A história do beijo gay nos videogames

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A história do beijo gay nos videogames

Trailer de 'The Last of Us II' mostra que beijar muito não é apenas o que queremos, é o que precisamos.

A E3 2018 nos trouxe um momento que entrou para a história dos games: o beijo entre Ellie e uma mulher cujo nome ainda não sabemos. Para abrir a conferência do PlayStation, a Sony exibiu um novo trailer de The Last of Us Part II e em pouco mais de três minutos testemunhamos o ato, que além de ser por si só uma grande declaração e um acontecimento de grande importância representativa para a comunidade LGBTQ+, talvez seja o melhor beijo já feito em videogames, tecnicamente falando.

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Relações entre seres humanos (e alienígenas) nos games tendem a ser um pouco constrangedoras ou um tanto fora da realidade, porque existe uma certa dificuldade em animar tais cenas de beijos e pegação intensa. Mas o que vemos nesse trailer é praticamente uma perfeição, desde os sons, ao movimento das personagens e até os mínimos detalhes. Não, é sério, olha só o nariz da Ellie sendo amassado contra o rosto da menina. Olha isso:

ARRASOU, GATA!

Acredito que, literalmente, não exista um melhor exemplo de beijo nos games, muito menos um melhor exemplo de beijo gay, dos quais temos tão pouco. Como um homem gay, ver esse tipo de representatividade no meio de entretenimento que mais gosto é reconfortante, e saber que um dos títulos AAA mais aguardados, produzido por um estúdio de uma das maiores fabricantes de consoles do mundo, tem uma protagonista lésbica, é algo que me deixa feliz e esperançoso que muitos jovens gays e jovens lésbicas possam ver que há heróis como eles, capazes das mesmas proezas que a enxurrada de homens héteros brancos barbados sobreviventes de apocalipses e afins consegue fazer.

Esse grande momento que marcou o trailer de The Last of Us Part II na verdade é o resultado de uma luta silenciosa que se arrasta a anos. O primeiro registro que se teve de um beijo gay em jogos foi nada mais do que um acidente que acabou dando muito certo. Tudo começou com The Sims.

De maneira resumida, como consta nesse artigo publicado pelo The New Yorker, durante uma apresentação de The Sims na E3 de 1999, foi criada uma situação roteirizada de um casamento, e vários convidados estavam inclusos, mas não houve tempo para os desenvolvedores programarem todos os Sims participantes. Eis que, no meio da exibição, duas personagens se apaixonaram e se beijaram na frente de todo mundo. Isso atraiu toda a atenção da mídia e só se falou sobre The Sims o tempo todo, o que resultou em muito burburinho positivo para a EA/Maxis e, querendo ou não, o sucesso da franquia veio, em partes, desse incidente.

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Via The New Yorker.

Originalmente, os executivos tinham decidido vetar as interações entre Sims do mesmo sexo, com medo da reação negativa que poderia receber e fazer com que todo o investimento fosse por água abaixo, mas uma confusão na hora de delegar tarefas para alguns desenvolvedores fez com que um deles ficasse com documentos de design de uma versão antiga do game, antes das mudanças que barravam o relacionamento gay serem implementadas — e foi esse arquivo que acabou virando a build “final” de The Sims.

Todos os títulos subsequentes permitiram romances entre Sims do mesmo sexo, mas em The Sims 2 o casamento entre gays era chamado apenas de “União Estável”. Em The Sims 3, os casais hétero e gay passaram a ser tratados da mesma maneira pelo código do game, com possibilidade de adoção de bebês. Em The Sims 4 a Electronic Arts implementou opções bem específicas como: esse Sim faz xixi de pé ou sentado? Ele pode engravidar ou não? Abrindo possibilidade para personagens transgêneros, além do fato de permitir o uso de roupas e cortes de cabelo por ambos os gêneros.

Durante essa pesquisa, uma coisa ficou muito clara — há muito mais personagens que são LGBT do que cenas de beijo gay no mainstream. Pude contar: Bully (2006), a franquia Mass Effect (2007-17), a franquia Dragon Age (2009-14), a franquia Fable (2004-10), Life is Strange (2015) e sua prequel Before the Storm (2017), Final Fantasy XIV Online (2013-), The Technomancer (2016), Saints Row IV (2013) e… não muito mais do que isso. E alguns exemplos nem se levam tão a sério.

Bully.

Existem sim mais games que permitem romances e casamento entre personagens gays, ainda mais se olharmos para os títulos indie, mas em termos de beijo gay, não há muitas opções. E, embora a representatividade dos personagens LGBT em games seja importante, isso precisa ser algo coerente e não estereotipado, como se os desenvolvedores estivessem apenas marcando um “check” em lista de minorias a serem inclusas. Quando a inclusão não é pensada, pouco nos vale. E digo mais, precisamos de mais games que normalizem os sentimentos e situações que só pessoas gays sabem — a incerteza de Ellie em se aproximar e beijar a menina no meio de todas as outras pessoas, por medo da reação alheia, é exatamente o tipo de medo que alguém gay da vida real sentiria, por exemplo.

Ter Ellie como um bastião LGBT entre os games AAA é um marco importante e posso apenas agradecer à Naughty Dog por esfregar isso na cara de toda a comunidade gamer no maior evento da indústria de games. Queremos e precisamos de mais protagonistas gays em nosso games. Nós também chutamos bundas e salvamos o mundo.

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