Como ser um atleta de fim de semana ao extremo

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Como ser um atleta de fim de semana ao extremo

Aos 41 anos, o empresário brasileiro Marcelo Alves se prepara para uma maratona solitária a - 30 ºC na escuridão polar. Ele nos explica como treinar para essa e outras loucuras sem precisar pagar de atleta fodão.

Foto: Arquivo Pessoal

Quem olha distraído para o empresário e maratonista Marcelo Alves não faz ideia de que esteja diante de um dos caras mais doidos que já viu. Ele não atira pedras na lua, mas corre maratonas perto dela. Seja numa altitude de mais de 6000 metros, num frio de -42 ºC ou então no meio da floresta Amazônica, o cara está lá, vivão, encarando os próprios limites.

Aos 41 anos, Marcelo está prestes a se arriscar em um dos maiores desafios de sua vida: correr uma maratona inteira sozinho num lugar em que não amanhece e que a temperatura gira em torno dos - 30º C. O local da prova, o arquipélago norueguês de Svalbard, é o último ponto habitado do norte do mundo e, até onde se sabe, ainda não foi transformado em prova atlética por nenhum outro maluco. O plano é que a loucurinha saudável vire um documentário. Marcelo embarca nesta segunda (18) e deve fazer o percurso, depois de uma exigente aclimatação, lá para o dia 24 de janeiro.

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A rotina de treinos é algo recente. Ele se tornou maratonista há apenas quatro anos. Ex-executivo de uma multinacional do ramo automobilístico, fazia uma média de oito viagens profissionais por semana e tinha uma vida extremamente cansativa como a da maioria dos homens de terno e pasta que você cruza por aí.

Nos últimos anos, Marcelo mudou de emprego e de hábitos. É bem verdade que ele continua no comando de uma empresa, mas agora está à frente de uma que dá consultoria sobre qualidade de vida corporativa. Sua rotina de treinos é igual a de qualquer atleta de final de semana mais rigoroso. "Procuro treinar na hora do almoço ou no final da tarde. Apertando aqui e ali dá certo", diz Marcelo, que, embora corra à temperaturas congelantes, não se considera um atleta profissional. Fomos trocar uma ideia com ele pra entender como é ser esse atleta amador tão extremo. No papo que rolou pouco antes dele embarcar, o cara nos explicou que raios de competições são essas e falou ainda sobre seu próximo desafio. Saca só:

No deserto do Atacama. Foto: Arquivo Pessoal

Como você explicaria uma maratona de extremos para um leigo?
As maratonas consideradas extremas são as que tem uma ou mais características fora de uma condição "normal". Por exemplo, a Ice Marathon da Antártida, a única do continente, tem a temperatura média de -20Cº. Os atletas correm em cima de uma planície de gelo de mais ou menos um quilômetro de espessura. Elas estão sempre relacionadas à adversidades então?
Sim, temos a mais alta, a mais fria, a mais quente e por ai vai…? Anexa aqui seu CV de corridas pra gente, por favor.
Minha primeira maratona extrema foi a Ice Marathon que te falei, na Antártida, em 2012, depois veio a North Pole Marathon, a maratona mais fria do mundo. E a Jungle Marathon na Amazônia que, segundo a CNN, é a prova mais difícil do mundo, em 2013. Em 2014 corri a Everest Marathon, a mais alta do mundo com largada no base camp do Everest há quase 6.000 metros. Em 2015 corri a World Marathon Challenge: ela é 7x7x7: sete maratonas em sete dias consecutivos nos sete continentes. Teve ainda a Volcano Marathon, no deserto do Atacama, o mais seco do mundo, É uma prova feita entre dez vulcões com altitude média de 4000 metros. O World Marathon Challenge parece ser tão insano quanto trabalhar sete dias por semana de terno e gravata. Como funciona?
Foi uma experiência incrível. Por ser a primeira edição da prova, tudo era novidade. Eram só dez participantes e eu o único sul-americano. Não tinham muitas informações sobre como o corpo iria se comportar, principalmente a recuperação. Correr uma maratona e ir descansar no avião em uma cabine pressurizada é super complicado, o processo fica bem mais lento. É só você comparar com uma viagem internacional. Agora imagina 42.195 metros e pegar um avião depois. Não tínhamos hospedagem, todos descansavam a bordo. A noite que mais dormi, foram cinco horas.

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Foto: Arquivo Pessoal

E como foram as provas?
A primeira prova aconteceu na Antártida com temperatura de -15 Cº. Depois fomos para Punta Arenas no Chile com 5 Cº. A terceira foi em Miami, nos Estados Unidos, com 30 Cº. A quarta etapa foi em Madri, na Espanha de novo com 5 Cº. Na sequência fomos para Marrakesh, no Marrocos e fazia 0 Cº. A penúltima etapa, em Dubai no Emirados Árabes, foi com calor de 40 C. A última foi em Sidney, na Austrália, e fazia 25 Cº. Foi uma volta ao mundo em sete dias, uma experiência realmente incrível, fiquei muito feliz em conseguir concluir o desafio e principalmente sem nenhuma lesão. E qual foi sua primeira maratona?
A primeira maratona da minha vida foi o desafio do Pateta em Orlando. O desafio é correr uma meia maratona (21km) no sábado e a maratona (42K) no domingo. Fiz essa prova já pensando na minha primeira maratona extrema na Antártida, por isso escolhi esse desafio. E qual é a pira desse tipo de corrida?
Concluir uma maratona é algo incrível. São meses de treino e milhares de quilômetros rodados durante a preparação. É algo que realmente muda a vida de qualquer pessoa. As horas de treinamento são uma grande terapia, pois o atleta na maior parte do tempo está sozinho por muitas horas.

O corre do World Marathon Challenge: sete maratonas em sete dias. Foto: Arquivo Pessoal

É um esporte solitário.
Esse autoconhecimento é realmente transformador. Agora imagina associar isso aos lugares mais incríveis e inóspitos do planeta. É realmente uma pira, parece que estou vivendo um sonho ao estar no Everest, Polo Norte, Antártica, Amazônia, …. É algo que não tenho nem palavras para descrever, sou muito grato a vida, a Deus, ao universo por ter essa oportunidade. Sou muito grato. Qual o maior perrengue que passou?
Só correr os 42km já é uma grande dificuldade, requer muito treinamento. Quanto às provas extremas cada uma tem uma dificuldade diferente. No Pólo Norte foi a temperatura de -42 Cº; na Amazônia o calor com a umidade são terríveis, sem falar nos perigos da selva. Mas fisicamente a prova mais difícil foi a Everest Marathon: a largada é do base camp do Everest, são quase 6.000 metros. Cacete, e como manter a respiração?
É bem difícil. Nessas altitudes temos somente 50% do oxigênio. O trajeto da prova é até a cidade de Namche Bazar, sobre a cordilheira do Nepal. A prova é uma verdadeira montanha russa, um sobe e desce sem fim. Uma prova muito dura, depende muito da aclimatação e da resistência física.

Foto: Arquivo Pessoal

Sua próxima aventura é na Noruega. O que você espera dessa prova?
A próxima aventura é um desafio que nunca foi realizado, fui convidado por uma produtora norueguesa a correr uma maratona em Svalbard, um arquipélago que pertence à Noruega. É o último local do norte do planeta que se chega em vôo comercial. É, definitivamente você não tá indo pra um pico badalado.
Lá, nesta época do ano, é noite por 24 horas e a temperatura perto de -30Cº. De maneira bem simples: o desafio é correr uma maratona a -30 Cº, sozinho e no escuro. Porém, por outro lado, existe uma grande possibilidade de aurora boreal. Se rolasse, seria incrível. Você tá preparado?
Treinei muito e estou bem confiante que irei conseguir concluir o desafio, porém as condições são realmente extremas, torce ai (risos). Você tem algum ritual antes e durante essas provas?
Sou muito dedicado aos treinamentos, faço 100% da minha planilha. Fazer a lição de casa me deixa muito confiante. Na véspera da prova procuro me manter muito tranquilo e concentrado. E sempre rezo pedindo proteção à Deus. Que dica você daria para quem quer começar a competir nesse tipo de prova?
Acho que o mais importante é realmente querer encarar esses desafios. Tem que fazer sentido, pois são muitas horas de treino, muitas privações, ausência entre os amigos e a família. Mas se você tem um propósito, tudo fica mais fácil. Não sou um atleta profissional, longe disso, trabalho no horário comercial, tenho meus compromissos com minha esposa e filha, tenho uma vida normal. Se eu consegui, qualquer um pode chegar lá.

O avião do World Marathon Challenge. Foto: Arquivo Pessoal