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Identidade

Entenda o que é a PrEP e porque ela é uma das maiores estratégias para prevenção do HIV no Brasil

O medicamento começou a ser oferecido pelo SUS em dezembro de 2017.

A profilaxia de pré-exposição (PrEP) é uma das principais estratégias para combater a infecção do HIV, impedindo em mais de 90% dos casos a contaminação através de relações sexuais. No Brasil, ela está disponível em serviços do Sistema Único de Saúde desde dezembro de 2017, porém ainda há muita desinformação sobre o medicamento e preconceito contra quem pretende tomá-lo.

No Brasil, a medicação veio como mais uma tática importante para a prevenção do contágio de HIV. Embora o país ser referência mundial no tratamento gratuito de infectados, pesquisadores já consideram que o país está enfrentando uma segunda onda da Aids, especialmente por conta do aumento do contágio entre homens que fazem sexo com homens e entre jovens. Segundo uma pesquisa encomendada pelo Ministério da Saúde, uma das causas do aumento da taxa de prevalência do vírus se deve a políticas conservadoras que barram investimentos em programas de educação sexual e conscientização.

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Em um dos vídeos que realizamos para a nossa Semana do Sexo na VICE, o garoto de programa e ator pornô Blessed Boy disse que faz uso da PrEP para se proteger do HIV tanto no pornô (onde a maioria é feito sem camisinha, porém exige a testagem dos performers) quanto nos seus programas onde ele faz o uso combinado com preservativos.



Para Maria Clara Gianna, que é médica e coordenadora adjunta do Programa Estadual DST/Aids-SP, a estratégia combinada para pessoas que exercem a mesma função para se prevenir é a melhor possível. “Se a gente puder cada vez mais essa possibilidade de colocar a PrEP pra situações como esta seria perfeito. Não só este garoto, mas todos os outros garotos que exercem a atividade profissional dessa forma têm todo direito de ter acesso à profilaxia Pré-exposição sexual”, diz a médica.

No estado de São Paulo, são 14 serviços de saúde que oferecem o medicamento, espalhados em sete municípios. De acordo com o levantamento de setembro de 2018 do Sistema de Controle Logístico de Medicamentos, 2588 pessoas estão cadastradas como usuárias da PrEP no estado. Só na capital, são 2086 cadastrados.

Como ela funciona?

A PrEP chegou no Brasil pelo Truvada, da farmacêutica Gilead. O Truvada consiste na combinação de dois medicamentos, tenofovir e entricitabina, em um único comprimido que impede que o vírus do HIV se estabeleça e se espalhe pelo corpo do usuário caso ele praticar sexo sem preservativo. Esses medicamentos já eram usados separadamente desde 2004 nos coquetéis anti-HIV, mas em 2012 descobriu-se que ao serem combinados podem evitar o contágio do vírus. Segundo um estudo publicado pela revista Science Translational Medicine, quatro pílulas semanais garantem 96% de proteção, enquanto sete pílulas semanais, uma por dia, reduzem o risco em até 99%. Vale dizer que o Truvada não previne o usuário de outras ISTs (Infecções Sexualmente Transmissíveis) e sim apenas ao vírus do HIV.

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O medicamento, além de oferecer uma proteção eficaz, também promove uma vida sexual mais saudável, especialmente para casais sorodiscordantes (onde um deles possui o vírus) e também para prevenir que algumas parcelas da população que estão mais expostas ao vírus sejam infectadas. Segundo o Ministério da Saúde, a vulnerabilidade ao contágio do HIV é concentrada em determinados grupos como profissionais do sexo, a população trans, gays e homens que fazem sexo com homens, usuários de drogas e pessoas privadas de liberdade. No entanto, o uso da medicação pode ser feito por todos aqueles que tenham um momento de vida onde podem estar mais expostos ao contágio.

Para iniciar a terapia através da saúde pública, o melhor jeito é checar a lista de serviços do SUS no site do Ministério do Saúde para saber qual é o local mais próximo que fornece a medicação. Lá, o interessado passará por uma consulta médica e também conversará com um profissional para entender se é a melhor estratégia de prevenção para seu momento de vida.

“Um garoto de programa que usa camisinha em todos seus atendimentos, por exemplo, pode ser que nem precise se utilizar da PrEP. Então vai ser no aconselhamento, no acolhimento do serviço de saúde, em ouvir os usuários e ter abertura total para a vida de cada um sem ter nenhum preconceito que a gente vai abrir as possibilidades de prevenção, orientando quais são as melhores estratégias”, esclarece Gianna.

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PrEP x PEP

Essa terapia é diferente da PEP, que é a Profilaxia Pós-exposição do HIV. No caso da PEP, se trata de uma medida de prevenção à infecção do HIV que deve ser ingerida 72 horas após situações de risco de contato ao vírus como casos de estupro, relações sexuais sem preservativo e acidentes ocupacionais onde a pessoa é exposta a matérias biológicos infectados. O tratamento dura 28 dias.

Para o designer gráfico Halley Oliveira de 24 anos, a péssima experiência com a PEP que ele teve aos 18 anos foi decisiva para ele procurar a saúde pública seis anos depois para começar tomar o Truvada. Por ter sido exposto a uma situação onde era possível ser infectado, ele se submeteu ao tratamento que, segundo ele, afetou muito sua vida sexual. “É uma bomba de medicamentos. Eu tinha que tomar três comprimidos de 12 em 12 horas e tive muitos efeitos colaterais. Não conseguia comer nada, vomitava tudo, até água. Foi um mês passando mal e a pior parte foi ter que aturar o preconceito dentro da minha casa”, conta.

Quando estava morando fora do Brasil, escutou pela primeira vez sobre o Truvada e os benefícios do medicamento em prevenir o contágio do HIV. Halley acompanhou religiosamente todo o processo de entrada e implementação do remédio no SUS e no mês passado se dirigiu a um posto de saúde em Maceió, cidade onde vive, para começar a tomar. Em resposta, recebeu a desinformação dos profissionais de saúde do local (que supostamente já deveriam estar preparados) e foi desencorajado pela psicóloga que fez o acolhimento. “Na cabeça dela eu tinha relações sem camisinha só por perguntar da PrEP. Só que o certo não é negar, é incentivar”, disse.

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O jeito foi Halley ir até Recife, cerca de 240 km de sua cidade, em um posto onde ele foi informado que já estavam dando o remédio. Agora, ele está esperando sua consulta médica para dar início a terapia. No meio gay, o designer relata que há ainda um estranhamento e falta de informação quando ele menciona sua decisão de tomar a PrEP. “O ficou brincando que eu queria fazer sexo sem camisinha. Teve situações que falei que queria tomar e as pessoas já me perguntavam se eu queria tomar porque sou soro positivo”, conta.

A PrEP substitui o uso de preservativos?

Todas as informações sobre a PrEP disponíveis em sites oficiais aconselham combinar a medicação com o uso do preservativo. De novo, tomar o medicamento não protege você de outras ISTs como a gonorreia, hepatites e sífilis. Então se a intenção é prevenir também outras doenças, o uso do preservativo junto com o remédio pode ser algo mais simples e eficaz.

Novamente, caso a pessoa procurar a sistema público de saúde ela deverá ser acolhida por um profissional para conversar e discutir quais são as melhores estratégias de prevenção adequadas para sua vida. Em alguns casos específicos, o uso do Truvada pode ser suficiente.

Carlos* faz uso do medicamento há um ano e seis meses e afirma que o medicamento por si só é suficiente para ele. “Eu sou bissexual e desde pequeno sentia atração por homens, mas eu não tenho prazer com camisinha. Mesmo sendo só ativo, morria de medo de ter relações sexuais em camisinha com homens, então eu só transava com mulheres, sem camisinha. Entre transar com camisinha e não transar, prefiro não transar”, conta. “(…) O Truvada permitiu eu me liberar deste medo e poder ter sexo prazeroso com um homem da mesma forma que eu já fazia com mulheres. Além do mais, às vezes eu saia com mulheres que tinham filhos e ficava pensando ‘uma coisa é eu pegar HIV, outra coisa é eu transmitir HIV pra uma mãe, é uma coisa que vai abalar também aos filhos dela’”. Segundo ele, é claro que é possível contrair HIV de uma mulher também, mas infelizmente, de acordo com as estatísticas, é muito maior a exposição do vírus em homens gays e bissexuais do que nas mulheres.

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Carlos já acompanhava as notícias sobre o Truvada em outros países e por isso procurou uma infectologista brasileira no particular para começar a terapia. Quando o remédio chegou no Brasil na saúde pública, ele descreveu o processo como cansativo para conseguir iniciar a terapia pelo SUS. “Mas agora que eu estou no prontuário é só ir uma vez a cada três meses, fazer exames e coletar os remédios”, explica.

Perguntado sobre o risco de contrair outras ISTs que o Truvada não dá conta, Carlos diz que sabe exatamente das possibilidades. “(…) é um risco que estou disposto a assumir. Sou vacinado contra HPV, hepatite A e B, a hepatite C é raríssima a transmissão sexual (bem mais raro do que o HIV), e as outras DSTs são curáveis. Então, não tenho esse receio. Inclusive há anos que faço sexo sem camisinha e nunca peguei nenhuma DSTs, faço exames regularmente. Pode ser sorte”, afirma.

Segundo ele, sua decisão de tomar só o Truvada e recorrer a testagens constantes não é muito bem recebida, especialmente entre homens gays. “Para algumas pessoas, parece que eu tô mentindo, elas acham que eu sou soro positivo e ou acham que não existe esse remédio”, critica. “Isso me chocou porque não sou contra quem usa camisinha, entendo o medo de contrair o HIV e a camisinha é uma ótima ferramenta. Acho complicado o pessoal estar me apedrejando porque opto em não usar. Tem homem que se você não falar nada faz sem camisinha, mas se você falar explicitamente do Truvada eles ficam receosos.”

Para Gianna, ainda falta mais conscientização e informação sobre a PrEP, além dela precisar ser implementada em serviços de saúde em mais municípios. A médica frisa que é de extrema importância passar por acompanhamento médico. "A PrEP pode ser sim uma solução se o problema for o contágio pelo HIV. Mas é preciso fazer consultas, exames e o diagnóstico de outras ISTs que também são colocadas nessa consulta. A PrEP é sim muito importante enquanto estratégia para prevenção, mas é preciso ir ao acompanhamento médico".

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