"Al-al-al-alvará/Al-al-al-alvará" era o principal grito de guerra proferido pelos presentes no ato realizado pela Mamba Negra no domingo, 28 de maio. Saindo da Avenida Francisco Matarazzo, na Barra Funda, o trio elétrico era equipado com decks de DJ e funcionou como continuação da comemoração de quatro anos do coletivo, com sets de Jerônimo Sodré, JO A O e MJP. "Saída de segurança e rota de escape segura. Saída de emergência, escadas largas e espaçosas. Você tem, Renato?", falava Laura Diaz, uma das duas cabeças da Mamba Negra, se referindo a Renato Ratier, dono da D.Edge, enquanto o trio descia a Avenida Auro Soares em direção ao clube.
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A outra co-organizadora da festa, Carol Schutzer (ou Cashu), caminhava atrás do trio junto ao público, que incluía outros atores relevantes da noite de São Paulo: os fundadores da festa Carlos Capslock, L_cio e Tessuto; Pedro Zopelar, da ODD; e as produtoras Bad$ista e Amanda Mussi, respectivamente organizadoras das festas Bandida e Dûsk. Juntos a eles, algumas dezenas de frequentadores da Mamba endossavam o coro puxado por Laura e revezavam entre "fora Temer" e "fora Doria" — em alguns momentos, consegui ouvir também um "fora Ratier".O ato foi anunciado dois dias antes pela página da Mamba Negra no Facebook, em uma espécie de manifesto que esclarecia alguns dos motivos do coletivo: a Fabriketa, onde aconteceria a festa até então, fora embargada na sexta anterior (19), o que fez com que as organizadoras procurassem outros galpões que pudessem abrigá-la. Não encontrando, a comemoração aconteceu na engomadinha Via Matarazzo, casa entre as baladas Audio Club e Villa Country, na Zona Oeste.
Nos fins de semana anteriores ao evento, dos dias 20 e 21 de maio, outras festas sofreram com empecilhos burocráticos: não apenas a Virada Cultural sofreu em estrutura e público ao ser "descentralizada", como a ODD que aconteceria na mesma noite foi cancelada por Fábio Lepique, secretário adjunto das Prefeituras Regionais de São Paulo (que publicou sobre o ocorrido em suas páginas pessoais no Facebook e Twitter). Na nota, a Mamba se posiciona contra essas decisões, incluindo as intervenções policiais feitas na Cracolândia, e cravava que todas elas "são fatos que não apenas se conectam, mas revelam o plano político da gestão [do prefeito João Doria]."
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Apesar da maior dificuldade de realização, o esmorecimento das festas independentes e de rua em São Paulo não é exclusividade da gestão do PSDBista. Desde 2015 o THUMP canta a bola de que esses coletivos estariam perdendo a força e a presença, tanto por suas edições avulsas, cada vez mais raras, como em eventos como a própria Virada, que praticamente não tem festas em seu line-up desde 2016. Até mesmo o SP na Rua, evento criado pela gestão Fernando Haddad (PT) como abertura do Mês da Cultura Independente em São Paulo, quase não aconteceu no ano passado e foi também pressionado pela Mamba Negra.A história de ascensão e queda dos coletivos de música eletrônica nas ruas de São Paulo começa com o empurrão dado pelos sistemas de som na zona leste, como o Barulho.Org e Dubversão. Ao longo dos anos 2000, esses soundsystems ligados à tradição jamaicana de dub e ragga abriram o caminho para o diálogo sobre o uso do espaço público, segundo o cientista político e produtor cultural Márcio Black, fundador do Barulho. A primeira festa de música eletrônica a surgir dentro desse contexto foi a Voodoohop de Thomas Haferlach.
O alemão tocava sets no Bar do Netão, na Rua Augusta, por volta de 2009, e começou a reparar como o som atraía público para a calçada do bar. "Nem se chamava Voodoohop ainda, não era nada demais, eu só botava umas músicas que, em São Paulo, geralmente eu só ouvia em clube caro", conta. A ideia se expandiu e Thomash e os demais organizadores começaram a realizar festas cada vez mais em direção ao centro velho da capital: Praça da República, Largo do Paissandú. "A gente atingiu uma galera que não tinha esse costume de sair do lugar que eles conheciam — Vila Madalena, Augusta — e levamos eles pra lugares que eles não conheciam. E sempre dava certo."A partir desse momento, os coletivos começam a brotar e festas como a Metanol.fm de Akin, Free Beats de Mauro Farina, Sonido Trópico, Mamba Negra, Carlos Capslock, Selvagem e outras começam a tomar as ruas do centro da cidade. Todo esse movimento foi registrado mais tarde pelo documentário O que é Nosso - Reclaiming the Jungle, gravado pelos cineastas Jerry Clode, Murilo Yamanaka e Allyson Alapont. No geral, as festas eram feitas por conta dos próprios organizadores. "Numa semana, a gente fazia um evento com ingresso e ganhava um lucro, e usava esse lucro pra pagar a próxima festa. Como era de graça, muitas vezes a gente conseguia um preço barato para alugar as caixas, [pois] também estavam apoiando essa ideia", conta Thomas.Leia o restante da matéria na VICE.