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Games

Breve Arqueologia de um True PC Gamer

Quem já fez um disco de boot de DOS para aumentar a memória virtual do computador e conseguir rodar algum maldito jogo talvez se identifique com o texto.

Em essência, eu sou um PC Gamer. Eu tive vários videogames diferentes, mas sempre me senti mais à vontade sentado na frente da telinha e controlando o jogo pelo teclado e o mouse. É por isso que até hoje eu não consigo nem fodendo jogar razoavelmente um jogo de tiro em primeira pessoa usando um controle de videogame. Ajuda também o fato de eu nunca ter tido um Nintendo 64 para ficar quinhentas horas por semana punhetando um GoldenEye. Eu adoro jogos de PC e gosto de mergulhar em sua história. Se você for a fundo, é fácil descobrir e se surpreender com ótimos jogos feitos nas décadas de 1980 e 1990, e tenho um prazer nerd gostoso ao descobrir de onde vieram as inovações e mecânicas novas na história dos jogos eletrônicos.

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Semana passada, meu pai me mandou uma mensagem no Facebook dizendo que tinha achado uma sacola cheia de jogos velhos e perguntou se eu não queria pegá-la na casa dele. Apesar de ter ficado um pouco receoso com o que o passado poderia me proporcionar, aceitei. Peguei a sacola empoeirada e, de volta em casa dei uma revirada. A seguir, compartilho anotações sobre alguns dos jogos que joguei durante meus anos de formação – não são todos os jogos que tive de PC, é uma seleção um pouco esquizofrênica, mas vale a pena dar uma olhada nela pelas particularidades dos jogos de PC da década de 1990 e ver o que mudou desde então. Não são em sua grande maioria jogos conhecidos, importantes ou ainda particularmente bons. Alguns eu comprei na caixa, outros comprei em revistas de jogos completos, mas essa arqueologia certamente ajuda a montar o imaginário dos anos 1990, de como eram feitos os jogos antes do MP3, Wikipedia, redes sociais, full HD, torrents e tudo o mais em que estamos chafurdados hoje em dia. Quem já fez um disco de boot de DOS para aumentar a memória virtual do computador e conseguir rodar algum maldito jogo talvez se identifique.

Microsoft Oceans (1995)

Você lembra quando não tinha Wikipédia? Houve uma época de transição entre a boa e velha enciclopédia de capa dura e a mente coletiva da internet (a mente que mais sabe sobre a espada do Sephirot) que foi a era das enciclopédias eletrônicas, ou ainda, enciclopédias multimídia, termo tão querido pelos tecnólogos dos anos 1990. Nesse caso, isso fazia parte do Microsoft Home, um bando de CDs que vinham junto com algum computador Aptiva, eu imagino, com a enciclopédia Encarta, Microsoft Dinossaurs, e mais um monte de coisa que eu não lembro mais. Qual era a diferença de usar uma coisa dessas ou consultar uma enciclopédia? Geralmente, esses CDs tinha muito menos coisa, mas algumas delas tinham uma foto ou um vídeo horroroso em baixa resolução falando sobre o assunto.

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Hellfire (1997)

Pode parecer estranho hoje em dia pensar que a única expansão autorizada pela Blizzard de seu filhotinho Diablo tenha sido feita por uma subsidiária da publisher Sierra, mas foi isso que rolou. Bom, pode parecer ainda mais estranho hoje em dia pensar que uma cópia de uma versão alpha do Diablo veio em uma revista de computador. Hoje em dia, isso não rolaria, não. Hellfire pega a primeira versão do Diablo e, por meio de um maravilhoso roteiro, insere dois novos calabouços (dungeons) ao jogo que não se conectam com os outros níveis do jogo principal, e consegue acrescentar um monte de coisa nova, inclusive uma classe de personagem, o Monk, que empunha um belo bordão para dar na nuca das hordas maléficas de demônios, além de adicionar mais trocentas magias ao jogo original. O que é impressionante é que apesar de acrescentar um monte de coisa, o jogo não muda quase nada, e nada do que foi colocado mudou coisa alguma no jogo principal. A Blizzard nunca mais permitiu que outra empresa fizesse expansões de seus jogos, deixando para si mesma o privilegio de fazer muito mais grana.

Total Annihilation: Kingdoms (1999)

Total Annihilation, jogo de estratégia em tempo real desenvolvido pela empresa Cavedog, é um dos clássicos cult favoritos da galera que curte um joguinho de estratégia. Para alguém curtir essa sequência fantástica medieval, Total Annihilation: Kindgoms, o cara tem que ser muito, mas muito mais cult, na real. O Total Annihilation original se passa em um universo futurista em que você controla uma infinidade de unidades distintas, onde não somente todos os modelos são 3D, mas também o cenário funciona com uma geografia que altera consideravelmente a dinâmica do jogo, respeitando a altura de seu robozinho, que lança um míssil para conseguir chegar mais longe, por exemplo. Total Annihilation: Kingdoms pega essa engine e a joga na privada, sem trazer absolutamente nada de novo para um gênero que já estava sendo dominado pela Blizzard. Esse jogo, dizem algumas línguas, foi a responsável pela falência da Cavedog, por isso que consegui comprar esse jogo medíocre na banca junto com uma revista que nunca li.

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Betrayal in Antara (1997)

O primeiro jogo completo que veio junto com uma revista que comprei era o antecessor desse RPG da Sierra, Betrayal at Krondor. Algum tempo depois, descobri que a Sierra tinha disponibilizado gratuitamente o jogo em seu site e era por isso que você podia comprar uma revista com uma cópia dele. Depois essa prática de jogos completos em revistas de games foi mais popularizada e imagino que entre as desenvolvedoras dos jogos e as editoras das revistas havia um contrato de licenciamento – os jogos também provavelmente já não tinham dado muito certo no mercado de varejo e eles queriam faturar o máximo possível com um jogo que não tinha dado muito certo. Mas enfim, não foi o caso de Betrayal in Antara, que é um jogo de RPG bem sólido baseado no mundo criado pelo romancista Raymond E. Feist, um autor de ficção fantástica que poderia muito bem ter criado uma série famosa na HBO e ter ficado trilhardário se ele tivesse colocado mais putaria e menos elfos em suas criações. De qualquer forma, Betrayal in Antara é um jogo bem razoável que mostra um traço característico dos jogos dos anos 1990 antes do advento do DVD: a caixa de CDs múltiplos. Quando havia muito vídeo ou áudio no jogo (estamos falando de uma era anterior ao MP3), era preciso dividir os jogos em vários CDs (neste caso, em três). Um dos maiores problemas dessa prática é o que aconteceu com essa belezoca aqui, eu estou só com o segundo e terceiros discos. Bem agora que até deu uma vontade de jogar essa porcaria.

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Lords of The Realm II (1996)

Lords of The Realm era a minha série de estratégia em turnos preferida antes de descobrir que existiam jogos de estratégia em turno realmente bons.

Jurassic Park: Chaos Island (1997)

Uma das drogas mais pesadas que vendiam para as crianças nos anos 1990 eram os malditos dinossauros. Se você acompanhou os estudos de biologia e paleontologia desde então, provavelmente sacou que era tudo mentira e os velociraptors eram mais parecidos com perus (que são mais assustadores do que você imagina) do que com monstros estranhos que os anos 1990 criaram. Todo e qualquer produto licenciado da franquia Jurassic Park vendia bem. Tudo mesmo, inclusive jogos de videogame. Eu joguei uns quatro desses e tenho até hoje o cartucho da versão para o Mega Drive. Nele, você podia controlar um Allan Grant (herói de chapéu do primeiro filme) que dá tiros com dardos tranquilizadores ou mísseis explosivos na fuça dos bichinhos. Esse jogo específico foi desenvolvido para sair junto com o segundo filme da franquia, Jurassic Park: Lost World, que teve consideravelmente menos impacto que o primeiro – e o jogo também. O curioso desse jogo é que ele não é de tiro ou ação, como nas encarnações anteriores da franquia: ele é um jogo de estratégia em tempo real. Qual é o esquema do jogo? Você controla caucasianos de bermuda da Banana Republic que ficam andando atrás de traquitanas tecnológicas e incubam ovos de dinossauros que você também pode controlar. O jogo é bom? Não. O jogo é memorável? Não. O jogo é horroroso? Também não. O jogo flutua perfeitamente no limbo esquecido da mediocridade. Se bem que o Jurassic Park para Sega CD era um jogo horroroso e foi igualmente esquecido.

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X-Men Cartoon Maker (1995)

Esse software de entretenimento não é um jogo, mas uma plataforma onde você pode fazer o seu próprio desenho animado do X-Men baseado na série que passava na televisão à época. Encontrar esse pedaço de software me fez lembrar com carinho das tardes que eu passava com o meu irmão tentando montar alguma história coerente dentro das restrições técnicas da ferramenta. Por exemplo, você só poder controlar UM objeto animado por vez, enquanto todos os outros objetos da cena ficam estáticos. Gostosa nostalgia também me veio agora ao lembrar do mais famoso 3D Movie Maker, da Microsoft, que até onde me lembro era a ferramenta mais interessante para a molecada tentar fazer um desenho animado horroroso. Dá uma sacada nesse vídeo do X-Men Movie Maker aqui embaixo para ter uma noção do que é o bagulho.

Um exemplo da tecnologia criativa que estava à disposição da molecada nos anos 1990.

Lords of Magic (1997)

Lords of Magic é um jogo de estratégia em turnos de fantasia cujo objetivo é destruir (ou conquistar) o reino de seus inimigos por meio de tropas, magia e diplomacia. Ele é um sucessor espiritual de um outro jogo mais antigo que conheci bem mais tarde, Master of Magic. Afinal, qual é o problema desse jogo se eu estou falando que ele é firmeza? Bom, quando comprei esse jogo eu não fazia a mínima ideia do que esperar até começar a ver a embalagem e começar a INVENTAR o que era o jogo, prática bem comum em crianças durante viagens, quando compram um jogo sem referência anterior e estão longe de seus videogames ou computadores, arte inexoravelmente perdida depois do advento da internet de banda larga. Mas o que eu e meu irmão esperávamos desse jogo? Que ele fosse um RPG imersivo em que você controla um personagem e viaja em terras estranhas cumprindo missões enquanto cavalga sua montaria preferida. A gente queria que esse jogo fosse o World of Warcraft sete anos antes do World of Warcraft.

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Megarace 2 (1996)

Megarace, o original de 1993, era um jogo de corrida medíocre que tinha a vantagem de você poder atirar nos inimigos enquanto corria, algo que muito moleque da minha idade REALMENTE desejava em um jogo. O problema é que o jogo não era tão interessante assim, apesar de ter um plot de reality show (antes de isso existir de fato na vida), algo meio baseado em Rollerball ou coisas do tipo. Eis que, três anos depois, surge Megarace 2. E o que muda no jogo? Ele ganhou gráficos 3D até que bem razoáveis para a época, mas continuou sendo um joguinho de corrida tedioso. O que não entendo nesse jogo, e em muitos outros jogos da época, é o fetiche que os desenvolvedores tinham em enfiar um vídeo no meio do bagulho, vídeos feitos com atores que não deveriam estar muito felizes em conseguir aquele papel, e esses pobres atores que atuavam em roteiros horrorosos num fundo de chroma key me passam uma tristeza profunda que eu mal consigo descrever. Ainda bem que, um ano depois de Megarace 2, chegou o Carmageddon, que nos fez esquecer de todos os outros jogos de corrida em que você pode destruir seu oponente (a não ser Death Rally. Death Rally é daora).

Vergonha dessa abertura, muita vergonha.

Siga o Pedro Moreira no Twitter: @pedrograca