Viagem

Um 'coiote' explica como as políticas de Trump estão ajudando seu negócio

Depois de pagar a polícia, oficiais de imigração e cartéis, e fornecer comida e um lugar para dormir ao clientes, "Daniel" diz que fica com cerca de 650 dólares por imigrante.
A Migrant-Smuggling “Coyote” Says Trump’s Policies have Been Great for Business
Pessoas chegando da Guatemala desembarcam de um bote na “Passagem do Coiote” em Ciudad Hidalgo, México, no dia 17 de junho de 2019. O México vem reforçando seu combate à imigração na fronteira no sul entre pressões dos EUA. (AP Photo/Rebecca Blackwell.)

La Mesilla, Guatemala – um grupo de cinco adultos e duas crianças estavam num carro indo para a fronteira mexicana quando as coisas começaram a dar errado. Eles estavam sob o cuidado de um coiote, para quem pagaram para garantir sua passagem para os EUA. Mas agora uma policial guatemalteca estava encarando o carro deles, ameaçando mandá-los pra prisão.

A policial exigiu 65 dólares por cada criança, ou ela os prenderia. “Podemos prender vocês por tráfico de pessoas”, ela alertou.

Publicidade

O coiote riu dela. “Se eu fizer uma ligação, você vai perder o emprego em questão de minutos. Então é melhor achar um jeito de deixar a gente passar”, ele disse à policial. Ela não acreditou nele, então ele fez a ligação – para o chefe da agência que investiga oficiais corruptos. Em minutos, o coiote e seus passageiros estavam de volta à estrada.

“Foi uma linda aventura”, relembrou Daniel, o coiote, recentemente para a VICE News.

Se arriscar é o negócio de Daniel, e os negócios agora estão indo muito bem, graças a uma onda de migrantes da América Central indo para o norte, mesmo com as políticas de imigração do presidente Trump, que Daniel disse ter colocado seus serviços em alta demanda.

Enquanto o México militariza sua fronteira no sul sob pressão cada vez maior de Trump, os coiotes já estão procurando novas rotas para os EUA. A fronteira de 869 quilômetros separando a Guatemala do México é remota e quase sem monitoramento, com grandes porções de selva e montanhas. A ofensiva do México significa que é cada vez mais difícil para imigrantes viajarem sozinhos ou em caravanas próprias, o que leva mais pessoas a procurar contrabandistas que podem pagar para oficiais de imigração e policiais para atravessar.

Enquanto isso, oficiais mexicanos clamam pequenas vitórias em sua luta contra os contrabandistas depois do início da ofensiva de imigração. O ministro das relações exteriores, Marcelo Ebrad, disse esta semana que oficiais resgataram quase 800 migrantes de caminhões. O chefe da agência mexicana de imigração – que antes supervisionava o sistema carcerário do país – também declarou o objetivo ambicioso de deportar 75.500 imigrantes por mês, mais de quatro vezes o número de deportados em maio. Em janeiro, o México deportou um total de 5.584 imigrantes.

Publicidade

Mas Daniel não parece preocupado. Ele espera que os negócios continuem como sempre.

“Contrabandistas sempre vão achar um jeito de atravessar as pessoas.”

“Não importa quanta segurança os governos acrescentem, os contrabandistas sempre vão achar um jeito de atravessar as pessoas”, ele disse com confiança, usando uma camiseta da Banana Republic e um boné com logo de snowboard.

Segundo Daniel, as políticas de Trump só fornecem um grande mercado para os coiotes: toda vez que ele ameaça fechar a fronteira e deportar migrantes, Daniel diz aos clientes em potencial para fazer o trajeto agora, antes que Trump cumpra essas ameaças.

Todo mês, ele contrabandeia pessoas da Guatemala para o México, tendo um papel pequeno mas fundamental na indústria multimilionária de transportar migrantes para a fronteira dos EUA.

Ele descreve uma rede internacional altamente desenvolvida e uma cadeia de subornos que gera renda para contrabandistas, as polícias corruptas do México e Guatemala, oficiais de imigração, cartéis e políticos.

“Aqui, a única pessoa que perde é o imigrante”, ele disse.

Riscos enormes

Apesar das garantias dadas pelos contrabandistas, os imigrantes encaram riscos enormes na jornada para os EUA. Se houver qualquer discordância entre contrabandistas, os cartéis podem sequestrar, estuprar ou escravizar os imigrantes. Quem não consegue pagar as taxas de extorsão dos cartéis – que são de milhares de dólares – muitas vezes é morto. Contrabandistas também têm um enorme poder, determinando quando e onde os migrantes se movem e dormem, e se sua dívida foi paga.

Daniel disse que tenta fazer uma operação tranquila: ele paga os cartéis com antecedência e tem contato com oficiais de alto escalão da polícia, para quem ele pode ligar se necessário.

Publicidade

Quinze dias antes, Daniel ajudou a transportar 45 imigrantes da Cidade da Guatemala para o México em três picapes, com um motorista indo na frente para avisar sobre os postos de controle no caminho. Ele tinha outro grupo para transportar em alguns dias, mas a viagem foi adiada depois que o México mobilizou a Guarda Nacional para sua fronteira no sul para impedir os migrantes de chegar aos EUA.

Ainda assim, exatamente por causa da ofensiva, ele antecipa mais viagens através das montanhas em picapes quatro por quatro para cruzar até o México. “Os militares não vão lá porque não querem sujar suas fardas”, ele disse.

Esta é uma época excelente para Daniel. Depois de pagar a polícia, oficiais de imigração, cartéis e fornecer alimento e lugar para dormir aos clientes, ele diz que fica com por volta de 650 dólares por imigrante.

O número de imigrantes da América Central chegando à fronteira dos EUA teve um pico ano passado, em grande parte pelo aumento exponencial de guatemaltecos chegando com os filhos. Desde outubro de 2018, mais de 500 mil menores desacompanhados e pais viajando com os filhos se entregaram a agentes da patrulha da fronteira americana. Guatemaltecos formavam 48% deles, um aumento dos 37% dos dois anos anteriores.

A deterioração das condições de vida na Guatemala é a principal razão por trás do pico, com mais famílias tendo dificuldade para colocar comida na mesa com as secas e a queda no preço dos grãos de café, enquanto a violência urbana obrigou muitos guatemaltecos a fugir. Mais de 50% dos guatemaltecos vivem na pobreza, e cerca de 23% vivem em extrema pobreza.

Publicidade

“Ficar três ou quatro dias no deserto, com um galão de água. Isso desanimava muitas pessoas.”

Mas segundo Daniel, tem outra razão para tantos guatemaltecos rumando para o norte: porque chegar até a fronteira americana nunca foi tão fácil e barato para pais viajando com os filhos. O passageiro mais novo que ele transportou tinha um mês de vida.

“Antes as pessoas tinham medo do deserto. Ficar três ou quatro dias no deserto, com um galão de água. Isso desanimava muitas pessoas. Algo podia dar errado, ser picado por uma cobra ou comido por animais no deserto.”

Mas agora, pais com filhos não precisam atravessar o deserto. Eles chegam à fronteira americana e se entregam para agentes da patrulha. Como as instalações de detenção estão superlotadas e muitas famílias estão chegando, a maioria é libertada em questão de dias e pode tentar seu caso de asilo enquanto mora e trabalha nos EUA.

“Diziam que Donald Trump não ia deixar os imigrantes passarem, e que ele ia deportar todo mundo, mas acontece o oposto”, ele diz, surpreso. “Donald Trump deu ao mundo todo a oportunidade de entrar nos EUA. É um mistério. Ninguém entende por que Donald Trump está deixando os imigrantes entrarem.”

Andrew Selee, presidente do Migration Policy Institute, uma think tank de Washington, D.C., disse que o processo de entrar nos EUA foi facilitado para a maioria das famílias migrantes no governo Trump.

“Muitas famílias estão sendo liberadas com documentos para comparecer a depoimentos, em vez de passar por entrevistas, então mal estão sendo mantidas na detenção”, ele disse.

Publicidade

Enquanto isso, a competição entre os contrabandistas parece ter derrubado o preço para pais viajando para a fronteira americana com os filhos, com a taxa atual sendo por volta de 4.500 dólares, quando era de cerca de 6 mil alguns anos atrás, ele disse.

A viagem que Daniel vende leva entre oito e dez dias. Na Guatemala, os imigrantes viajam em ônibus escolares ou caminhões. Quando chegam ao México, eles são transferidos para ônibus comerciais. Migrantes pagam extra para viajar de primeira classe, ele disse. Alguns contrabandistas oferecem preços menores, mas isso significa viajar na caçamba de caminhões, o que é mais perigoso e demora mais.

Carga lucrativa

Enquanto o preço para pais viajando com os filhos caiu, os contrabandistas estão cobrando mais para levar adultos solteiros para os EUA sem passar por detenção. A taxa agora é por volta de $10 mil, quando era de cerca de 7 mil dólares uma década atrás.

Grande parte do dinheiro acaba nas mãos da polícia, de agentes de imigração e dos cartéis.

Daniel disse que paga um suborno de 6,50 dólares por imigrante em cada posto de controle na Guatemala. No México, o preço fica entre 5 e 10 dólaers, dependendo do posto de controle. Não é muito, mas o dinheiro vai acumulando, ele disse, especialmente enquanto Guatemala e México acrescentam postos em reposta a exigências de Trump para impedir a onda de migrantes da América Central. Agora, para tentar evitar ter que pagar, Daniel deixa os migrantes saírem dos veículos e darem a volta nos postos de controle.

Publicidade

Mas problemas inesperados podem surgir. Como quando ele transportou uma mulher de Honduras de 140 quilos que não conseguia andar. Foi o primeiro passageiro dele com “esse volume de peso”, ele disse eufemisticamente.

Ele não teve escolha a não ser passar com ela em seu carro pelos postos de controle. A polícia não os parou. Eles estavam num Jeep Wrangler – “um carro que só narcotraficantes usam” – então a polícia não fez perguntas, ele disse, acrescentando que “os mesmos policiais às vezes fornecem segurança aos narcotraficantes”.

Além dos subornos para oficiais de imigração, ele disse que sua rede de contrabandistas paga aos cartéis mexicanos cerca de 20 dólares por imigrante para passar por seus territórios no sul do México. A taxa só garante que os cartéis não vão sequestrar os migrantes, mas às vezes os cartéis “limpam a rota” se há problemas. E não há como negociar com os cartéis. “Você paga ou paga”, ele disse.

Essa taxa pode ser baixa. Outros contrabandistas já relataram pagar mais de 500 dólares por imigrante para passar por territórios comandados por cartéis na fronteira do norte do México. Os cartéis estão ganhando milhões de dólares por mês no negócio de contrabando de pessoas.

Daniel tem sua própria história de migração. Em 2007, ele cruzou para os EUA ilegalmente e se mudou para o Alabama, onde um amigo tinha um negócio de limpeza doméstica. “Trabalho fácil”, ele disse, que pagava 15 dólares por hora. Ele se gabou de que em seus três anos nos EUA, a polícia nunca o parou.

Publicidade

Quando retornou a Guatemala, ele usou o dinheiro que economizou para comprar uma casa para sua família. Ele começou a transportar migrantes pela fronteira mexicana 15 anos atrás, acompanhado por um coiote. Quatro anos atrás, ele se tornou um contrabandista em pleno direito, ou “guia”, como ele prefere se chamar.

Como qualquer empresário, Daniel visa agradar. Ele quer que os migrantes fiquem felizes e o recomendem para a família e amigos. Daniel também responde a um chefe em Honduras – conhecido como “mayorista” ou atacadista. Ocasionalmente, o chefe acompanha Daniel nas viagens, o que é algo bom já que significa que ele e os migrantes comem melhor durante o trajeto.

Apesar de seus melhores esforços, às vezes as coisas dão errado. Três meses atrás, ele estava com migrantes num esconderijo no México quando a polícia apareceu. Alguém na comunidade tinha dado a dica a eles. Daniel disse que não teve como pagá-los. Todos os migrantes foram deportados.

Daniel sabe que as autoridades mexicanas enviaram sua recém-formada Guarda Nacional para a fronteira para evitar que migrantes passem. Mas ele diz que os centro-americanos vão continuar tentando chegar aos EUA. A única coisa que pode impedi-los, ele disse, é se o dólar perder valor. “Aí as pessoas podem dizer 'Se vou sofrer, melhor sofrer aqui que lá'”.

Matéria originalmente publicada na VICE News.

Siga a VICE Brasil no Facebook, Twitter, Instagram e YouTube.