O Bandido da Luz Vermelha

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Crime e Castigo no Brasil

O Bandido da Luz Vermelha

O jornalista Gonçalo Júnior fala sobre o criminoso dos anos 60 que não respeitava a mulher ou a propriedade privada de ninguém.
LF
ilustração por Luiza Formagin

A repórter Marie Declercq é fascinada por histórias de crimes bizarros. Começou com os romances de detetive, mas depois ela sacou que a realidade sempre vence a ficção no quesito crueldade. A cultura da violência do Brasil infelizmente é um terreno fértil, e aqui você vai conhecer os crimes mais bizarros e brutais da história do país.


“Eu tenho gosto por relatar marginais”, começa Gonçalo Júnior numa Starbucks perto da Avenida Paulista. Pudera, o jornalista nascido em Salvador e radicado em São Paulo há mais de 20 anos se dedicou a escrever obras sobre figuras fora da curva, malandros e inimigos públicos do país durante quase toda sua extensa carreira. Por um golpe de sorte, antes de começar a rascunhar a minha coluna, ouvi que ele estava escrevendo um livro sobre a história de João Acácio Pereira da Costa, conhecido pelo apelido de Bandido da Luz Vermelha.

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“Tem várias coisas que faço que são de São Paulo. O que anos que nasci foi o ano do Bandido, em 1967. Se trata de uma época muito nebulosa, onde a ditadura tentava impedir que a contracultura chegasse ao Brasil, a revolução sexual, o rock e a minissaia e o achei que o bandido poderia ser um personagem interessante para contar a história de uma São Paulo diferente.” O livro, batizado de FAMIGERADO! - A historia de Luz Vermelha, o bandido que aterrorizou São Paulo está previsto para ser lançado até junho deste ano e conta com um trabalho impecável de pesquisa e apuração de Gonçalo, que contou alguns detalhes com exclusividade para a VICE.

Para quem não conhece a história de Acácio, vale uma apresentação. Durante os anos de 1966 e 1967, João Acácio invadiu e roubou cerca de 150 mansões da elite paulistana, estuprou mais de cem mulheres e matou entre 10 e 12 pessoas. A audácia de João era tamanha que conseguiu desmoralizar toda a polícia de São Paulo, inclusive o próprio Secretário de Segurança Pública da época, o Coronel Chaves. Sua figura violenta e com toques de subversão ficou eternizada em O Bandido da Luz Vermelha, filme dirigido por Rogério Sganzerla.

Difícil é classificar João Acácio nas caixinhas de criminosos notórios. Ele ficou conhecido por ser um grande assaltante, mas estuprava por opção e matava por vingança. Talvez seja um tipo de figura que seja impossível de descrever, assim como o Brasil. Sua destreza, inteligência e a capacidade de fazer coisas imprevisíveis para se safar do xilindró, o tornou uma figura mitológica- uma pecha que o acompanhou durante toda sua trajetória, da sua prisão em 1967, na sua liberdade em 1997 e sua morte em 1998.

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“Uma das 10 vítimas que pude entrevistar me disse, em 2013, que depois do Bandido da Luz Vermelha São Paulo perdeu todo o glamour e sua inocência”, conta Gonçalo. Na época, as mansões tinham portões baixos a fim de ostentar a riqueza para a população. Também era uma época de uma cidade agitada, do começo da Boca do Lixo. Foi assim que João Acácio influenciou os muros e as cercas altas que escondem casas suntuosas e qualquer indício de riqueza.

João Acácio nasceu em Joinville em 1942. Assim como todos os personagens que aparecerem ao longo da coluna, teve uma vida sofrida ao ficar órfão muito cedo. Perdeu primeiro sua mãe, que foi embora de casa com as duas irmãs, deixando ele e o irmão mais velho, Joaquim, com o pai que faleceu de tuberculose quando João tinha apenas seis anos. Depois, foi morar com o tio, irmão do falecido pai, que não queria o fardo dos sobrinhos e temia que os meninos carregassem a doença do pai. João e Joaquim foram colocados pra fora de casa pelo tio algumas vezes.

Por volta de oito ou nove anos, João saiu definitivamente de casa. Foi praticando furtos e pequenos golpes em Joinville para sobreviver até os 22 anos, quando chegou a São Paulo em 5 de novembro de 1964. Em Joinville, segundo Gonçalo, deixou um rastro de seis mortes. Três meninos de rua e três policiais. “Dois policiais foram mortos por ameaçar uma namoradinha que ele tinha, e o terceiro por ter dedurado João pra polícia”, diz o jornalista.

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Nas primeiras horas na capital paulistana, teve o primeiro golpe de realidade. Deixou seus pertences pessoais em uma banca de jornal para procurar emprego num bar próximo – nos momentos em que tentou sair do crime trabalhou de cozinheiro e tintureiro -, mas quando voltou à banca perdeu tudo. Seus documentos, pertencentes pessoais e uma grana que havia guardado para viajar.

João Acácio, sem grana e perdido em São Paulo, não demorou para se envolver com Nelsinho, um garçom. Nelsinho, segundo Gonçalo, fazia de tudo para sustentar João e era alvo de abusos do temperamento violento do namorado. Nesse meio tempo, o bandido se instalou na Praça da Sé onde montou uma banquinha para vender os objetos que furtava, em sua maioria radinhos de pilha e correntinhas de ouro que arrancava de transeuntes desavisados que circulavam no coração da capital.

Já desenrolado na malandragem, no final de 1965 Acácio conheceu um contato num restaurante na Avenida Brigadeiro Luis Antônio. “Ele conta que o cara olhou pra ele, ele olhou para o cara que logo disse ‘eu sou ladrão e você é ladrão, vamos conversar’”, relata Gonçalo.

O homem do restaurante apresentou um esquema de desmanche de carros. Era simples. João viajaria até o Rio de Janeiro de ônibus, roubaria um carro na cidade e voltaria para São Paulo onde o automóvel seria desmontado e ele pegaria uma parte da grana. “Ele chegou a fazer três viagens por dia”.

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Com o dinheiro dos roubos, João começou a engordar a carteira e ostentar. Comparava roupas de cores extravagantes, perucas e até comprou uma guitarra que levava pra cima e pra baixo nas costas como se fosse um verdadeiro roqueiro. Inclusive, nas suas noitadas pela Boca do Lixo e pelo Largo Júlio Mesquita inventava que tocava em uma boate da Rua Augusta.

O esquema dos carros, no entanto, não durou muito tempo. Em fevereiro de 1966, a quadrilha foi desmontada pela polícia enquanto João ainda estava no Rio de Janeiro. A solução para o moleque gastador foi vender o carro roubado e cair na gandaia paulistana. Nessa época, entre idas e vindas, João já não estava mais com Nelsinho e se instalou no Hotel São Carlos, esquina na Alameda Dino Bueno e da Rua Helvetia. Depois que a grana acabou, o bandido se viu largado à própria sorte.

O roubo de casas começou quando Acácio ofereceu seu relógio de pulso para um homem que comia em uma lanchonete em troca de um prato de comida e um refrigerante. Um cara ao lado, com tato para reconhecer a pinta de ladrão puxou conversa com João e contou da facilidade de assaltar casas de luxo. No dia 6 de março, Acácio assaltou a primeira mansão, localizada no bairro Jardins.

Só que deu ruim.

Relatos indicam que o cara que montou o esquema tentou enrolar o bandido. Enquanto João fazia o trabalho braçal de invadir a mansão sem ser pego e roubar os objetos para repassar para o seu contato, este teria repassado um valor muito baixo nas vendas. “João Acácio acabou dando uns socos no homem, mas a partir daí começa sua carreira roubando casas”, explica Gonçalo.

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Embora Acácio seja conhecido pelos roubos em casas, essa modalidade criminosa parece ter sido breve em sua longa carreira de golpes e crimes. A fase durou do dia 6 de março de 1966 até o dia 5 de agosto de 1967. No entanto, foi de longe a mais lucrativa.

Sacando que tinha achado uma mina de ouro escondida por trás de muros baixos e janelas frágeis, Acácio passou por três fases como um destemido assaltante de casa. Primeiro foi chamado de “Homem Macaco” pela imprensa, porque utilizada um macaco para destravar os vitrôs da janelas e entrar sem emitir ruídos. Nessa época, Acácio não acordava ninguém da casa e se limitava a roubar televisores (“que custavam o preço de um carro na época”, explica Júnior) e alguns objetos de valor. “A fase dele não acordar ninguém durou quase o ano de 1966 inteiro”, diz. Tanto que João, esperto, invadia as casas entre às 23 horas e às 2 da manhã, horário que julgava ser o melhor por conta do sono profundo dos proprietários.

Para lucrar mais ainda com os roubos, viu que seria inevitável a opção de acordar os donos da casa. Para isso, começou a tacar fogo em pilhas de livros ou no carpete para tirar os donos da casa do quarto. Assim ganhou o nome de “Bandido Incendiário”. Rapidamente, seus roubos passaram a acordar os proprietários e João, assim, chegava próximo às joias da casa, normalmente guardadas nos quartos. Foi então apelidado de “Bandido Mascarado”.

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O apelido que lhe trouxe a fama nacional veio de uma lanterna que João Acácio comprou na extinta loja Mappin, localizada em frente ao Theatro Municipal em São Paulo. Por incrível que pareça, a lâmpada não era vermelha, mas sim o aro da lanterna que acabava se destacando no escuro da noite. Num dos roubos que fez em maio de 1967, o detalhe da lanterna acabou chamando atenção, e assim nasceu o Bandido da Luz Vermelha.

Já havia outro Bandido da Luz Vermelha, morto antes de João Acácio sequer sonhar em assaltar mansões. Caryl Chessman, norte-americano de Michigan foi um ladrão, estuprador e raptor condenado à pena de morte por uma série de crimes em Los Angeles no ano de 1948. Muitos jornais da época afirmaram que o bandido brasileiro se inspirava em Chessman por conta da bendita lanterna vermelha, mas a verdade é que o apelido veio de um repórter do Correio Paulistano que ligou os pontos. “João Acácio não fazia a menor ideia do bandido norte-americano que tinha o mesmo nome”, reitera Gonçalo.

Durante a época de assaltos, João Acácio ficava em dois lugares. Seu quarto no hotel São Carlos nos Campos Elíseos e um apartamento em Santos onde vivia definitivamente. Para vender os itens roubados, ele contava com Valter Caboré, um boxeador que mantinha um caso amoroso com João e responsável por montar toda uma infraestrutura para vender os objetos roubados das mansões no centro da cidade.

Em 1967, João estava a mil por hora. Chegou a roubar 20 mansões num mês só. Pegava roupas, violão discos, joias e tudo que era valioso para repassar para Caboré. “Toda casa invadida ele pegava discos, televisão e violão, mas o foco dele eram as joias. Por isso que ele acordava as pessoas. Estima-se que João Acácio tenha roubado joias suficientes para comprar 350 carros zero quilômetro, na época. Cerca 2,9 milhões de reais”, calcula Gonçalo.

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Além da destreza de Acácio, havia um taxista que o buscava em Santos ou nas suas noitadas e o levava para o alvo escolhido. Não era raro João começar a farrear às 18 horas nas boates do centro paulistano e depois, na madrugada, praticar o próximo assalto. Ele gostava de pagar bebidas e de tomar whiskey, mas não chegava bêbado nas casas. “Nenhuma vítima no processo chegou a sentir bafo de álcool vindo de João”, explica o jornalista.

É fácil simpatizar com a figura do Bandido da Luz Vermelha se você conhece sua história por cima ou apenas se limitou a ver o filme de Sganzerla. João tirava dinheiro dos ricos, que destinava ao seu estilo de vida extravagante em São Paulo. Ele usava as roupas coloridas, muitas vezes um acessório ou outro feminino que tirava das mansões adornando o figurino e também gostava de bajular as garotas de programa das boates. Porém, se algo colocava seu orgulho, seu ego ou sua liberdade em risco, Acácio não media esforços para evitar isso. Mesmo se precisasse matar.

Além dos seis corpos que Acácio deixou para trás em Joinville, o bandido também matou em São Paulo, muitas vezes por motivos fúteis. Em 6 de outubro de 1966, atirou na cabeça do estudante de Direito Walter Bedran quando foi surpreendido pelo jovem ao arrombar a garagem da sua casa em Perdizes. Walter o recebeu com a espingarda do pai, mas se distraiu quando a mãe entrou em cena. Foi morto na hora.

Nove dias depois foi a vez do operário José Enéas da Costa, de 23 anos, morador da Bela Vista. João Acácio estava sentando em uma lanchonete após entregar os objetos do último roubo para Caboré desfrutando seu pingado e pão na chapa quando avistou o operário no ponto de ônibus. O motivo? Alguns dias antes, João dormia na Praça de Sé e seu radinho de pilha fora furtado por um moleque. Ele acordou no ato, pronto para agredir o menino quando José Enéas interviu, saiu na porrada com João e ganhou.

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Ao ver o homem que o venceu no soco, o sangue de João subiu. Atravessou a rua e foi direto atacar o operário com o seu revólver. Deu seis tiros nele após uma luta corporal, mas José Enéas não caiu no chão. Vendo a resistência do homem, Acácio deu coronhadas com a arma na cabeça do homem até afundar completamente o crânio da vítima. Eram seis e meia da manhã quando José foi morto. “Foi um ato de sadismo puro de João Acácio”, conta Gonçalo.

Acácio também tirou a vida do industrial Jean von Christian Szaraspatack, em 7 de junho de 1967, na residência no Jardim América após uma troca de tiros. E depois, em 6 de julho, foi a vez do vigia noturno José Fortunato que tentou impedir que Acácio entrasse numa mansão do Ipiranga.

Não eram só os homens que corriam riscos ao cruzar o caminho do implacável bandido. Durante os assaltos, em um espaço de pouco mais de um ano, ele estuprou mais de 100 mulheres das casas que invadia. “Os processos correram em segredo de Justiça porque ele distorceu a história na hora de falar das moças que atacou,” explica Gonçalo. “Ele tinha uma visão totalmente distorcida, dizendo que prendia os homens no banheiro e fazia “fuque fuque” com as moças que ele afirmava terem se apaixonado por ele. Tudo mentira”, explica.

João de fato bajulava as garotas de programa, mas só conseguia manter relações sexuais com o sexo feminino se fosse à força. Sua sexualidade mal resolvida que, justiça seja feita, era algo impensável de se discutir nos anos 1960, também rendia relacionamentos abusivos com homens – como foi o caso do garçom Nelsinho.

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O começo do fim para o Bandido da Luz Vermelha chegou quando ele atirou em uma jovem grã-fina de 20 anos enquanto tentava estuprá-la. Ingrid Assad, membro de uma das famílias mais ricas da cidade na época, se defendeu das investidas violentas de João batendo com um cinzeiro de vidro pesado na sua cabeça. Em resposta, o bandido atirou na virilha da moça. Porém, o tiro ricocheteou e acertou novamente na moça.

A petulância de João Acácio em assaltar a mansão de um homem influente, rico e amigo da polícia e, ainda por cima, tentar violentar uma pessoa da família foi a gota d'água. Era então uma questão de honra das autoridades a caçada ao homem. A polícia estava desmoralizada e o Coronel Chaves, secretário de Segurança Pública, puto da vida. Ninguém sequer tinha ideia da identidade do bandido e as casas continuavam sendo invadidas, assaltadas e as mulheres violadas. A cereja do bolo era a imprensa caindo de pau em cima das autoridades. Um marginal virou lenda viva em São Paulo e ninguém podia fazer nada.

Só que João Acácio estava começando a vacilar nos últimos assaltos em 1967. Numa série de descuidos, deixou suas digitais nas janelas de uma casa que invadiu. O bandido estava registrado no sistema paulistano por conta de uma prisão em 1966. Um policial, encasquetando com a ostentação e a pinta de malandro de João Acácio, o prendeu por vadiagem. Só que João Acácio não tinha seus documentos pessoais desde que foi furtado quando chegou em São Paulo e se apresentou com o nome falso de Roberto da Silva. Foi fichado com este nome e suas digitais tiradas.

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Essa passagem por vadiagem ajudou a polícia a finalmente identificar o responsável pelos roubos nas casas. Inclusive, Gonçalo conta que foi uma mulher que identificou o Bandido da Luz Vermelha. “Quem descobriu foi uma perita, mas o machismo era tão grande que elas não podiam ir nas cenas do crime. Quem se apropriou da descoberta foram os chefes”, diz.

O último roubo do Bandido aconteceu em 5 de agosto de 1967 em uma casa na Alameda Lorena. A essa altura, a polícia já sabia da sua cara e tinha suas digitais. Era uma questão de tempo para captura-lo. Sentindo que ia dar ruim, Caboré aconselhou João a sair da cidade o mais rápido possível. “Ela o aconselhava, na verdade, a sumir do mapa”, diz Gonçalo.

Com uma pequena fortuna nos bolsos e uma mala com joias roubadas, João Acácio comprou uma passagem só de ida para Curitiba. O ônibus estava marcado para sair às 22 horas na rodoviária, que na época ficava na Barão de Limeira, no centro da cidade. A passagem foi comprada de manhã e João guardou suas coisas no armário da rodoviária, passou o dia vendo filmes e jantou com uma moça desconhecida no seu restaurante favorito, o Filé do Moraes, a pouco mais de 100 metros do prédio da SSP onde cerca de 300 policiais se reuniam para discutir a força-tarefa para prendê-lo. Depois foi para Curitiba, onde chegou no domingo.

Na capital paranaense, foi acolhido por um estudante curitibano que também teria mantido um caso com o bandido. O plano de João era vender as joias roubadas e ficar o mais distante da polícia possível. Na segunda-feira, porém, seu rosto estava estampado em todos os jornais brasileiros.

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O Bandido foi preso pela polícia do Paraná no dia 7 de agosto de 1967. O pai do estudante, um vendedor de bilhetes de loteria, reconheceu o rosto de João Acácio nos jornais e ligou imediatamente para a polícia pedindo pelo prêmio polpudo prometido pela polícia de São Paulo para quem revelasse o paradeiro do bandido. A polícia preparou uma emboscada na casa do bilheteiro e finalmente prendeu João Acácio, que resistiu, brigou e esperneou para não ser levado.

Imediatamente, João foi levado em um Buick 1952 de volta a São Paulo. Os policiais dirigiram a noite inteira para que no dia seguinte o bandido fosse apresentando para a imprensa e para o secretário de segurança pública. Era o fim do reinado de malandragem e violência do bandido da Luz Vermelha.

João passou de 1967 a 1975 entrando e saindo de audiências para ser julgado pelos crimes. Dos mais de 150 roubos, estupros e algumas mortes, as penas somaram 351 anos de prisão em regime fechado. Todas as teses de que João era um homem louco e por isso deveria ser internado num hospício foram rejeitadas pela Justiça. Vários casos e assassinatos foram confessados nos autos pelo bandido, mas a polícia não conseguiu reunir provas para abrir novos processos.

Ainda que a condenação de João Acácio fosse mais que suficiente para manter o bandido preso até o final da vida, a lei brasileira não permite que uma pessoa fique mais de 30 anos encarcerada. Então, em 1997, João Acácio foi posto em liberdade.

Uma liminar proferida pelo desembargador Amador da Cunha Bueno Neto tentou evitar que o bandido voltasse às ruas, mas foi derrubada em 26 de agosto de 1997 pelo mesmo desembargador após avaliar alguns laudos médicos que atestavam que João estava apto para voltar às ruas.

Com uma grande cobertura da imprensa, Acácio saiu da prisão no mesmo ano como uma celebridade. Chegou a distribuir autógrafos (quando os fãs pediam para João sua assinatura, este escrevia “autógrafo"), ganhar roupas e passear por São Paulo. Depois, voou para Curitiba para a casa do irmão mais velho, Joaquim Tavares Pereira, mas não durou muito tempo após algumas desavenças.

Foi acolhido depois pelo mesmo tio que o abandonou na infância, José Pereira da Costa, em Joinville. Mas João Acácio estava longe de ser um homem são e estável para morar com a família que ficou décadas sem contato e acabou brigando novamente com o tio.

Vivendo como uma celebridade local em Joinville, acabou sendo “contratado” em um bar do pescador Nelson Pinzegher, onde era uma espécie de atração de circo. João foi morar na casa do pescador e logo começou a se desentender com o mesmo porque, supostamente, teria atacado sexualmente a mãe e a filha de Nelson. Numa briga de bar violenta, o pescador deu um tiro de espingarda no peito de João em 5 de janeiro de 1998. A liberdade de João durou menos de cinco meses e terminou de forma violenta, da mesma forma que o bandido viveu toda sua vida.

Hoje, 20 anos após sua morte, João Acácio permanece uma lenda de São Paulo e uma espécie de figura subversiva do Brasil por conta do filme de Rogério Sganzerla feito em 1968 inspirado nas notícias sensacionalistas publicadas no Notícias Populares. O filme, vale dizer, é odiado pelas vítimas. “Elas acham que o filme trouxe glamour para João Acácio”, conta Gonçalo. O Bandido da Luz Vermelha está longe de ser um Robin Hood ou um garanhão por quem as mulheres se apaixonavam, mas ficou gravado nos anais do crime brasileiro pela complexidade e malandragem que só o Brasil consegue gerar.

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