Ogi lida com seus fantasmas e medos em 'Pé no Chão'
Foto: Larissa Zaidan/VICE

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Ogi lida com seus fantasmas e medos em 'Pé no Chão'

Em um mundo cruel, o cronista da cidade cinza usa sua caneta pesada como ferramenta de salvação em seu novo EP.

Uma cotinha depois de nos presentear com Rá! , em 2015, Rodrigo Ogi está de volta. Dessa vez o Vovô aparece com o EP Pé no Chão, numa espécie de comemoração dupla: do aniversário do seu filho, que faz um ano nesta terça (24), e do lançamento de um tênis que sai no próximo mês, parceria entre o rapper e a OÜS, marca nacional de skate. O resultado desse trampo, produzido pelo Nave e com participações de Bruno Dupre (Rael), Kiko Dinucci (Metá Metá), Laudz, Marcela Maita, Emicida, Coruja BC1 e Diomedes Chinaski, você confere no player no fim da matéria, com exclusividade no Noisey.

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Antes de mais nada, a gente precisa explicar. Esse é o primeiro EP na carreira do Ogi. Até agora a gente só tinha escutado os aclamados álbuns Crônicas da Cidade Cinza e Rá!. Ele tinha prometido um outro disco com mais faixas para esse ano, mas algumas coisas mudaram no meio do percurso. "Eu já tinha começado a fazer um álbum com o Nave, só que me inscrevi em um projeto pra ver se consigo captar uma verba, já que fazer disco do próprio bolso é foda. Nesse projeto eu não poderia lançar nada antes. O Rá! já tem dois anos e, hoje em dia, dois anos é muito tempo, principalmente para um artista como eu, que não é muito conhecido — você meio que vai sumindo do mapa. Conversei com o Nave e a gente separou algumas faixas que estavam muito boas para o disco, pegamos outras e colocamos no EP. Fiz mais três ou quatro sons e construí o Pé no Chão", explica.

"Esse foi o trabalho mais rápido que fiz, devo ter gasto uns seis meses pra criar essas sete músicas. Normalmente eu demoro bem mais porque sou detalhista, fico revisando as coisas, mas aprendi um processo novo, peguei a manha de compor de um jeito que a coisa flui mais. Decidi lançar esse ano pra aquecer meu nome no mercado e retratar um período da minha vida, além do gancho do tênis em colaboração com a OÜS. O disco é uma comemoração do lançamento do tênis. A capa do EP tem a mesma cor do tênis e o nome disco tem a ver com o meu estado atual e com essa coisa de tênis", conta o rapper.

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Foto: Larissa Zaidan/VICE

Pé no Chão mostra um outro lado do Ogi. O storytelling, marca registrada dele, dá espaço para faixas muito mais pessoais. Ao invés de usar personagens para criar músicas mais lúdicas, contando outras histórias para dar vazão aos seus sentimentos, agora ele fala mais em primeira pessoa. "Sempre gostei de storytelling,mas depois que meu filho nasceu, minha cabeça mudou. Fiz uma imersão mesmo, me questionei sobre vários fantasmas e medos que eu tinha, e a coisa começou a surgir assim, mais pessoal. Foi uma viagem que fiz pra dentro de mim, conversando comigo mesmo, pensando e tentando evoluir", diz Ogi. Dessa vez o rapper não apostou tanto naquelas variações de voz, recurso muito usado por ele em Rá!. "Foi uma ideia do Nave e eu também quis soar mais do jeito que falo, canto. Em Pé no Chão eu preferi vir mais natural, o que tem tudo a ver com o meu estado de espírito neste momento."

O nascimento do primeiro filho do Ogi é um grande plano de fundo para todo o EP, já que esse evento foi um dos grandes responsáveis por essa mudança em sua vida. Não à toa, o rapper canta diretamente para ele na segunda música, a emocionante "Nuvens", que faz um paralelo entre como foi crescer sem pai, a perda da mãe aos 24 anos e a felicidade que preencheu este vazio quando seu primogênito veio ao mundo. "Eu não convivi com meu pai porque ele morreu quando eu tinha dois anos de idade. Mal me lembro dele, só por foto. Eu sou filho único, então sempre fui muito grudado com a minha mãe. Ela faleceu quando eu era molecão de tudo. Foi uma bomba. Eu não vivi um luto, fui deixando isso de lado. Chorei quando ela morreu um dia inteiro sozinho, mas fui deixando esse sentimento preso, escondido e isso foi se refletindo na minha vida. Depois de um tempo que ela tinha falecido eu bebia muito. Me envolvi em várias confusões por causa de álcool. Inconscientemente parecia que eu queria morrer. Não adiantava apoio de amigo, de esposa, nada era suficiente e eu meio que não percebia isso. Quando meu filho nasceu, notei que do jeito que eu tava vivendo ia acabar morrendo. Não que eu fosse um alcoólatra louco, mas eu era um cara que vivia sem medo de morrer, literalmente. Depois que ele nasceu, tem horas que tô andando na rua e fico com medo de ser atropelado, rola uma cautela em dobro, porque ele não pode viver sem mim. Não quero que ele viva como eu vivi, sem pai, porque isso é cruel. Quando peguei ele no colo veio tudo isso, aflorou esse sentimento, entendi várias coisas e parece que preencheu esse vazio que eu tinha de um modo natural, não como uma muleta", explica Ogi.

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A sua relação com o álcool também é assunto importante no EP. Na primeira faixa, "Anjo Caído", a gente pode ver uma coisa que se estenderá por todo o resto do EP: a forma como a arte é usada para lidar com demônios, por isso o trecho da entrevista do escritor paulistano João Antônio falando sobre a importância de escrever, uma visão que o rapper compartilha. "Um camarada mandou essa entrevista pra mim, vi e achei que tem tudo a ver comigo: escrever, fazer arte, eu preciso disso pra viver. Sou um cara que não sabe se comunicar muito bem com as pessoas, sou tímido, então escrever é o jeito que tenho de colocar tudo pra fora. Se eu não escrever, fico maluco. Arte é a única coisa que salva, é a redenção deste mundo, que infelizmente, é cruel", desabafa o rapper, que dá a letra sobre a música. "Aqui eu retrato uma sensação de bar mesmo, tanto que quando comecei a escrever lembrei que eu tava sempre sentado no bar, vendo a coisa acontecer, e do modo que eu me sentia quando o álcool fazia efeito. Hoje eu ainda tomo uns goles, mas é muito diferente. Se eu beber demais, a ressaca do dia seguinte é tão forte que eu não consigo dar atenção pro meu filho e isso não pode acontecer."

Foto: Larissa Zaidan/VICE

O novo EP traz uma faixa aguardada pelos fãs, "Insomnia 2", que conta com Ogi, Emicida, Diomedes Chinaski e Coruja BC1, além da Marcela Maita no refrão. "A agenda do Emicida é complicada. Um dia ele tá aqui, depois numa reunião e no outro dia tá na Europa ou viajando pelo Brasil. Pra conseguir marcar com ele é difícil, e não é má vontade, eu vejo de perto, o cara trabalha pra caralho. Não fazia sentido fazer essa música sem ele. Eu chamei o Diomedes depois de ouvir um som dele — que não foi "Sulicídio". O Coruja é outro moleque que acho talentoso. O Emicida concordou na hora com esses nomes. Fiz o instrumental, mandei pra eles, escrevi o refrão, chamei a Marcela Maita, que é uma cantora muito talentosa. Eu ia lançar esse som fora do EP, mas o Nave achou que casava bem com as outras músicas. Ano que vem quero lançar a terceira parte, já tenho uns nomes na mente, mas não vou revelar (risos). Eu quero fazer a parte 3, a 4, 5… e o Emicida sempre estará comigo, porque o som é nosso."

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A produção do disco ficou novamente com o grande parceiro do rapper desde Rá!, o Nave. "Eu sou amigo dele há muito tempo, é um cara que vou trabalhar pro resto da vida. Confio nele, acho talentoso pra caralho. É muito difícil você trabalhar com alguém. Já tentei trampar com outros produtores e não era esse casamento perfeito que tem rolado entre a gente. A nossa ideia bate muito, tanto que o disco que vou lançar ano que vem vai ser com ele também. Eu não preciso trabalhar com outros produtores, eu e o Nave podemos fazer a célula, o núcleo da música e chamarmos músicos para participarem. Ele é versátil, não é alguém que você fala 'esse disco é maçante porque as instrumentais são parecidas e as faixas ficaram iguais'. Eu dei sorte de conhecer o Nave, de ser amigo dele, acho que é coisa do destino mesmo, acredito nisso", conta o rapper.

Foto: Larissa Zaidan/VICE

Pé No Chão também soa musicalmente diferente dos outros trabalhos do Ogi. Ele, que é uma enciclopédia do rap dos anos 90 até 2000, deixou de lado um pouco suas pastas com raps antigos e começou a ouvir coisas mais novas. O resultado? Vovô rimando pela primeira vez em cima de uma base de trap. "Eu amo boombap, mas hoje em dia eu não consigo ouvir mais. Tô ouvindo mais coisas atuais. Não tem aquele cara que é metaleiro, pagodeiro? Eu sou rapeiro. Ouço rap desde criança. Sempre fui apaixonado pelo rap americano, pesquisador da coisa, com fome. Pé no Chão tá diferente porque eu tô bebendo em outra fonte e não só preso ao rap. A gente tem que sair um pouco disso e quanto mais musical melhor, pra não pegar só o público do rap. Quero que a tiazinha escute e goste. Eu tenho ouvido outras coisas, mais raps atuais, com essa nova textura e continuo ouvindo rock, samba, música clássica, música sertaneja antiga… E o negócio do trap, no começo do gênero eu ainda tinha uma certa estranheza porque achava tudo igual: era uns chimbais, uns 808 e pra mim não soava bem. Só que comecei a ouvir coisas novas que tinham mais a ver com o que eu gosto, eram mais musicados. E como o Nave consegue fazer isso muito bem e eu sei fazer vários flows, rimar num beat assim foi tranquilo."

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Pela evolução nítida na caneta, no flow e na produção de Pé No Chão, muitos (eu) vão querer cravar: esse é o auge da carreira do Ogi. Mas ele discorda completamente: o importante é apenas satisfazer a si mesmo, sempre numa crescente. "Essa coisa de auge me incomoda. Eu sempre vou estar ali. Nunca fui um cara que estourou, mas sempre tive trabalhos bons na rua e é isso que eu quero continuar fazendo. Quando lancei o Crônicas muitos falaram que aquele era meu auge, rolou isso também com o Rá! e pode acontecer com esse também, mas eu não vejo assim. Busco evolução por que gosto de estar satisfeito com o que eu tô trabalhando. Se eu não estiver satisfeito, não rola."

Ouça Pé no Chão no player abaixo ou na OneRPM:

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