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Uma Nova Plataforma de Financiamento Coletivo Ajuda Vítimas de Tráfico Humano a Voltarem para Casa

A VICE conversou com o gestor de divulgação digital do IOM X e defensor apaixonado do projeto, Mike Nedelko, sobre como o 6degree espera mudar a vida de tantas pessoas.
LT
Bangkok, TH

Screenshot do 6degree.org.

Mira* tinha 14 anos quando saiu de sua cidade pobre na Indonésia com a promessa de um trabalho lucrativo num restaurante em Singapura. Em vez disso, ela recebeu documentos falsos que a identificavam como uma mulher de 19 anos e passou dois anos servindo singapurenses ricos – fazendo trabalho sexual num hotel em vez do trabalho de garçonete que lhe tinham prometido.

Agora Mira tem 16 anos e tenta desesperadamente recomeçar sua vida. Seu sonho é voltar para a Indonésia e se matricular num curso de cabeleireira. O custo da viagem, atenção médica, reintegração e treinamento vocacional é de US$ c2.600 (cerca de R$ 8.400).

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Histórias como a de Mira são perturbadoramente comuns; além da recuperação mental e física, muitas vítimas de tráfico humano enfrentam enormes obstáculos financeiros quando tentam reconstruir uma vida depois da escravidão. Agora existe uma plataforma de financiamento coletivo que visa ajudar essas pessoas, o 6degree. O que o Kickstarter faz pela web série dos seus amigos, o 6degree espera fazer pelas vítimas de tráfico humano: dar esperança, dinheiro e a chance de um novo começo.

"Estamos acostumados a ver de tudo: fotos de pessoas sofrendo, de crianças desnutridas na África. Ficamos dessensibilizados." – Miranda Simpson

O 6degree foi lançado semana retrasada como uma parceria entre a Microsoft e a organização sem fins lucrativos IOM X, a iniciativa antitráfico humano da Organização Internacional de Migração. Como um dos primeiros portais de financiamento coletivo voltados para ajudar a doar dinheiro diretamente às vítimas do tráfico, o 6degree compartilha histórias de sobreviventes com mapas simples e explicações fáceis.

A australiana Miranda Simpson foi a primeira pessoa a fazer uma doação pelo site. A profissional de marketing escolheu ajudar Xiao, uma indonésia de 23 anos forçada a trabalhar como doméstica e fisicamente maltratada por seis anos antes de ser abrigada pela IOM-X. Xiao agora espera que os US$ 1.500 a levem para casa, com direito a tratamento de saúde e treinamento vocacional. Um terço do dinheiro já foi levantado pelo 6degree.

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Quando ajudar um sobrevivente de tráfico humano é dividido em somas gerenciáveis, as pessoas veem que seus US$ 25 ou US$ 50 realmente fazem diferença. O novo portal é altamente reativo e os usuários têm a satisfação de ver suas doações imediatamente aplicadas ao objetivo do sobrevivente, os colocando um passo mais perto de casa.

Para proteger a identidade das vítimas, fotos não são usadas no site. Em vez disso, a IOM X criou um portal simples que cria narrativas envolventes usando mapas clicáveis. Os mapas demonstram cada passo da jornada da vítima através do tráfico humano. Todos os traços de narrativa sensacionalista e exploradora são deixados de fora.

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Essa é parte do apelo para Simpson. "Estamos acostumados a ver de tudo: fotos de pessoas sofrendo, de crianças desnutridas na África. Ficamos dessensibilizados. O 6degree te permite entender as histórias e doar com respeito às vítimas."

A VICE conversou com o gestor de divulgação digital do IOM X e defensor apaixonado do projeto, Mike Nedelko, sobre como o 6degree espera mudar a vida de tantas pessoas.

VICE: Fale mais sobre o conceito do 6degree.
Mike Nedelko: É um jeito de contar histórias individuais sobre sobreviventes de tráfico humano e aceitar doações para eles, sem comprometer sua segurança.

Quais foram os maiores obstáculos do projeto?
Não podíamos usar fotos das vítimas, porque isso é crucial para proteger a identidade delas. Então o problema era: Como contar essas histórias individuais de um jeito que criasse empatia com os usuários, para que eles entendessem as circunstâncias, sem revelar identidades? Fotos são uma resposta fácil, mas pensamos numa alternativa. Decidimos contar as histórias através de mapas.

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Cada história é contada usando locações clicáveis que permitem que o usuário siga essa jornada. Cada clique abre um novo passo da narrativa.

Você acha que haverá uma demanda para mais informações sobre as vítimas?
Na era da informação, as pessoas querem acessar cada detalhe. Elas querem imagens, se conectar nesse nível. Entendemos que há um desejo de conhecer o indivíduo cuja vida você afeta, mas, ao mesmo tempo, queremos criar uma conscientização de que você está ajudando pessoas muito vulneráveis. Se seu objetivo é tirá-las do perigo, então há certos detalhes que você não pode ter para mantê-las seguras.

Quem é o público-alvo do 6degree?
Dois grupos. Primeiro, a rede global de ativistas antitráfico. Segundo, pessoas que se importam com a questão, mas estão menos envolvidas diariamente. O 6degree fornece uma maneira concreta de agir. O tráfico é uma questão complexa e sensível, mas queremos dar às pessoas uma maneira de sentir que estão tendo um impacto imediato naqueles que viveram essa experiência.

"Há essa lacuna onde pessoas estão interessadas nessa questão, mais sentem que não há nada que possam fazer. Por isso começamos a trabalhar com financiamento coletivo." – Mike Nedelko

Por que há uma necessidade de financiamento coletivo para esse tipo de coisa?
Isso tem a ver com alcançar nosso público-alvo. Há essa lacuna onde pessoas estão interessadas nessa questão, mais sentem que não há nada que possam fazer. Por isso começamos a trabalhar com financiamento coletivo.

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O portal resolve a questão do financiamento, mas também permite a conscientização numa escala maior. Os contribuintes se conectam a histórias reais e desenvolvem um entendimento maior da experiência do tráfico humano.

Vocês realmente entregam o dinheiro na mão das vítimas?
Não. Os fundos vão diretamente para as pessoas, mas são dispersados através do programa de assistência da IOM e um funcionário responsável pelo caso ajuda cada pessoa a se reestabelecer.

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Os doadores e as somas contribuídas no 6degree são anônimas?
Sim. No momento, queremos que a experiência dos indivíduos traficados seja o centro do processo de doação.

Como vocês escolhem casos para o 6degree?
Os funcionários em campo recomendam vítimas com base na necessidade. Começamos com apenas quatro casos, mas estamos acrescentando outros. Queremos aumentar o movimento de maneira sustentável. Quando um caso for financiado, vamos substituí-lo por um novo.

Se o financiamento coletivo para indivíduos traficados ganhar impulso, vamos acabar com tragédias competidoras, apresentando histórias da maneira mais sensacionalista possível para conseguir financiamento?
Acho que isso se relaciona com o tipo de experiência que as pessoas esperam da internet hoje. Mesmo se outro portal abrir fornecendo um serviço similar, não imagino que a IOM X vá querer contar as histórias de maneira diferente de como faz hoje. Temos uma longa história na assistência a pessoas, então acho que temos credibilidade nesse campo.

Qual tem sido a reação inicial ao 6degree?
Ótima. As pessoas dizem que estavam esperando por algo assim e compartilham a notícia nas redes sociais. Isso é encorajador, porque o potencial disso para o movimento contra o tráfico é enorme. Você não tem uma oportunidade assim de impactar a vida de outros todo dia.

*Os nomes das vítimas foram mudados para proteger suas identidades.

Doe para o 6degree.org e siga a Laurel no Twitter.

Tradução: Marina Schnoor