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reportagem

Um saldo do assédio contra as mulheres no Carnaval 2017

O número de denúncias no país cresceu 88% neste ano. Mulheres em SP falam sobre a violência na folia de rua da cidade.

No topo, bateria do Bloco Pagu em São Paulo. Foto: Vanessa Gomes

Com um laço vermelho no braço e uma plaquinha com a hashtag #MinasdeVermelho, a madrinha no bloco Pagu, a Mc Preta Rara, seguia o bloco, nas ruas do Centro de São Paulo, passando mensagens feministas e cantando músicas de divas da música brasileira. As mulheres da bateria do bloco também estavam com o laço vermelho no braço, aderindo ao movimento idealizado por cinco amigas — Ana Luiza Geraldini, Ana Luísa Souto, Nina Spieth, Luiza Navarro e Anahi Cubas — residentes de Campinas, cidade da Grande São Paulo.

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Ana Luísa Souto me contou que o movimento surgiu por conta do Carnaval de rua que frequentavam e que, infelizmente, elas e muitas outras mulheres já haviam passado por situações de assédio. "Durante uma conversa, nos pegamos pensando em como nunca tínhamos visto uma campanha mais efetiva e atuante entre as mulheres durante o Carnaval".

Mc Preta-Rara no Bloco Pagu, em São Paulo. Foto: Vanessa Gomes/VICE

Surgido em janeiro, o #MinasdeVermelho, graças as redes sociais, conseguiu alcançar outros movimentos e regiões, por isso também o laço vermelho no braço pôde ser visto em blocos na capital. Luísa também me disse sobre a emoção em ver que a campanha teve grande alcance, ainda que o assédio continue acontecendo em festas de rua, como o Carnaval. "É triste saber que tantos acontecimentos se repetem e muitas mulheres não obtém informações. Mas vamos aos poucos trabalhando".

Outros alertas também foram lançados em capitais, como em Recife, onde surgiu o movimento #aconteceunocarnaval, uma campanha para incentivar as mulheres a ligar no 180 e denunciar o assédio. A página Carnaval do Recife lançou vários cartazes explicativos para disseminar a ideia do que é assédio, com frases do tipo "O corpo é dela, gato. Só toque com permissão".

O governo de Brasília e São Paulo também aderiram à campanha #CarnavalSemAssédio lançada na internet. A prefeitura paulistana, por sua vez, acabou utilizando um cartaz que dizia: "Já acabou Jéssica!", frase retirada de um vídeo em que duas jovens menores de idade aparecem brigando. A campanha oficial da prefeitura de SP causou revolta de parte da audiência que questionava a propaganda ao dizer que ela não protegia a mulher de possíveis assédios durante a folia.

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Questionada, a prefeitura paulistana se limitou a dizer que o cartaz era sobre "brigas no Carnaval". Durante todo o mês de fevereiro, no entanto, o governo municipal não realizou nenhuma campanha que relembrasse a existência do Ligue 180, canal destinado a denúncias contra assédios e agressões às mulheres.

O Ligue 180, recebeu 2.132 ligações de todo o país entre os dias 25 e 28 de fevereiro. Mais da metade das denúncias (1.136 ou 53,4%) foram relativos à violência física.

Dados liberados na última sexta (3), pela Secretaria de Políticas para Mulheres da Presidência da República (SPM- PR), revela que os casos de violência sexual registrados no país aumentaram 88% no Carnaval de 2017 se comparado ao mesmo período do ano anterior. O Ligue 180, recebeu 2.132 ligações de todo o país entre os dias 25 e 28 de fevereiro. Mais da metade das denúncias (1.136 ou 53,4%) foram relativos à violência física, outros 671 casos (31,4%) se referem à violência psicológica.

Dados gerais do Central de Atendimento à Mulher, dão conta que, em 2016, mais de 1 milhão de mulheres recorreram ao 180 no país. O número foi 51% superior ao registrado no ano de 2015, quando 749.024 mulheres foram atendidas pela central.

Imagem: reprodução

Os números, porém, representam uma parcela dos casos — já que muitas mulheres sequer chegam a oficializar os casos de violência. O caso da jovem Carolina Froes, de 22 anos, por exemplo, foi amplamente noticiado depois que ela relatou em sua página do Facebook a violência que sofreu no bloco Casa Comigo, no sábado (18), durante o pré-Carnaval paulistano. Ela e as amigas acompanhavam o bloco quando um homem veio atrás de Carolina e desamarrou seu biquíni. "As pessoas abriram a roda pra confusão, ao invés de ajudar. Eu gritava muito, falando que ele tinha tirado minha roupa, pedindo pra chamarem a polícia e segurarem ele. Fiquei algum tempo reagindo e gritando, até que ele me agarrou pelo pescoço e me jogou no chão", conta a vítima.

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Carolina, que chegou a fazer o boletim de ocorrência e exame de corpo de delito, diz que o processo inteiro parece feito para as mulheres desistirem de realizar a denúncia. Ela conta que foram, ao todo, cinco dias para conseguir a representação. "Eu pensei muito desde o começo em quantas mulheres deixam de denunciar por falta de condições; em quantas mulheres são impedidas ou desistem no meio do processo".

Maiana Alves, de 24 anos, conversou comigo durante um bloco em São Paulo, falando que havia passado por uma situação de assédio e agressão. Enquanto procurava os amigos que haviam se perdido no bloco Love Fest, próximo ao Shopping Light, na região central da capital, ela relata que um homem chegou pelas suas costas e passou a mão em seu seio. "Eu virei pra brigar com ele, ai ele me segurou pelo braço e não queria soltar, estava alcoolizado, eu o xinguei e comecei a gritar pra ele me soltar, bati nele e sai andando", contou ela. "Ninguém que estava no bloco fez nada, ficaram todos apenas olhando."

NAS RUAS

Vitória e Dayani procuraram um bloco predominantemente feminino. Foto: Vanessa Gomes/VICE

Em São Paulo, muitas mulheres escolheram curtir o Carnaval em blocos organizados por próprias mulheres. Vitória Moreira, de 21 anos, que estava no bloco Pagu, no último dia de Carnaval (28), conta que procurou o bloco por conta da temática feminista. "Aqui a gente se sente bem e não tem esse problema de assédio". Sua amiga, Daniela Ramos, 20 anos, fala que em 2016 presenciou diversas situações de abuso a mulheres e também acabou sendo vítima: "eu me sinto mais segura em lugares que tenham mais mulheres, por isso escolhi esse bloco."

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O grupo de amigas Daiany, 23, Letícia Pestana, 26, e Choquer, de 36 anos, me contou que em outros dois blocos que foram, sentiram que não foram assediadas porque estavam acompanhadas de homens. Choquer diz que os blocos da Vila Madalena, por experiências anteriores, parecem os piores no quesito assédio. "Hoje, segunda de Carnaval (27), a gente tá aqui no Bloco 77 de boa, na Vila Madalena, um bloco alternativo, exceção no lugar, mas a gente tem certeza que no caminho até o metrô vamos sofrer algum tipo de assédio,  assim como aconteceu quando estávamos vindo."

Garotas no bloco Desculpa Qualquer Coisa. Foto: Vanessa Gomes/VICE

Foi justamente no Bloco 77, que toca sons punks em versão carnavalesca, que no sábado de  Carnaval (25), rolou a expulsão de um homem que assediava mulheres no bloco. Embalado pelos gritos dos foliões de "machistas não passarão!", o homem foi convidado a se retirar. Letícia, uma das organizadoras, contou que não presenciou a hora, mas duas mulheres do bloco foram agarradas pelo sujeito, que antes disso, fazia poses simulando o ato sexual durante o cortejo, atrapalhando até a passagem do carro de som. "Nossa equipe de apoio tentou tirar o cara, mas como ele não queria, rolou a mobilização das pessoas ao redor e dos puxadores do bloco, que pediram para a bateria parar e convidaram-no a se retirar", relatou "Não rolou nenhuma forma de violência por parte do bloco e dos foliões e o assediador foi levado até um local mais afastado do percurso."

Mulheres que organizam o Desculpa Qualquer Coisa apontam que no Carnaval de rua paulistano de 2017 parece ter tido algum avanço em relação à conscientização do assédio. "Neste ano, pudemos sentir alguns pequenos passos de evolução. Não ouvimos histórias de assédio no nosso bloco, nem no de amigos próximos. Mas sabemos que tudo continua acontecendo em outros cenários, que não fazem tanto contato com a nossa bolha."

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