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Os Sem-Teto de Las Vegas Vivem em Túneis Assustadores

Nos anos 90, Las Vegas começou a construção de túneis de drenagem de chuva para proteger o destino turístico de enchentes relâmpago. O plano era construir mais de 1.600 quilômetros de túneis em 20 ou 25 anos. Hoje, os túneis abrigam os sem-teto da...

Fotos por Harmon Leon. 

Nos anos 1990, Las Vegas começou a construção de túneis de drenagem de chuva para proteger o destino turístico de enchentes relâmpago. O plano era construir mais de 1.600 quilômetros de túneis em 20 ou 25 anos. Hoje, os túneis abrigam os sem-teto da cidade.

Os túneis cheios de escorpiões ganharam notoriedade em 2002, quando Timmy “TJ” Weber usou eles para fugir da polícia depois de assassinar a namorada. Mas os sem-teto não são assassinos, muito menos um tipo de toupeira radioativa: são cidadãos norte-americanos comuns que se perderam na vida. Las Vegas oferece pouca ajuda, então eles buscam abrigo nos túneis. A polícia costuma ignorar os sem-teto e, ano passado, o Sacramento Bee informou que nos últimos cinco anos, o Hospital Psiquiátrico Rawson Neal vinha embarcando pacientes sem-teto em ônibus estaduais, mandando mais de 1.500 pessoas para locais glamourosos como a cracolândia de Los Angeles.

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Como quis saber mais sobre o problema, viajei para Vegas no final de 2012 para conhecer as pessoas dos túneis com Matthew O'Brien, da Shine A Light Foundation, um programa comunitário que trabalha com o HELP do Sul de Nevada na assistência aos sem-teto.

No meio da noite, O'Brien me levou até o notório vácuo sombrio cheio de escorpiões, riscos para a saúde e vícios. Os túneis são claustrofóbicos e cheios de pichações perturbadoras. A luz da minha lanterna não conseguia iluminar o fim do longo labirinto. Na entrada do túnel, debaixo de uma lona, encontramos John, um homem de meia-idade de Orlando.

“Um dia, fui para casa e disse à minha esposa e filhos: 'É tudo de vocês. Adeus! Vou levar essa mala, estou indo para Vegas!'”, disse John. Ele se mudou para Vegas por que a cidade era um destino famoso, mas logo percebeu que o lugar estava longe de ser as férias permanentes que ele imaginava. Durante o primeiro ano, ele trabalhou nas docas de Mandalay Bay, mas em 2012 ele só conseguia emprego ocasionalmente. “Estou vivendo um dia de cada vez.”

A realidade da vida nos túneis torna difícil viver “um dia de cada vez”. Às vezes, os túneis inundam, arrastando John e seus poucos pertences na enxurrada. John chamava isso de “dar a descarga”, e disse que a água às vezes passava por cima de sua cabeça. “Quando você acha que vai chover, coloque suas coisas no final do túnel e fique pronto para se mandar.”

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Do outro lado da cidade, em outro túnel, o casal Cindy e Rick vivia num espaço úmido que fedia a esgoto. Quando eu os visitei, em 2012, Cindy e Rick estavam lutando contra o vício e morando nos túneis há mais de um ano.

Eles tratavam seu túnel como um lar. “Estou só limpando o lugar”, disse Cindy. “Essas duas cadeiras vieram da última inundação e sobreviveram à enxurrada.” Rick construiu uma área para cozinhar equipada com um fogareiro de acampamento e Cindy decorou o lugar com murais do Insane Clown Posse. “Quando o Rick estava preso, escrevi 'sinto sua falta' na parede”, ela disse.

Eles se mudaram para o túnel depois que a mãe de Rick, com quem eles estavam vivendo, morreu. “A mãe dele morreu de câncer, ela vivia num complexo para idosos”, disse Cindy. “Ficou por nossa conta cuidar dela no final. Éramos sem-teto e aquele era um complexo para idosos, então tivemos que sair.”

No outono passado, Cindy e Rick foram ao programa Dr. Phil, em que as filhas afastadas de Linda a confrontaram sobre sua situação de vida. Ela disse que se sentia culpada pela morte do irmão e do pai, e que por isso começou a se automedicar. O localizador de pessoas profissional Troy Dunn disse a Cindy: “Estive em seu túnel e fiquei impressionado em ver como esses estranhos – esses viciados – apareciam na sua casa e dormiam na sua cama, comiam sua comida. Você parecia ter tão pouco, e ainda assim estava disposta a ajudar esses estranhos. E você me disse: 'Como posso não ajudar aqueles que precisam?'”. No final do episódio, o Dr. Phil ofereceu mandar Cindy e Rick para um centro de reabilitação. Eles aceitaram.

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Mas poucas das pessoas que vivem nos túneis têm a oportunidade de receber uma chance de se reerguer via programas de televisão. Em vez disso, eles continuam presos debaixo das luzes brilhantes, debaixo das grandes despedidas de solteiro na Strip. Os sem-teto são uma realidade que os turistas não querem ver.

O'Brien ajuda essas pessoas a se conectar ao HELP. “[O HELP] lida com o que eles chamam de 'o pior do pior'.” A organização coloca os moradores dos túneis numa casa comunal, examina a saúde deles, os problemas com drogas e fornece aconselhamento. Se os residentes mostram progresso, eles conseguem seu próprio apartamento. Infelizmente, nem todos se qualificam para receber ajuda do HELP, já que a organização só aceita os sem-teto crônicos.

Mas o HELP já mudou a vida de muitos moradores dos túneis. Quando conheci Mike, ele trabalhava numa loja de armas. Se eu não soubesse que ele tinha vivido nos túneis, eu nunca diria que ele teve uma vida como a de Rick e Cindy. Depois de trabalhar no exército e como policial em Washington, ele se divorciou e perdeu o emprego. “Eu ia ser despejado do meu apartamento, então peguei o que podia, coloquei no meu carro e dirigi para Vegas”, ele disse. “Parecia um plano com muitas oportunidades.”

Mike morava em seu carro, que quebrou no estacionamento do MGM apenas algumas semanas depois de sua chegada. Ele tentou fazer apostas em esportes, mas os cassinos sempre ganhavam. Depois que o MGM o expulsou da propriedade, ele, mais uma vez, pegou o que podia e passou os seis anos seguintes morando nas ruas – até descobrir os túneis. “Eu estava acampando perto dos trilhos do trem e da abertura de um dos túneis”, ele disse. “Fiquei por ali alguns dias e vi algumas pessoas saindo de lá, todas bem-vestidas.”

Mike começou a viver nos túneis e a se prostituir. Ele gastava tudo o que conseguia em metanfetamina. Uma vez, ele achou um tíquete de aposta de US$1.600 no chão de um cassino, retirou o prêmio, voltou para os túneis e gastou tudo em drogas. Ele nunca considerou usar o dinheiro para arranjar um lugar decente para morar.

Entrar para o programa HELP ajudou a salvar o Mike. Depois que o HELP fez sua avaliação, ele foi morar num duplex com mais seis pessoas. Quando terminou seu aconselhamento, ele começou a procurar um emprego. Muitos empregadores o rejeitaram – provavelmente porque ele ficou oito anos sem trabalhar – então, ele vendia plasma para ganhar um dinheiro extra. Um dia, Mike conferiu os classificados de emprego e viu que a loja de armas estava contratando. “Quando se candidatou, ele foi totalmente honesto e eles o contrataram na hora. Muitos empregadores não são assim tão abertos”, disse a noiva de Mike.

Apesar de Mike ter se tornado um empregado modelo, a maioria de seus colegas ainda precisa lidar com o vício, prisões e problemas mentais. Mike acredita que foi sua força que o fez sobreviver nas ruas e nos túneis de Las Vegas. “Você precisa de perseverança quando vive nas ruas”, Mike me disse antes de irmos embora. “Você precisa viver um dia de cada vez e não desistir.”

Tradução: Marina Schnoor