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A Polícia da Califórnia Está Usando Sem-Tetos para Treinamento de Oficiais

O programa foi introduzido há anos, mas aqueles que já participaram dizem que não foram presos em troca da participação no treinamento.

Fotos por Colby Tippet.  

Um programa da Patrulha Rodoviária da Califórnia (PRC), que visa identificar usuários de drogas, vem usando sem-tetos como sujeitos de exercícios de treinamento para seus oficiais. O programa foi introduzido há anos, mas aqueles que já participaram dizem que não foram presos em troca da participação no treinamento.

O Programa Avaliador de Reconhecimento de Drogas (DRE em inglês), coordenado em nível estadual pela PRC, é um processo de treinamento para ensinar os oficiais a identificar sob efeito de qual substância um indivíduo está – metanfetamina, heroína, maconha ou álcool. As pessoas comuns aprendem isso quando estão na faculdade, mas a PRC resolveu montar um programa formal.

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“O que torna a aula tão eficaz, e única de muitas maneiras, é que não restrito à sala de aula, mas também tem um lado clínico”, disse o sargento Gilbert Peirsol, instrutor do DRE em Fresno, Califórnia. “Eles realmente põem a mão na massa e avaliam pessoas sob a influência de substâncias controladas.”

Sob critério do policial, e desde que haja causa provável, os oficiais do DRE abordam pessoas que estão andando muito perto da estrada, carregando algum contêiner aberto, ou que pareçam estar sob influência de alguma droga. E graças a uma nova lei municipal, os policiais de Fresno podem parar quem estiver empurrando um carrinho supermercado por suspeita de roubo.

Calvin Utley, 25 anos, um catador de sucata que frequenta um centro de reciclagem próximo ao escritório da PRC, diz que as pessoas podem optar por participar do teste ou serem presas na cadeia do centro da cidade. Ele disse que os policiais costumam abordar mendigos que vagam perto da estrada. “Eles recebem um ultimato, aí ou são presos ou são testados”, ele me disse.

O centro de Fresno. 

O sargento Peirsol diz que Fresno é uma das principais áreas para o processo de certificação, e que o programa DRE como um todo abriu precedente para várias agências ao redor do mundo. Oficiais em treinamento vêm para a PRC aprender os passos de reconhecimento e identificação de drogas.

O programa começa com uma semana de aulas teóricas, seguida de testes em campo. É aí que moradores, sem-teto, pedestres ou qualquer pessoa suspeita de estar sob influência de drogas são usados no programa DRE. E os oficiais em treinamento não precisam ir muito longe para encontrá-los.

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Motel Drive fica um quarteirão ao norte do escritório da PRC, uma faixa desolada de motéis, acampamentos de sem-teto e lojas de bebidas que corre paralela à Rodovia 99. “A área que cerca nosso escritório é historicamente conhecida por atividades relacionadas às drogas”, disse Peirsol.

Dentro da comunidade ao redor da Motel Drive, há quem defenda o programa DRE, mas essa é uma questão polêmica.

Shannon Downey, uma sem-teto de 41 anos que reside na área, disse: “Eles me perguntaram se eu queria fazer isso e me recusei, porque não estava sob condicional, nem drogada ou levando qualquer droga”.

Downey acha que o programa DRE poderia ser útil, mas que os policiais estão explorando a população sem-teto, que não pode fazer nada a respeito.

“É uma passagem livre se você estiver fazendo algo de errado, mas também é mão de obra barata, usar pessoas que eles sabem que vão ter que dizer sim. É uma via de mão dupla”, disse Downey, referindo-se ao ultimato que Calvin Utley descreveu. Muitos sem-teto disseram ter recebido a proposta, mas o sargento Peirsol afirma que esse não é o caso, que apesar da participação, aqueles que são pegos drogados são presos e processados.

“Não fazemos essa troca”, disse Peirsol. “É ilegal. Estamos prendendo essas pessoas porque o que elas estão fazendo é contra a lei. Códigos de saúde e segurança dizem que você não pode estar sob influência de drogas. Se vejo sinais e sintomas de uso de drogas, você pode ser preso”, ele acrescentou.

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Charlotte Ward. 

Charlotte Ward, que vive nas ruas há 20 anos, não teve escolha. Um dia, enquanto fazia um trabalho de jardinagem de meio período para um motel local, ela foi levada para o prédio da PRC, onde eles realizam o teste do DRE.

“Eles apareceram do nada, como os Dukes de Hazzard, e começaram a dizer 'acho que você está drogada, vamos testar' e coisas assim. Eu disse que estava trabalhando, mas eles não me deram escolha”, disse Ward.

Ward disse que teve que deixar suas ferramentas para trás e não pôde dizer ao chefe que estava saindo. Ter explicado o motivo da abordagem dos policiais causaria outro problema. “Fui humilhada porque estava trabalhando. Eu poderia ter perdido o emprego por causa deles.”

“Senti como se estivesse sendo pisada por eles, como um chiclete”, ela acrescentou.

Fazer as pessoas escolherem entre serem presas ou repentinamente incluídas num programa de treinamento parece um acordo com o diabo, mas a clemência poderia ajudar o sistema carcerário superlotado californiano, líder em prisões relacionadas a drogas no país. Combinada à medida aprovada recentemente no estado que reduz a sentença de crimes não violentos, frequentemente relacionados a drogas, o esforço poderia significar um distanciamento das posições linha-dura restantes do auge da Guerra Contra as Drogas.

Mas Calvin Utley não está convencido. Ele descreveu a experiência de alguns conhecidos e disse: “Eles acham que é melhor ir para a cadeia. Eles sentiram que seus direitos estavam sendo violados, sabe?” E acrescentou: “Acho que eles deviam ter sido colocados em frente a um juiz antes de tudo isso”.

Tradução: Marina Schnoor