Foto por Aila Images, via Stocky.
Esta matéria foi originalmente publicada no Broadly .A congregação Irmandade Palavra da Fé em Spindale, Carolina do Norte, nos EUA, estaria traficando brasileiros para trabalhar como "escravos" nos EUA. É o que relata o último capítulo de uma longa investigação da igreja feita pela Associated Press (AP)."Eles nos tratavam como escravos", disse o ex-membro da congregação André Oliveira, que contou à AP que foi levado aos EUA quando ainda tinha 18 anos e teve o passaporte confiscado pela liderança da igreja. Dali em diante, Oliveira "foi obrigado a trabalhar 15 horas por dia, geralmente sem receber nada, primeiro limpando armazéns da igreja evangélica, depois trabalhando em negócio de propriedade dos ministros da seita", diz o relatório.A IPF foi fundada por uma mulher chamada Jane Whaley em 1979, e a instituição evangélica tem sido descrita como uma espécie de culto. Segundo a AP, Whaley é do interior da Carolina do Norte e se tornou líder religiosa sem nenhum treinamento formal. Por várias décadas, Whaley expandiu a IPF, que hoje é uma igreja com 750 congregados nos EUA e seguidores no mundo inteiro — são cerca de dois mil fiéis em igrejas no Brasil, Gana, Suécia, Escócia e outros países. Seu sucesso, dizem ex-membros, se deve a perturbadora habilidade de Whaley em forçar pessoas a fazer o que ela quer. Em troca, os fiéis alcançariam a salvação eterna.Alguns membros brasileiros da igreja teriam sido atraídos para os EUA diante de promessas de benefícios religiosos, econômicos ou profissionais, enquanto outros dizem terem sido simplesmente forçados a fazer a viagem."Era trabalho escravo", disse a brasileira Rebeca Melo à AP.A AP entrevistou 16 ex-membros brasileiros da igreja e outros tantos fiéis. Um relatório anterior, também produzido pela Associated Press, publicado em fevereiro, diz que a igreja tem um histórico de violência contra membros, tudo na busca por "tirar demônios" dessas pessoas: "As vítimas de violência incluem pré-adolescentes e crianças pequenas — até bebês que choravam eram chacoalhados, tratados aos gritos e às vezes levavam palmadas para tirar os demônios [de seus corpos]". Os membros considerados pecadores na congregação seriam colocados numa instalação chamada "Prédio Baixo", onde estavam sujeitos a pesadas punições físicas e emocionais.Em março, a AP liberou o segundo capítulo de sua investigação, no qual relata que dois promotores distritais, Frank Webster e Chris Back, eram membros da IPF e ajudaram a treinar outros fiéis para mentir para a polícia. Eles teriam até realizado um julgamento de mentira para fiéis acusados de assédio por um ex-membro. (Webster e Back foram afastados de sua posição depois do surgimento das alegações.)Na esteira das acusações feitas por ex-membros, a IPF respondeu dizendo que a matéria da AP "visa incitar crimes de ódio" e é resultado de "intolerância religiosa". O site da igreja está cheio de vídeos e declarações de membros atuais, todos negando as alegações de abuso dentro da IPF.O relatório da Associated Press não é o primeiro alerta contra a congregação. A Irmandade Palavra da Fé é investigada há décadas — em 1995, a Inside Edition revelou sua própria investigação sobre a igreja, ao expor práticas extremas dentro da IPF, além de alegações de abuso infantil. "Uma vez, entrei no berçário e todas as crianças estavam amarradas nas cadeiras", um jovem disse a Inside Edition. Segundo a mulher no comando do berçário, amarrar crianças com lençóis era encorajado por Jane Whaley, que teria chamado a prática de "as amarras de Deus".Mais chocante, no entanto, são as pistas reunidas sobre o tráfico de brasileiros agora relatados pela AP. A série entrevistou um policial de Spindale que dizia ter "ajudado um brasileiro desesperado a fugir". A igreja supostamente se recusava a devolver seus pertences.Na matéria mais recente, a AP obteve um registro que revelou uma tentativa de parar o tráfico humano na igreja em 2014. "Três ex-membros disseram a uma promotora norte-americana [Jill Rose] que os brasileiros eram forçados a trabalhar sem pagamento." Rose "prometeu que investigaria [o caso]… mas ex-membros disseram que promotora não respondeu mais às tentativas de contato depois dessa reunião". Quando contatada pela AP em 2017, Rose se recusou a comentar o caso e disse aos repórteres que havia uma "investigação em andamento".Numa declaração enviada à VICE, a Anti-Slavery International explicou que usar religião é uma conhecida tática no tráfico humano. "Usar a fé para traficar e explorar pessoas é um padrão comum do tráfico humano em geral, já que os envolvidos visam atrair pessoas vulneráveis para situações onde possam controlá-las facilmente", disse Jakub Sovic, diretor de comunicação da entidade.Segundo Sovic, no caso da Irmandade Palavra da Fé, parece que há "uma grande pressão dos outros membros e de crenças religiosas" que ajudam a "forçar as pessoas a se submeter". Como o tráfico acontecia sob o disfarce de uma organização religiosa, "as autoridades têm dificuldade para deter" casos assim."Usar religião para traficar pessoas, usando suas crenças mais profundas para controlar suas vidas, é um crime realmente vil, deixando as vítimas com traumas duradouros", disse Sovic. "O jeito como eles visavam crianças é particularmente nojento."Tradução: Marina SchnoorSiga a VICE Brasil no Facebook, Twitter e Instagram.
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"Eles nos tratavam como escravos."
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