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VICE News

Os somali temem que a guerra contra o al Shabaab nunca acabe

O atentado à cidade de Mogadíscio no sábado (14) foi o maior ataque terrorista registrado desde o 11 de Setembro.

Matéria originalmente publicada na VICE News .

Eles encontraram mãos e pernas, alguns corpos carbonizados e um único cartão de visitas. Usando camisetas brancas com a frase "Nunca nos cansamos de nosso país", quase 200 jovens somalis se reuniram na última terça-feira (17) no local do histórico ataque terrorista do último final de semana para coletar os restos das vítimas ainda enterrados sob os escombros.

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Mogadíscio está familiarizada com terrorismo: Desde que o al Shabaab perdeu o controle da capital em 2011, quase semana a cidade passava por ataques com carros-bomba e assassinatos. Mas o ataque de sábado, causado por um caminhão cheio de explosivos detonados perto de um tanque de combustível, no cruzamento movimentado do Quilômetro Cinco de Mogadíscio, foi algo que a cidade nunca tinha visto antes.

"É muito doloroso. Nunca imaginei ver nossa cidade assim", disse Muna Hassan, 29 anos, que ajudou a organizar a resposta da juventude da cidade depois do ataque.

O ataque matou 302 pessoas e feriu 429, tornando-se o ato terrorista mais mortal do mundo desde o 11 de Setembro. Nos últimos anos, explosões em escala menor foram seguidas por operações rápidas de limpeza: escombros são removidos, o sangue é lavado, e as mesas montadas para servir chá horas depois. Mas por quatro dias depois desse ataque, enquanto o pessoal de emergência lutava para tirar corpos dos escombros, os moradores de Mogadíscio ficaram imaginando como a cidade que eles achavam estar no caminho da estabilidade pôde experimentar uma violência tão brutal, e como o influxo de apoio internacional para a segurança, particularmente dos EUA, aparentemente fez tão pouco para impedir isso.

"A pergunta que muitas pessoas estão se fazendo agora é se o governo entende as raízes desse ataque."

"A pergunta que muitas pessoas estão se fazendo agora", disse Abdisalam Yusuf Guled, ex-vice-diretor da Inteligência e Agência de Segurança Nacional da Somália, "é se o governo entende as raízes desse ataque, de onde essas pessoas vieram, e se esse ataque poderia ter sido evitado."

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Sob a "campanha de estabilização" do presidente recentemente eleito Mohamed Abdullahi Mohamed, lançada no começo do Ramadã numa tentativa de cortar o fluxo de armas, a cidade desfrutou de meses de relativa estabilidade. Autoridades federais limitaram o número de pessoal de segurança privada armado em comboios se movimentando pela cidade, e as armas que esse pessoal podia carregar; agentes da Inteligência Nacional do Serviço de Segurança fizeram batidas a traficantes de armas conhecidos e apreenderam seus estoques; e mais postos de controle surgiram pela cidade.

A estratégia parecia estar funcionando: o Ramadã, um mês que tipicamente contava com um pico de atentados do al Shabaab, viu apenas um grande ataque, e os três meses seguintes passaram sem nenhum atentado. Mas a magnitude da explosão de sábado coloca em questão a eficácia a longo prazo de um governo que prioriza a segurança física por meio da força, em vez de buscar uma solução política abrangente de longo prazo.

"Mogadíscio é um lugar difícil de fazer a segurança. Há muitas estradas — estradas de terra, becos — é difícil verificar todos os veículos entrando na cidade atrás de explosivos."

Os moradores de Mogadíscio sentem que o foco do governo federal em soluções militares para o problema do al Shabaab, veio às custas de abordar problemas sociais e econômicos para a presença do grupo militar no país.

Apesar de o al Shabaab controlar porções de terra no sul da Somália, uma área rural e de deserto, o grupo só conta com algo entre três mil membros, principalmente homens jovens sem perspectiva de emprego ou oportunidades. Um desertor do grupo, que pediu para permanecer anônimo por razões de segurança, disse à VICE que muitos membros entram para o grupo simplesmente porque não têm outra opção.

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"Quando o al Shabaab tomou o controle do meu vilarejo, alguém veio até minha casa e me convenceu a me juntar a eles", disse a fonte ouvida pela reportagem. "Eles estavam no controle da área; eles tomaram o lugar como se estivessem fazendo seu próprio estado islâmico, então pensei 'Que escolha eu tenho?'"

A política local, cheia de rivalidade entre clãs, também contribuiu para a resistência do al Shabaab. Quando um grupo consegue capturar uma área, ele geralmente oferece aliança com o clã, concordando em defendê-lo contra clãs rivais em troca de aceitar a presença do al Shabaab. Como resultado, clãs manipulam forças estrangeiras, incluindo dos EUA, para matar civis de clãs rivais dizendo que eles são membros do al Shabaab.

As complexidades da batalha contraterrorista na Somália ganhou atenção das relações internacionais dos EUA em março, quando a administração Trump designou partes da Somália como "áreas de atividade hostil", oferecendo menos supervisão do U.S. Africa Command (AFRICOM) para realizar ataques com drones e operações no solo. Com o abrandamento dessas regulamentações, muitos observadores de direitos humanos anteciparam o temor de um aumento de mortes de civis, e em agosto, esses medos se concretizaram quando tropas norte-americanas se envolveram numa operação que matou 10 civis, incluindo três crianças, na área de Bariire, sul da Somália. Segundo uma reportagem do Guardian, pelo menos um dos terroristas do ataque de sábado era de Bariire.

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"Vamos orar juntos amanhã e ver para onde nosso país pode ir daqui."

Apesar de a AFRICOM ter aberto uma investigação sobre o incidente em Bariire, o grupo não mostra sinais de que vai frear a parceria cada vez mais próxima com o governo federal somali. Na segunda-feira, o Pentágono confirmou a presença de 400 tropas norte-americanas na Somália, um aumento de oito vezes ao se considerar o mesmo período do ano passado. Se o aumento de tropas pode ajudar o novo governo do presidente Mohamed a sufocar a insurgência, não se sabe.

Por enquanto, os somalis da capital estão de luto por seus vizinhos mortos no ataque devastador de sábado. "Você não consegue descrever o que aconteceu aqui", disse Hassan. "Vamos orar juntos amanhã e ver para onde nosso país pode ir daqui."

Christina Goldbaum é uma jornalista e produtora independente que vive em Mogadixo.

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