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Vice Blog

Cosplay Não É Consentimento: o Lado Sombrio de se Fantasiar

Conversamos com Vivid Vivka, modelo e entusiasta de cosplay, sobre o lado sombrio de se fantasiar, a cena cosplay e por que ela continua fazendo isso.

Todas as fotos cortesia de Vivid Vivka

Desde que surgiu nos anos 1980, o cosplay vem se tornando uma parte essencial dos eventos e convenções de cultura geek, com pelo menos um concurso ou desfile de fantasias em qualquer grande ajuntamento nerd. Mas a cena também tem seus problemas, incluindo muitos relatos de assédio sexual e agressão. Estatísticas oficiais não existem, mas os incidentes são tão comuns e, às vezes, tão chocantes que petições vêm sendo criadas, pedindo que as organizações das convenções dos EUA ajudem a combater o problema.

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Este mês, na Anime Expo de Los Angeles, o painel Cosplay Is Not Consent, abordando o assunto, foi realizado pela Cosplay Deviants, uma agência de modelos especializada em cosplay. Conversamos com Vivid Vivka, modelo da agência e entusiasta de cosplay, sobre o lado sombrio de se fantasiar, a cena cosplay e por que ela continua fazendo isso.

VICE: Quando você começou a fazer cosplay? Por quê?
Vivid Vivka: “Quando” é difícil dizer. Eu diria que foi com o Dias das Bruxas. Sempre usei a festa como desculpa para me fantasiar como minha personagem favorita. Lembro da alegria que senti quando descobri que não só havia uma comunidade que se fantasiava sempre que podia, mas que essa comunidade em si era maravilhosa e cativante. Conheci as pessoas mais gentis, maravilhosas, loucas e talentosas no circuito de cosplay. Quanto ao por quê, eu diria que o motivo é a transformação incrível. Você vê TV, assiste aos filmes, joga videogames. Você vê os personagens. Você se envolve com a personalidade e os detalhes deles. Ou você simplesmente acha o figurino incrível, poxa. Mas quando você realmente veste a fantasia, finalmente terminada, pela primeira vez – é irresistível. Sempre tento pensar como tal personagem entraria numa sala, como responderia perguntas e como posaria para fotos. É se fantasiar, mas é também muito mais do que isso.

Vivid Vivka como Belldandy do anime Ah! My Goddess.

Quando você se juntou ao Cosplay Deviants?
Minha primeira sessão de fotos foi em 2011. Fui atraída pela ideia instantaneamente. Gosto de ficar nua e já tenho uma carreira como modelo de nus. Gosto de fazer cosplay. E, pela deusa, encontrei uma companhia que queria que eu fizesse as duas coisas. Sim, estou dentro. Onde me inscrevo? Fiz muitas sessões de fotos desde então e estou no livro deles, nas cartas de colecionador, na revista, calendários e participo de convenções como parte da equipe de eventos.

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Você enfrentou assédio logo que começou a fazer cosplay? Ou isso foi algo que você notou depois?
No começo, minhas fantasias estavam mais na linha do terror: Pyramid Head do Silent Hill, zumbis, etc. A maioria das pessoas preferia ficar longe! Mas conforme fui amadurecendo, e comecei minha carreira como modelo alternativa, fui me tornando mais confiante e confortável. Comecei a “ousar me desnudar” e a fazer cosplay de personagens que eu já adorava, mas que era muito tímida para experimentar a fantasia. Não é segredo que as garotas dos animes desafiam a gravidade e as super-heroínas usam roupas bem coladas. Não sou perfeita e não tenho o corpo ideal de academia, mas gosto da minha pele e quero me fantasiar, então foda-se quem tentar me impedir!

Mas a internet é um lugar cruel. Uma foto é postada e todo mundo tem uma opinião que precisa ser compartilhada. Se eu ganhasse um dólar para cada vez que fui chamada de cara de cavalo, travesti, gorda e feia, eu poderia comprar a porra da internet inteira. Assédio on-line é um fluxo constante, e, francamente, muito desagradável. Pessoalmente, a história é diferente. A pessoa pode pedir para tirar uma foto comigo e pegar na minha bunda “brincando”. Já me perguntam coisas obscenas, sem tato e nojentas, sempre seguidas de um “brincadeirinha… a não ser que você queira também”. Acho que muita gente não percebe que está passando dos limites, e não pensa que pode estar sendo rude, assustadora e grosseira. Elas veem essa personagem que conhecem e amam, e acho que esquecem que há uma pessoa dentro da fantasia. Cosplay não é consentimento. Não é porque estou fantasiada que meu objetivo na vida é servir suas fantasias.

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Vivid Vivka como o Coringa.

Tem sempre um punhado de histórias de horror em toda convenção que vou… Tanto minhas como das minhas amigas. O pior é quando a vítima não diz nada. Como eu disse, acho que a maioria não percebe que está fazendo algo ruim, e se a cosplayer não diz nada, como elas vão saber? Quase não acredito na mudança que sinto desde quando era mais tímida e não me impunha como faço agora; sou muito mais bocuda e posso dizer “não” de maneira bem agressiva.

E não é só uma coisa física. Sim, às vezes acontece de um seio ser “acidentalmente” tocado, ou uma saia ser “acidentalmente” levantada. Mas, às vezes, uma garota é simplesmente agarrada, jogada por cima do ombro de alguém e levada embora. Isso é muito assustador. Não faça isso nunca. Não é fofo. Isso é apavorante. É uma coisa emocional e mental. Uso fantasias nas quais trabalhei por meses, só para ouvir outras garotas me chamarem de “vadia, puta, vagabunda”. Já fui chamada de “versão vadia” por uma garota que estava fazendo cosplay da mesma personagem que eu, só porque meus seios eram maiores. E aí entramos em todo esse espectro de body shaming. Ninguém nasce como um desenho animado. Eles são seres bidimensionais num mundo sem gravidade ou tempo. Você deveria poder se vestir da personagem que quisesse, mesmo se sua cintura não é tão fina, os quadris não são tão largos, as pernas não são tão longas, o peito não é tão grande, caramba, mesmo se a cor da sua pele não é a “certa”. Cosplay deveria ser, e no fundo é, sobre seu amor pelos personagens e o prazer de trabalhar na fantasia. Mas os espectadores só veem o produto terminado e sorrisos para as câmeras. Há um lado sombrio e doloroso no cosplay. As pessoas são magoadas e humilhadas por pequenos detalhes e por essa necessidade venenosa de derrubar os outros.

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Vivid Vivka como Mad Moxxi de Bordelands 2.

Você já viu, ouviu ou mesmo experimentou alguma coisa particularmente ultrajante?
Uma vez, eu estava fazendo o cosplay de uma personagem de videogame, a Mad Moxxi de Borderlands 2, que tem peitos bem grandes. Um casal se aproximou e o rapaz ficou muito empolgado com a personagem, já que ele era muito fã do jogo. Ele pediu para tirar uma foto comigo e, assim que a câmera clicou, ouvi a namorada dele dizendo que ele não precisava de fotos com “vadias nojentas. Achei que você gostava de mulheres de verdade”. Fiquei destruída. Isso dói. Eu não tinha feito nada. Por que eu não sou “real”? Por que sou uma vadia? Estou vestida como uma personagem, estou me divertindo. Acho que a namorada notou minha cara transparente de tristeza. Ela tentou um pedido de desculpas meia-boca, mas tenho certeza que ela disse isso sem nem pensar em mim, na garota de fantasia, e em como eu me sentiria ouvindo um comentário desses cuspido na minha cara. Fora isso, já me fizeram várias propostas. Um cara chegou a colocar a chave do quarto de hotel dele discretamente no meu bolso e sussurrar o endereço e a hora no meu ouvido. Só pra vocês saberem, encontrei a maior e mais bagunceira turma de cosplayers e dei a eles a chave do quarto. Fico só imaginando o que aconteceu naquela noite.

Você já sentiu vontade de desistir do cosplay por causa desse tipo de coisa?
Todo mundo tem seus dias ruins. Às vezes, são comentários maldosos demais no Facebook, muitas abordagens agressivas, muitas apalpadelas “acidentais”. Mas eu amo fazer isso. Há um lado sombrio e há maçãs podres. Mas como um todo, a comunidade cosplay me deu tanto, muito mais do que eu podia esperar. A maioria são pessoas maravilhosas, que dão apoio e são simpáticas. Elas compartilham minha paixão e minha empolgação, e sempre espero ansiosa pela temporada de convenções. Poxa, fico até deprimida depois que a temporada passa. Não posso desistir. Mas também não quero ter que lidar com o assédio, então eu falo sobre isso, e espero conscientizar as pessoas sobre suas ações e opções.

Vivid Vivka como Fionna do Hora de Aventura.

A parte de conscientização que você e as outras pessoas por trás do Cosplay Is Not Consent fazem é incrível. Você tem mais dicas para combater o abuso na cena cosplay? Que táticas você acha mais eficientes?
Não deixe de falar e de se impor. “Não” é uma palavra viável e poderosa – tudo bem dizer isso! Não deixe ninguém te derrubar ou te pressionar para fazer algo que você não quer fazer. Alguém está sendo babaca? Foda-se essa pessoa. Você não precisa tirar uma foto com ela. Alguém está te tocando ou invadindo seu espaço pessoal? Fale com o pessoal da segurança. Nós, como indivíduos, somos criaturas poderosas. E, mais importante: você não está sozinha. Tem muita gente aqui, muita gente do seu lado. Podemos trabalhar juntos para educar, conscientizar e criar um ambiente mais feliz, saudável e legal para o cosplay. Sejam excelentes uns com os outros!

Tradução: Marina Schnoor