo agradar apenas os evangélicos tradicionalistas e fundamentalistas. Uma pessoa assim não pode representar a sociedade brasileira.

Publicidade

Você acha que os princípios religiosos do Pastor Marco Feliciano podem interferir na causa LGBTTT?
É o que ele quer fazer, aliado a outros fundamentalistas como Silas Malafaia e muitos da "bancada evangélica". Dizem os LGBT que querem ser a maioria, mas não temos bancada LGBT. Não temos bancada afro. Mas temos bancada evangélica. Ele usa a família para os seus ideais, mas homoafetivos também são famílias – e muitas vezes melhores. Heterossexuais, pessoas como ele, sim, destroem vidas e famílias inteiras com seu ódio mascarado pela religião.

O que você acha sobre o casamento gay?
Sou totalmente a favor. Somos todos cidadãos e pagamos nossos impostos como todo brasileiro. Eu mesmo já realizei casamentos religiosos. Casamento civil é um direito de todos e não somente dos héteros. Gays têm direito de formar família sim.

O que você acha sobre a adoção de crianças por casais homoafetivos?
Sou totalmente a favor também. Dois homens ou duas mulheres podem, sim, cuidar, amar e educar uma criança sem influenciá-la a ser gay. Eu não fui influenciado a ser gay pela minha família heterossexual e mesmo assim sou homoafetivo. Ter dois pais ou duas mães é melhor que nada. Tantas crianças jogadas nos lares de adoração, pedindo amor e carinho. Quem melhor do que os gays para dar amor, carinho e uma vida decente?

Foto: Genizah.

Antônio Carlos Costa
Pastor da Igreja Presbiteriana da Barra da Tijuca, teólogo e presidente da ONG Rio de Paz.

Publicidade

VICE: Você acha que o Pastor Marco Feliciano poderá desenvolver um bom trabalho na presidência da CDHM?
Antônio Carlos CostaNão. Falta-lhe vivência de compromisso com a defesa dos direitos humanos, preparo intelectual e sensibilidade cultural para lidar com o pluralismo democrático.

É possível separar princípios religiosos quando se está no poder?
Eu jamais o faria. Não posso permitir que minha visão de mundo seja compartimentada, produzindo verdadeira dissensão entre o que creio e o que vivo. Não se pode exigir que apenas os considerados religiosos entrem na arena do debate público, deixando na porta de entrada seus princípios e pressupostos intelectuais. Esses mesmos valores, por exemplo, me levarão a não impor minhas crenças e convicções morais aos que pensam com categorias diferentes das minhas. Vivemos numa sociedade pluralista e democrática.

Qual é a sua opinião sobre a adoção de crianças por casais homossexuais?
Crescer com referência saudável de pai e mãe ajuda a criança, na riqueza da complementaridade da relação entre um homem e uma mulher, a desenvolver sua personalidade de modo mais integrado, harmonioso e belo. Esse modelo é insubstituível. Não podemos esperar que o homem possa desempenhar o papel de mãe e a mulher o papel de pai. Genética e instinto são forças poderosíssimas.

Pode acontecer, contudo, de a criança ter como melhor opção de vida ser adotada por um casal homossexual. Conheço um magistrado que tomou uma decisão como essa apesar de ter ponto de vista idêntico ao meu. Ser contra a adoção. Um casal homossexual tinha uma empregada que morreu atropelada. Esta era mãe de um único filho. Não havia quem pudesse ficar com ele, que àquela altura já vivia com o referido casal, matriculado numa das melhores escolas da cidade e sendo tratado como filho. Meu amigo deu ganho de causa ao casal. Em situações in extremis, creio que é isso que o amor pede que seja feito.

Publicidade

Foto: Reprodução do Facebook

Marcos Antonio do Nascimento
Pastor da Cristo em Mim Church.

VICE: Você acha que o Pastor Marco Feliciano pode representar as minorias neste novo cargo?
Marcos Antonio do Nascimento: De jeito nenhum. Primeiro que ele é homofóbico e não está capacitado.

Dentro da política, ele te representa enquanto evangélico?
Não. Ainda que eu fosse heterossexual e estivesse à frente de uma igreja tradicional, ele não me representaria porque está fora dos padrões da Bíblia.

O que você acha sobre o casamento gay?
Eu sou totalmente a favor. Primeiro porque Deus é amor e, onde há amor, Deus está presente. Até porque os homossexuais têm que ter os mesmos direitos que os heterossexuais. Se o casamento homossexual for legalizado em todos os sentidos, será uma grande vitória para a comunidade gay.

Foto: Reprodução do Facebook.

Marcos Gladstone
Pastor da Igreja Cristã Contemporânea, teólogo, advogado e militante da Comissão do Direito Homoafetivo da OAB/RJ.

VICE: Você acha que o Pr. Marco Feliciano poderá desenvolver um bom trabalho na presidência da CDHM?
Marcos Gladstone: Entendo que não. Na verdade, ele precisava ter vínculo e afeto com a causa, mas o vínculo dele é contra os direitos humanos. Eu fico imaginando como as minorias estariam representadas através dele. Olhando a história e todo o trabalho que ele está fazendo, desconstruindo esses direitos, fica mais claro que ele nunca estaria apto para essa função.

A postura do Pr. Marco Feliciano representa a opinião dos evangélicos?
Sim. Na verdade, é exatamente essa postura. Jesus, no tempo em que esteve aqui, preferiu ficar mais próximo dos pecadores e das minorias do que dos religiosos. Acho que o mundo pode ver que, nos tempos de Jesus, as pessoas com as quais ele tinha tantos desafetos são as mesmas pessoas que podemos ver por aí, dominando as bancadas evangélicas, dominando os partidos políticos, fazendo um trabalho contra as minorias, contra aqueles que precisam realmente.

É possível separar princípios religiosos quando se está no poder?
Creio que pessoas que têm bom caráter e são de boa índole, no sentido de amar, pregando o evangelho, sim. Mas em relação a uma pessoa dessas, vemos o contrário. No caso dele, não seria possível.

Qual é a sua opinião sobre o casamento gay?
Sou a favor. Me casei com o Pastor Fábio vai fazer sete anos. E temos uma família linda. Não apenas nos casamos, como adotamos duas crianças que estavam em um orfanato, sozinhas, sem família e sem ninguém. Estamos reparando o que um casal heteroafetivo desfez. Estamos reconstruindo a família na vida dessas duas crianças.

Siga a Débora Lopes no Twitter: @deboralopes