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Tecnologia

Tem gente minerando bitcoin com o calor corporal

O único jeito de ser lucrativo, porém, é criar uma fazenda de milhares de corpos tipo a de 'Matrix'.

Não é segredo que o bitcoin é ruim para o meio ambiente. Uma transação da moeda virtual exige o mesmo tanto de energia que dez casas numa semana, e a rede inteira usa mais energia que a Bulgária. As moedas alternativas não são muito melhores: Ethereum, a segunda mais conhecida, usa tanta energia quanto alguns países pequenos do Mediterrâneo. Não é surpresa, então, que alguns entusiastas de criptomoedas venham buscando soluções mais sustentáveis como mineração com energia eólica ou carros Tesla.

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Uma organização holandesa chamada Institute of Human Obsolescence (IoHO) recentemente levou a fantasia das criptomoedas sustentáveis ao extremo: usou o calor do corpo humano para minerar uma variedade de criptomoedas. Muitos, claro, questionaram essa invenção. Será que nossos corpos podem realmente ser uma solução viável para o problema de uso de energia das criptomoedas?

“Desde o ano passado, a pegada ecológica da manutenção da cadeia do bitcoin tem sido mais discutida enquanto ela atinge níveis sem precedentes de ineficácia e altos níveis de consumo de energia por transação”, me disse o fundador do IoHO Manuel Beltrán, por e-mail. “Na maioria dos casos, se alguma tecnologia é possível de construir, as pessoas a constroem e começam a usar sem considerar as possíveis implicações éticas e sociopolíticas. Esse é exatamente o ponto que estamos desafiando.”

Imagem: Biological Labor – IoHO – Elevate Festival.

A ideia de tirar vantagem do calor corporal para abastecer o mundo ao nosso redor não é exatamente nova – de academias a discotecas já foram abastecidas por clientes suando. Como o The Next Web cobriu em dezembro, o experimento do IoHO em colher calor corporal foi ligeiramente diferente porque não exigia que as pessoas fizessem qualquer trabalho físico, como correr numa esteira ou dançar até cair. Na verdade, os participantes só tinham que ficar deitados por algumas horas.

Um corpo humano adulto gera aproximadamente 100 watts de energia em descanso. Cerca de 80% dessa energia é desperdiçada em excesso de calor corporal. A ideia do IoHO era capturar um pouco desse excesso de calor usando vestimentas com geradores termoelétricos. Tais geradores converteriam o calor corporal em energia elétrica que, em seguida, seria usada para alimentar computadores minerando criptomoedas.

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Desde 2015, 37 voluntários contribuíram com 212 horas de mineração para gerar um total de 127,2 watts. Apesar dos voluntários contribuírem com seus corpos para o projeto por diferentes quantidades de tempo, na média cada pessoa contribuiu com cerca de 0,6 watts/hora de energia. Considerando que em média um adulto produz cerca de 80 watts como excesso de calor, isso significa que o IoHO conseguiu colher menos de 1% do calor corporal gerado por seus voluntários.

Imagem: Biological Labour – IoHO – Elevate Festival.

Com a pequena quantidade de energia que colheu de seus voluntários, o IoHO minerou novas criptomoedas como o Vertcoin e Startcoin, que exigem menos energia que as moedas maiores. Segundo Beltrán, os voluntários ficaram com 80% das criptomoedas que geraram enquanto o resto foi para o instituto.

“Nunca mineramos bitcoins porque seria inútil produzi-los com calor humano”, me disse Beltrán. “Mineramos exclusivamente moedas alternativas e algumas delas subiram 46.000%. O que no começo era só alguns centavos agora é uma quantidade considerável de dinheiro.”

Muito legal, mas quão inútil seria o sistema do IoHO se usado para minerar bitcoin?

Por exemplo: e se usássemos um ASIC, um tipo especial de chip de computador para minerar bitcoin? Vamos pegar o Antminer S9 como referência de ASIC por sua popularidade e eficiência. Um Antminer S9 usa 1.375 watts/hora e minera cerca de 0,6 bitcoins por ano, então dois desses aparelhos produziriam 1,2 bitcoins por ano e exigiriam 2.750 watts/hora.

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Se cada humano está gerando 0,6 watts/hora de energia com o IoHO, seria necessário aproximadamente 4.600 pessoas deitadas 24 horas por dia, 7 dias por semana usando o aparelho do IoHO para produzir 1,2 bitcoins. Com os preços atuais do bitcoin, cada pessoa receberia cerca de $3 pelo ano de trabalho.

Não é grande coisa, mas vestimentas com geradores termoelétricos têm muito potencial para melhorar. E quanto a minerar bitcoin num cenário ideal, onde os geradores fossem perfeitamente eficientes e capazes de colher todos os 80 watts de excesso de calor produzido pelo corpo humano? Talvez uma coisa tipo Matrix, onde os humanos ficassem imersos numa banheira de meleca que colhe toda sua energia?

Nesse cenário, um indivíduo poderia produzir cerca de 700 mil watts/hora num ano. Isso significa que se 34 pessoas ficassem deitadas por um ano e seu excesso de calor fosse colhido com 100% de eficiência, elas poderiam minerar 1,2 bitcoins. Um pouco melhor, mas um ano no mundo das criptomoedas pode valer um milênio.

Se você quisesse acelerar as coisas e minerar 1 bitcoin por mês, você precisaria de 320 pessoas deitadas 24 horas com um sistema de eficiência perfeita. Para fazer 1 bitcoin por mês com a tecnologia do IoHO – que em termos de eficiência está no mesmo patamar da maioria das vestimentas com geradores termoelétricos disponíveis hoje – você precisaria de 44 mil pessoas dando sua energia corporal 24 horas por dia.

Claro, o IoHO não está defendendo um futuro que pareça com Matrix. Em vez disso, o projeto fala sobre propriedade de dados e como coletar de maneira eficiente o capital biológico de uma pessoa. É um experimento interessante e não é difícil imaginar um futuro onde todo mundo vai usar roupas que carreguem celulares implantados no nosso cérebro.

Mas até lá parece que os mineradores de criptomoedas continuam presos a fontes de energia não-renováveis.

Tradução: Marina Schnoor

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