Crime

Maioria dos atiradores em massa dos EUA desde 1966 tem 4 coisas em comum

Um grande estudo sobre massacres financiado pelo governo dos EUA revelou informações impressionantes sobre os perpetradores.
Mourners gather at a vigil held for shooting victims on November 17, 2019 in Santa Clarita, California. Nathaniel T. Berhow, a 16 year-old-student, died from a self-inflicted gunshot wound after killing two people and injuring three others in the November

O estereótipo do atirador em massa é um homem branco com uma história de transtorno mental ou violência doméstica. Enquanto isso pode ser uma verdade anedótica, o maior estudo sobre o tópico já financiado pelo governo americano descobriu que quase todos os atiradores em massa tem quatro coisas específicas em comum.

Um estudo sobre tiroteios em massa – assassinatos de quatro pessoas ou mais em lugares públicos – do Departamento de Justiça dos EUA que analisa dados a partir de 1966 descobriu que os atiradores tipicamente tinham uma experiência com trauma na infância, uma crise pessoal ou mágoa específica, e um “roteiro” ou exemplos que validavam seus sentimentos ou forneciam um mapa para suas ações. E a quarta coisa: acesso a armas de fogo.

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A causa raiz de atentados com armas de fogo é um debate muito acirrado, com um lado culpando saúde mental e outro culpando armas. Pesquisadores esperam que as descobertas do estudo possam introduzir uma abordagem mais holística e baseada em evidências para a questão – e fornecer oportunidades de ação política.

“Dados são dados”, disse Jillian Peterson, psicóloga da Universidade de Hamline e coautora do estudo. “Dados não são políticos. Esperamos que isso avance o diálogo.”

O estudo, compilado pelo Violence Project, um think tank dedicada a reduzir a violência na sociedade, foi publicado na terça-feira e é a base de dados mais abrangente e detalhada sobre tiroteios em massa até agora, codificado para 100 variáveis. A publicação vem menos de uma semana depois que um adolescente matou dois estudantes em seu colégio em Santa Clarita, Califórnia, antes de se matar com um tiro na cabeça.

Os pesquisadores usaram a definição do FBI de “assassinato em massa” – quatro ou mais pessoas mortas, excluindo o perpetrador – e aplicou para tiroteios em massa em lugares públicos. A base de dados volta até 1º de agosto de 1966, quando um ex-soldado abriu fogo de um posto de observação na Universidade do Texas, matando 15 pessoas. Não foi o primeiro assassinato em massa dos EUA, mas os pesquisadores escolheram esse ponto porque foi o primeiro caso coberto pelo rádio e TV.

A base de dados rendeu várias descobertas importantes. Nos EUA, assassinatos em massa se tornaram mais frequentes e mortais: dos 167 incidentes que os pesquisadores incluíram no período de 53 anos, 20% ocorreram nos últimos cinco anos, e metade desde 2000.

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Eles também são cada vez mais motivados por ódio racial, religioso ou misógino, particularmente os que ocorreram nos últimos cinco anos.

E numa era de pressão para mais rigor nas leis de armas, incluindo verificação de antecedentes, o estudo descobriu que mais da metade de todos os atiradores na base de dados conseguiram suas armas legalmente.

Mas os pesquisadores dizem que ficaram particularmente impressionados com quantos atiradores mostravam sintomas de algum tipo de crise antes dos atentados. “Essas são oportunidades para prevenção”, disse Peterson.

5 perfis de atiradores em massa

Especialistas há tempos alertam que não há um único perfil para atiradores em massa. Mas os pesquisadores do Violence Project descobriram que algumas características pessoais muitas vezes se alinham com certos tipos de locais escolhidos pelos atiradores, e criaram cinco categorias gerais:

- Atiradores de escola: homens brancos, geralmente estudantes ou ex-estudantes da escola, com uma história de trauma. A maioria é suicida, planeja o crime extensivamente, e conta seus planos para outros em algum ponto antes do atentado. Eles usam várias armas que tipicamente roubam de um membro da família.

- Atiradores de universidade: homens não-brancos estudando na universidade, são suicidas e têm uma história de violência e trauma de infância. Eles geralmente usam pistolas compradas legalmente e deixam algum tipo de manifesto.

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- Atiradores de local de trabalho: homens de quarenta e poucos anos sem um perfil racial específico. A maioria é empregado do local alvo, geralmente trabalhos de colarinho azul, e têm queixas contra seu local de trabalho. Eles usam pistolas e fuzis de assalto comprados legalmente.

- Atiradores de locais religiosos: homens brancos de 40 e poucos anos, geralmente motivados por ódio ou violência doméstica que acaba vazando para a esfera pública. Seus crimes geralmente envolvem pouco planejamento.

- Atiradores de estabelecimentos comerciais (como lojas ou restaurantes): homens brancos de 30 e poucos anos com história de violência e antecedentes criminais. Eles geralmente não têm ligação com o local alvo e usam uma única arma de fogo obtida legalmente. Um terço deles mostra evidência de “transtorno de pensamento”, um termo para condições de saúde mental, como esquizofrenia, que resulta em pensamento desorganizado, paranoia e ilusões.

Ódio em ascensão

O estudo mostra que o número de atiradores motivados por racismo, ódio religioso e misoginia aumentou desde os anos 1960 – mais dramaticamente nos últimos cinco anos.

Desde 2015, atentados em massa motivados por ódio visando membros negros de uma igreja em Charleston, judeus em sinagogas em Pittsburgh e Poway, mulheres num estúdio de ioga em Tallahassee, e latinos num Walmart em El Paso, dominaram as manchetes nacionais e acrescentaram outra camada de complexidade ao problema da violência em massa nos EUA.

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Entre 1966 e 2000, foram 75 tiroteios em massa. Desses, 9% foram motivados por racismo, 1% por ódio religioso e 7% por misoginia. Dos 32 atentados do tipo que ocorreram nos EUA desde 2015, 18% foram motivados por racismo, 15% por ódio religioso e 21% por misoginia.

O aumento de tiroteios em massa ideologicamente motivados coincidiu com a emergência de uma extrema-direita encorajada recentemente, que forjou alianças nacionais e até internacionais de ódio online. O pico em atentados inspirados por misoginia também é paralelo à ascensão dos “Incels”, abreviatura de “celibatários involuntários”, uma subcultura da internet formada por homens jovens descontentes que ressentem e culpam mulheres por seu isolamento.

Saúde mental é um fator – mas raramente a causa

Dois terços dos atiradores em massa na base de dados tinham uma história documentada de problemas de saúde mental. Enquanto esse número pode parecer alto, pesquisadores apontam que aproximadamente 50% dos americanos já experimentaram algum tipo de problema de saúde mental em algum ponto da vida.

No geral, a porcentagem de atiradores cujos crimes foram diretamente motivados por sintomas de transtorno mental (como ilusões ou alucinações causadas por psicose) é muito menor: aproximadamente 16%. É uma porcentagem menor que atiradores motivados por ódio, problemas no trabalho e conflitos interpessoais.

“Se alguém tem um histórico de saúde mental, acho que temos o hábito de culpar isso por suas ações”, disse Paterson. “Mas se alguém tem, digamos, depressão, isso não quer dizer que tudo que a pessoa faz é motivado por isso.”

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Dito isso, o estudo descobriu ligações fortes entre motivações suicidas e atiradores em massa. Quase 70% dos atiradores eram suicidas antes ou durante os atentados, e o número é ainda maior para atiradores de escola.

Essas descobertas podem ter implicações poderosas nas políticas públicas, segundo os pesquisadores. “Isso nos mostrou que há oportunidades para intervenção – essas coisas não acontecem do nada”, disse Peterson.

“Sabemos muito mais sobre prevenção de suicídio do que sabemos sobre essa questão, e sabemos o que funciona – coisas como limitar acesso a armas, fazer a pergunta diretamente, conectar a pessoa com recursos exteriores, não falar sobre isso nas notícias.”

Buscando fama

A porcentagem de atiradores movidos por um desejo de fama aumentou substancialmente nos últimos cinco anos, o estudo descobriu. Nos primeiros 15 anos do século 21, cerca de 3% dos perpetradores eram motivados por um desejo de entrar para a história como um atirador em massa.

Entre 2015 e 2019, esse número pulou para 12%.

Um motivador específico para perpetradores que buscam fama continua estranhamente persistente por todos esses anos: o massacre de Columbine.

Tiroteios em massa e atentados em escolas aconteceram antes, mas Columbine, que aconteceu em 1999 numa escola pública em Littleton, Colorado, redefiniu o atentado em escolas como um espetáculo de mídia. A cena caótica em frente a escola foi transmitida ao vivo por várias horas antes de descobrirem que os perpetradores tinham se matado, os atiradores deixaram um registro extenso de seus planos e motivos.

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A influência de Columbine é tão grande que o estudo até descobriu que a busca pela fama para atiradores em massa era em grande parte confinada ao oeste americano: 70% dos atentados em busca de fama aconteceram na região. (Comparando, os pesquisadores não encontraram um atentado do tipo no nordeste do país diretamente motivado por busca da fama.)

Como eles conseguem suas armas

Quase metade dos atiradores em massa na base de dados adquiriu suas armas legalmente. Treze por cento conseguiram a arma através de “roubo”, incluindo emprestar de amigos ou familiares. Atiradores de escola – os mais jovens – eram os que tinham mais chance de conseguir suas armas assim. Pesquisadores disseram que esse dado em particular pode impulsionar argumentos para legislações exigindo armazenagem segura para armas de fogo.

Pistolas eram as armas mais comuns usadas em tiroteios em massa, e eram usadas três vezes mais que espingardas, fuzis e fuzis de assalto.

Fuzis de assalto foram proibidos em 1994 durante a administração Clinton, mas a proibição federal expirou uma década depois e fabricantes de armas usaram a oportunidade para vender novamente armas de estilo militar para civis.

Pesquisadores disseram que tem havido um aumento significativo estatisticamente de fuzis de assalto usados em tiroteios em massa nos últimos cinco anos, o que também coincidiu com os atentados se tornando mais mortais.

Matéria originalmente publicada na VICE News.

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