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Perguntamos a um Físico Teórico como a Viagem no Tempo da Franquia 'Exterminador do Futuro' Funciona

E ele concorda que essa franquia tá uma puta bagunça.

Screenshot de O Exterminador do Futuro (1984), via Orion Pictures.

Segundo o mito de Hollywood, o Exterminador original apareceu para James Cameron num sonho. Quer dizer, Cameron disse uma vez que teve uma febre nos anos 80 e imaginou um robô assassino de esqueleto cromado. Mas… e a trama sobre um soldado que viaja no tempo numa missão para matar um inimigo no presente? Isso ele roubou – sim, roubou no sentido legal – de um velho episódio de A Quinta Dimensão, escrito pelo fodão da ficção científica Harland Ellison. Porém, no processo de criar um amálgama entre o novo e o emprestado, ele colocou em movimento uma das tramas de viagem no tempo mais elaboradas e contínuas da história do cinema.

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A trama deveria ser simples: Sarah Connor dará à luz o escolhido que lutará contra as máquinas, mas o homem-máquina do futuro não vai parar até fazer o aborto mais invasivo já imaginado para impedir isso. Infelizmente, a série só pode continuar se complicações forem sendo acrescentadas à premissa.

Por exemplo, o segundo filme adicionou uma prega ao conceito fechado do primeiro, informando que, apesar de o bebê de Connor ter nascido, partes do robô que continuaram no presente garantiram que o Dia do Julgamento, o pontapé inicial da guerra com os robôs, ainda vai acontecer. A máquina de EdF 2, por outro lado, veio de muito longe para acabar com a eventualidade do Dia do Julgamento de uma vez por todas. No entanto, o problema com a expressão "uma vez por todas" é que EdF 3 era uma ideia rentável; então, os roteiristas zoaram com o tempo e a Skynet milagrosamente conseguiu botar novamente seu plugue na tomada.

Para entender como essa lambança de viagem no tempo funciona, liguei para o físico teórico da Caltech, escritor e consultor de ciência para o Exterminador do Futuro: Gênesis, Sean Carroll. Ele me ajudou a colocar o universo cinematográfico do Exterminador de volta nos eixos, já que eu perdia o fio da meada depois que o raio atinge a bunda pelada do Arnold.

[AVISO: Tem muitos spoilers da franquia Exterminador do Futuro nesta entrevista editada.]

VICE: Como cientista, o que você acha da ciência nessa franquia no geral?Sean Carroll: Sem dúvida, é uma grande bagunça, sério, o que é muito comum em filmes sobre viagem no tempo. Acho que é muito raro que filmes assim se esforcem para manter as coisas consistentes. Eles vão se desenrolar do jeito que os roteiristas querem para chegar do A ao B, e bagunçar as linhas do tempo é um jeito de fazer isso.

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Vamos começar com o primeiro: O Exterminador do Futuro. O cara que volta no tempo transa com a mãe do cara que o mandou de volta no tempo e acaba sendo o pai dele. Isso faz sentido?
Não há nada ilógico sobre uma cadeia de eventos que leva a si mesma. A única coisa ilógica é quando há uma cadeia de eventos que impede o evento inicial. Isso seria ruim.

E isso acontece na série?
Sim, de maneiras sutis. Fica muito claro desde a premissa do primeiro filme que pelo menos a Skynet e a resistência no futuro acham que é possível mudar o passado. A Skynet vive num mundo em que John Connor existe e quer evitar que ele exista. Assim, estamos operando segundo a impressão de que linhas do tempo podem ser mudadas.

Esse é um erro fatal?
Isso não é necessariamente errado em si. Uma camada que você pode tentar acrescentar a isso é: "Podemos imaginar uma série de linhas do tempo que são diferentes umas das outras, e mesmo assim o processo todo é consistente?". Vamos dizer que temos um mundo simples, no qual o primeiro Exterminador tem sucesso e John Connor é morto. Aí você pode imaginar uma linha do tempo em que John Connor morreu e uma em que não morreu - e que elas se separam uma da outra.

E, para entender múltiplas linhas do tempo, temos de entrar em mecânica quântica. Você pode explicar isso resumidamente?
Mecânica quântica é uma teoria verdadeira do mundo que ajuda a explicar o reino subatômico. Quando você tem uma partícula em certa posição, não existe algo como [um lugar] onde a partícula esteja. Ela está espalhada pelo espaço até você observá-la. E, quando você observa, você a vê em alguma localização ou em outra, e isso é dado pela probabilidade de que você vai ver isso em um lugar versus [poder ver] em outro lugar.

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"A ideia de que há ramificações das linhas do tempo, em que coisas ligeiramente diferentes acontecem, é muito realista até aonde a física vai."

Essa é a parte "quântica". Mas onde linhas do tempo separadas entram?
Há uma versão muito respeitável da mecânica quântica, que ainda não sabemos se é verdade, chamada interpretação de muitos mundos da mecânica quântica: ela diz que, quando você observa uma partícula e a vê em uma posição, outro mundo começa a existir onde isso está em outra posição, e em outra posição, e assim por diante. Logo, a ideia de que há ramificações das linhas do tempo, em que coisas ligeiramente diferentes acontecem, é muito realista até aonde a física vai.

Isso não quer dizer necessariamente que podemos viajar no tempo, certo?
Isso não tem nada a ver com viagem no tempo. Isso está ramificando porque o universo está ficando mais e mais complicado e variado com o tempo. Você pode adicionar a isso a ideia de viagem no tempo, em que você volta ao passado, mas o lugar para onde você volta não é o lugar de onde você veio, porque o mundo se dividiu numa linha do tempo diferente.

Parece que isso daria muita flexibilidade aos filmes do Exterminador. Eles continuam consistentes o suficiente para a explicação de múltiplas linhas do tempo?
A estranheza dos filmes do Exterminador é que eles vão além, com as pessoas passando entre as linhas do tempo, não apenas criando mais toda vez que alguém volta.

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"É fácil ir para frente no tempo. Avancei no tempo ontem 24 horas e aqui estou."

Certo. As viagens no tempo nos filmes do Exterminador são todas em direção ao passado, nunca ao futuro. Há uma base científica para isso? Poderemos ser capazes de avançar no tempo algum dia?
É fácil ir para frente no tempo. Avancei no tempo ontem 24 horas e aqui estou. Levei 24 horas para fazer isso e vou fazer isso de novo em 24 horas. Estamos sempre avançando no tempo, essa parece ser uma estrada de mão única. A língua inglesa não é adequada para se falar sobre isso. Dizemos que "avançamos no tempo", mas esse não é o mesmo tipo de movimento de que falamos quando estamos discutindo sobre se movimentar através do espaço.

Ou seja, você só continua no curso (porém mais rápido) para ir até o futuro. Mas como os exterminadores poderiam ir ao passado?
Se você está perguntando "Se você for ao passado, quais serão as regras?", [respondo que] estamos inventando coisas. Não dá para adivinhar.

Sim. Tente adivinhar, por favor.
A pergunta científica é: "A forma do universo pode ser tão distorcida que você e eu podemos localmente, na nossa vizinhança de espaço, estar avançando no tempo como sempre fazemos, mas esse avanço no tempo se distorcer tanto que acabamos voltando até o ponto de onde saímos?". Isso é chamado "curva fechada de tipo tempo" na física.

"Não há nada na física que diga que posso simplesmente desaparecer e reaparecer em algum outro lugar. Não há nada nem remotamente respeitável nisso."

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E isso seria parecido com o que vemos nos filmes do Exterminador?
Se você quer ser razoável fisicamente, uma das primeiras coisas a que você deve se opor em filmes como O Exterminador do Futuro é que, se você pudesse viajar de volta no tempo, isso não seria como desaparecer e depois reaparecer no passado.

Por que isso é um problema?
Einstein nos ensinou que o tempo e o espaço são ambos parte de uma coisa quadridimensional chamada espaço-tempo. Então, em relatividade geral, que é a teoria de Einstein do espaço-tempo, se você pode voltar no tempo, você só se move através do espaço-tempo numa curva em particular para que o caminho te leve até um ponto antes de você sair. Mas não há nada na física que diga que posso simplesmente desaparecer e reaparecer em algum outro lugar. Não há nada nem remotamente respeitável nisso.

Como essa viagem ao passado seria usando uma curva fechada de tipo tempo?
Você teria de entrar numa espaçonave e viajar por muitos anos até finalmente voltar para 2011 ou algo assim. É algo muito menos visual, e isso atrapalha a história que você está tentando contar. Isso não me incomoda. Isso só viola as leis da física. Não preciso nem dizer isso sobre filmes como esses. Violar as leis da lógica é algo que acho muito mais irritante.

Há filmes piores sobre isso?
O exemplo clássico é algo como De Volta para o Futuro, no qual você vê a fotografia mudando porque algo aconteceu no passado. Isso não faz nenhum sentido na versão de ninguém nem de nada. Quer dizer, o que é isso? Por que isso está mudando agora? O que isso deveria ser? É algo que aconteceu anos no passado! É claramente uma tentativa bagunçada de mudar o passado e ainda ter só uma linha do tempo. E isso não faria sentido.

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Você conseguiu entender por que os roteiristas continuam tropeçando aqui?
Os roteiristas tendem a misturar o tempo da narrativa com o fluxo de tempo atual no universo como descrito na história. É isso que torna impossível reconciliar isso de qualquer maneira científica. Isso só faz sentido porque existe um ponto de vista de um narrador onisciente, que está mostrando para você que coisas diferentes aconteceram. Do ponto de vista desse narrador, as coisas são simultâneas, mas essa não é uma pessoa física no ponto de vista da história. Em certo sentido, Exterminador do Futuro não é assim tão ruim.


No The Creators Project: Um robô desenha C-3PO e o Exterminador T-800


Há problemas específicos no universo do Exterminador em que a linha do tempo seja alterada?
No terceiro, fica muito claro que eles alteraram a linha do tempo. Mas acho que ainda era, pelo menos até aquele momento, possível que isso fosse apenas uma estrutura de ramificação, em que mais e mais linhas do tempo estavam sendo criadas por todas essas pessoas sendo mandadas até o passado.

No terceiro filme, eles acham que impediram o Dia do Julgamento, mas o robô diz a John que "O Dia do Julgamento é inevitável". Esse conceito de inevitabilidade tem alguma base científica?
Você pode inventar uma ideia que não é baseada na física ou em qualquer coisa que sabemos sobre as leis da natureza. Você pode inventar uma ideia tipo pontos fixos no futuro. Há chances de que temos o agora. Coisas diferentes podem acontecer. Mas não importa o que fizermos agora: vai haver um resultado definitivo. Não é assim que a física funciona. Você está inventando uma história. E você não tem robôs viajando no tempo também.

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O que há de errado no conceito de inevitabilidade, do ponto de vista da ciência?
Se o universo do Exterminador tivesse essa regra, como eles saberiam disso? Eles estiveram em todas as linhas do tempo? Parece-me completamente impossível verificar algo assim. Talvez isso fosse o ponto de vista de alguém, e esse ponto de vista estaria errado. A voz do narrador tipo Deus pode dizer isso, mas não vejo como qualquer pessoa vivendo nesse universo poderia saber algo assim.

Não há nenhuma viagem no tempo no quarto filme. Logo, qual foi sua contribuição nele?
Alan Taylor e eu conversamos algumas vezes. Eu ia até a Paramount, sentava no escritório dele, conversava por uma hora e ia embora. Aí, um ano e meio depois, o filme apareceu.

Você pode compartilhar o conteúdo dessas conversas?
Falamos um pouco sobre por que os exterminadores estão sempre pelados quando voltam.

Meu Deus, sim! Por quê?
Quem se importa? Eles só queriam mostrar o Arnold Schwarzenegger nu.

Justo. Então, como consultor desses filmes, você tem uma missão geral para os cineastas?
Acho que a profissão de se fazer cinema e o público que assiste aos filmes estão ficando mais sofisticados com o tempo. Hoje, mais do que nunca, você faz um filme bom se tenta fazer a história fazer sentido. Se você só junta um monte de coisas poque acha que cada cena individual é fofa, mas não se importa com a estrutura lógica subjacente, o público vai ficar incomodado.

Exterminador do Futuro: Gênesis já está em exibição nos cinemas.

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