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Tecnologia

A História do AllMusic Precede a Internet

Como um cara que pegou carona com o Bob Dylan e deu o apelido pro Iggy Pop fundou uma enciclopédia da arte audível.
​Crédito: Allmusic

​A mais importante e incômoda contribuição da internet para o mundo é a ausência total de limites. Além dos limites impostos por um editor (de preferência um bem esperto), um jornalista digital pode escrever eternamente, sem se preocupar com as limitações de espaço de um jornal impresso. Essa liberdade possibilitou projetos que não existiriam em outros meios, e que parecem impossíveis mesmo com o auxílio do poder de síntese e do espaço infinito da internet: o impulso de catalogar algum tópico completamente. A Wikipedia, mesmo com todos suas falhas, é uma fonte impressionante, contando com mais de 4.7 milhões de verbetes (​essa é uma foto de um humano ao lado da quantidade de livros que a Wikipedia preencheria se fosse impressa). O IMDb, ou Banco de Dados de Filmes da Internet, em tradução literal, cataloga cada ator, diretor, roteirista e membro da equipe que já trabalhou em algum filme ou série de televisão. O AllMusic, anteriormente conhecido como All Music Guide ou AMG, tenta fazer o mesmo com a música.

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Cada banda e cada artista de cada gênero musical tem uma biografia no site. Cada álbum, EP e disco ao vivo lançado, não importa o quão desconhecido ele for, também é catalogado, e o AllMusic se esforça ao máximo para resenhar cada um deles. Aos poucos o AllMusic se tornou um daqueles sites que é tão intrínseco à internet que é difícil imaginá-la sem sua existência.

Parte disso se deve ao fato de que a internet nunca existiu sem esse catálogo. O AllMusic precede a World Wide Web; ele foi criado em 1991 na cidade de Big Rapids, no Michigan, por um cara extremamente interssante: Michael Erlewine.

Erlewine começou sua carreira como músico, primeiramente como um cantor folk em Michigan, onde conheceu Bob Dylan; juntos, os dois fizeram um mochilão até a costa oeste dos Estados Unidos.

Quando ele retornou ao Michigan no começo dos anos 60, Erlewine criou e se tornou o vocalista de uma banda de blues chamada Prime Movers.

O baterista da banda era um garoto de 18 anos chamado James Osterberg, saído de uma banda local chamada The Iguanas. Erlewine e os outros membros originais da Prime Movers o chamavam de Iguana, apelido que eventualmente foi reduzido para Iggy (algum tempo depois ele adicionou um sobrenome ao apelido e passou a se apresentar como Iggy Pop). Como um grupo de jovens brancos tocando o que era então visto como música negra no interior do país, os Prime Movers eram uma anomalia no espaço-tempo; no entanto, eles se mantiveram como entusiastas discretos do blues, chegando até a recusar um contrato com a Motown.

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No Festival de Jazz e Blues de Ann Arbor no final dos anos 60 e início dos anos 70, Erlewine começou a entrevistar dezenas de seus artistas favoritos. As entrevistas serviam apenas para satisfazer sua curiosidade, mas eventualmente elas começaram a fazer parte de seu futuro projeto.

Nos anos 70, a carreira musical de Erlewine entrou em decadência e ele começou a se interessar por astrologia. Ele foi um dos primeiros a unir astrologia e o recém-criado computador, fundando a Matrix Software em 1977. A Matrix produzia guias astrológicos e publicáva-os dentro da comunidade astrológica.

A verdadeira revolução da All Music Guide foi criar um banco de dados digital

Erlewine fundou o All Music Guide em 1990, lançando o primeiro livro do All Music Guide, um trambolho com 1.200 páginas, em 1991, acompanhado de um CD-ROM. Mas a verdadeira revolução do All Music Guide foi criar um banco de dados digital que pudesse ser acessado por qualquer um — e que incluísse todas as músicas do mundo. O projeto era insano e tecnicamente impossível, mas Erlewine e sua equipe de freelancers estavam empenhados. A primeira versão do banco de dados foi disponibilizada no Gopher, um precursor da World Wide Web que era basicamente um sistema de armazenamento de arquivos. Quando ficou claro que a internet era o future da computação, o projeto foi transferido para a World Wide Web.

O curioso é que o site nunca funcionou dentro do domínio music.com, apesar de Erlewine estar presente há tempo bastante para abocanhar um endereço importante como este. O nome do projeto, All Music, comunica o que a empresa sempre quis criar: um guia de toda a música existente. O Music.com é atualmente um site de compartilhamento de clips meio mal-feito. De acordo com o Quantcast, o domínio recebe míseras 19 mil visitas por mês (na verdade, ​poucos domínios vendidos por milhões pertenciam originalmente à grandes empresas).

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As raízes do AllMusic o tornam, por definição, diferente de outras publicações voltadas para a música, seja ela a Rolling Stone ou a Pitchfork. Nas palavras de ​Erlewine em uma excelente entrevista para a RockCritics.com: "Era nisso que estava pensando quando criei o All Music Guide: e se pudéssemos indicar as melhores gravações de cada artista, não importa o quão desconehcido ele for, e independente de estilo musical?" O objetivo do AllMusic era oferecer um serviço, não críticas profissionais; as resenhas são os meios que levam a um fim, e esse fim é ajudar os fãs de música a encontrar o que há de melhor por aí. Isso significa que suas resenhas não são compartilhadas como as da Pitchfork ou do A.V. Club; elas poderiam ser descritas como sem-graça ou sérias demais, já que postar resenhas poéticas e chamativas não é o objetivo principal do AllMusic.

O site sempre foi gratuito, e hoje possui poucos patrocinadores; de acordo com o Quantcast (que não é muito confiável, mas continua sendo a melhor opção), o site recebe entre 1,5 milhões e 2 milhões de visitas por mês, o que faz dele um site muito menor que a Pitchfork, por exemplo. O AllMusic sobrevive — e paga suas centenas de escritores — mantendo seu status como o banco de dados de música mais completo do mundo e ​vendendo seus dados para clientes como a Amazon, a Microsoft e a Apple (apesar da Apple também utilizar o Gracenote, um serviço parecido e anteriormente conhecido como CDDB).

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Atualmente, o AllMusic é o alicerce do reduto artístico da internet. Eu diria que quase todo crítico ou fã de música visita o AllMusic regularmente. Erlewine não está mais envolvido diretamente com o AllMusic; a empresa foi vendida algumas vezes desde o começo dos anos 2000.

Em 2013, a Rovi separou o AllMusic de todos seus sites associados, incluindo o All Movie Guide, que agora pertence à All Media Network. O primeiro presidente da All Media Network já trabalhou para a Rovi, e a empresa continua a vender os dados da AllMusic para vários sites e serviços. Na verdade, é a Rovi que mantêm o site funcionando, e os vários críticos do site, incluindo o sobrinho de Erlewine, são funcionários da empresa. A All Media Network coordena as publicações diárias, como entrevistas e posts do blog, e também toma conta do design do site.

O AllMusic nos informou que a média de visitas do seu site é de 9,5 milhões por mês, e que o endereço possui menos críticos do que no passado.

O sobrinho de Erlewine, Stephen Thomas Erlewine, é editor sênior e um dos principais críticos do site. Seguindo o espírito do projeto original, o AllMusic continua completamente gratuito, um depósito infindável de informações sobre música.

Tradução: Ananda Pieratti