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Mergulhadores do Mar do Norte Enlouqueceram Por Causa do Petróleo

A Noruega sempre foi um lugar de pescadores entediados. Até descobrirem petróleo sob o mar, dando início a uma Febre do Ouro subaquática.

Still de Mergulho Profundo.

A Noruega costumava ser um país de pescadores, lenhadores e gente muito boa em atravessar campos desolados gigantes usando esquis. O resto dos escandinavos torcia o nariz para seus primos comedores de baleia. Metade das piadas típicas suecas acaba em “noruegueses são tão burros. Hahaha!”. Na terra do black metal, dizem, todo mundo bebe Maria Louca e briga nas ruas só para afastar o tédio. Os suecos ainda fazem piada com os noruegueses. Meu amigo Tom, que nasceu em algum lugar perto do Círculo Ártico, confirma que essa coisa de beber e brigar é mesmo a forma predileta de diversão por lá. A diferença é que hoje em dia as piadas suecas vêm carregadas de inveja e a história de beber Maria Louca só serve mesmo para fazer graça.

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Tudo por que a Noruega, que já foi o país mais pobre da Europa, mudou muito desde a chegada do mais precioso e mortal commoditie moderno: o petróleo. Grandes depósitos de petróleo e gás vêm sendo descobertos no Mar do Norte desde 1969. As grandes profundidades oceânicas ao longo da costa norueguesa impedem que o petróleo seja canalizado por terra. Para levar um oleoduto a tais profundidades, as autoridades norueguesas financiaram uma série de mergulhos de teste, com a indústria de mergulho norte-americana ajudando a desenvolver métodos seguros que permitissem trabalhar a até 400 metros abaixo das ondas. Muito dinheiro foi gasto para que esses recursos pudessem ser explorados. Aqui no norte estávamos num novo Velho Oeste.

No começo, as companhias estrangeiras dominavam a exploração da plataforma continental norueguesa. Essas empresas foram responsáveis por desenvolver os primeiros campos de petróleo e gás do país, mas, em 1972, o governo norueguês criou a Statoil e o princípio de 50% de participação estatal em cada licença de produção foi estabelecido. No dia 10 de junho de 1981, o parlamento norueguês aprovou planos de desenvolvimento para um duto que levaria gás e petróleo do frio Mar do Norte até o continente. A construção estava nas mãos do governo. Escolher canalizar o petróleo para o continente tornou a Noruega um dos países mais ricos do mundo.

Membros da equipe da Statpipe – foto cortesia de Angus Kleppe.

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Como muitas histórias de imensa riqueza, essa também tem um lado sombrio – faceta explorada no novo filme de Erik Skjoldbjærg, Mergulho Profundo, um suspense tenso escolhido por George Clooney para se tornar um remake na única língua reconhecida por Deus, o inglês americano. Skjoldbjærg está familiarizado com ter seu trabalho refeito por Hollywood. Seu filme de estreia, Insônia, foi refeito por Christopher Nolan com Al Pacino e Robin Williams no elenco.

“Considero-me sortudo por Nolan ter feito o filme”, me disse Skjoldbjærg. Mergulho Profundo, que tem trilha original do Air, é sobre os mergulhadores do Mar do Norte, também conhecidos como “mergulhadores pioneiros”. Esse homens desceram até novas profundidades como parte do processo de exploração do petróleo. A maioria deles sofreu danos físicos e psicológicos como resultado de operar numa profundidade tão grande – hoje é considerado inseguro mergulhar a mais de 180 metros, mas nos anos 70 esses pioneiros trabalhavam em oleodutos a mais de 500 metros abaixo da superfície.

Um deles foi Angus Kleppe, que contou ter sofrido “ferimentos neurológicos no sistema nervoso central” quando trabalhava para a Seaway Diving, prestadora de serviços de várias companhias petroleiras e do governo norueguês. Klepp e sua equipe eram mandados de um navio para as profundezas, usando um sino de imersão e respirando um gás desenvolvido especialmente para que eles pudessem trabalhar sob a enorme pressão do leito oceânico, onde a única visão possível era a de seu próprio veículo.

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Oleoduto da Statpipe, 350 metros abaixo da superfície do Mar do Norte – foto cortesia de Angus Kleppe.

Nessa profundidade, Kleppe nunca viu outra criatura viva – fora uma vez em que encontrou uma equipe americana atrás do mesmo petróleo que ele. “Eu só acenei. Quando se está trabalhando em condições tão perigosas, você não vai nadar até lá e começar a arrancar os equipamentos deles. Eles podem ser nossos rivais, mas somos mergulhadores e respeitamos uns aos outros.”

Esse respeito ainda estava presente em terra, nos pubs, onde mergulhadores de diferentes países tentavam superar um ao outro com suas histórias de heroísmo. “Éramos como soldados de diferentes regimentos, todo mundo tentando contar a melhor história”, disse o ex-mergulhador.

Mas a enorme pressão mental e física colocada sobre esses homens cobrou um preço alto. Mergulhadores saturados precisavam passar semanas em câmaras de descompressão. Esses trabalhadores acabaram usados como cobaias para qualquer novo gás ou avanço médico que pudesse colocar suas companhias na frente. “Todos estavam experimentando, mas as consequências desses experimentos não eram comunicadas aos mergulhadores”, explicou Skjoldbjærg, cujo filme, ele acredita, mostra um momento chave da história norueguesa.

Alguns dos mergulhadores pioneiros – foto cortesia de Angus Kleppe.

“Quando eu era criança, sempre senti que a Noruega era a irmã mais nova da Escandinávia. Encontrar petróleo mudou tudo. Em 20 ou 30 anos, o país se tornou um lugar diferente. Isso mudou nossa mentalidade e mudou quem somos”, enfatizou. “Enriquecer tem muitos lados. Riqueza é uma coisa positiva, mas, quando eu era criança, havia um sentimento de comunidade muito forte na Noruega. Você dependia dos outros. Acho que isso pode ter se perdido.”

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Os mergulhadores do Mar do Norte, trabalhadores das áreas rurais das cidades portuárias da Noruega, são um símbolo disso. “Os mergulhadores ganhavam confiança com cada mergulho de sucesso”, me confidenciou Skjoldbjærg, “mas logo descobriram que problemas de saúde sérios, físicos e mentais, eram o preço a pagar por isso”. O petróleo trouxe uma riqueza inimaginável para a Noruega, mas também trouxe atrito para uma sociedade que antes era muito unida.

Isso é algo ecoado por Kleppe quando ele fala sobre o orgulho profissional que sentia por sua coragem e a de seus colegas. “Os noruegueses tinham o recorde – descemos 500 metros – e tínhamos muito orgulho disso. Queríamos manter isso”, ele frisa.

Mergulhador trabalhando num oleoduto da Statpipe – foto cortesia de Angus Kleppe.

Esse orgulho o fez continuar, mas não obscureceu a raiva que ele acabou sentido de seu governo e das companhias de petróleo, que ficaram ricos com seu trabalho perigoso. “Os governos são todos iguais. Eles querem dinheiro. Não tenho raiva da minha empresa de mergulho, mas fiquei frustrado com os governos e as companhias de petróleo envolvidas”, explicou.

Recentemente, o governo norueguês vem respondendo por vários processos abertos pelos mergulhadores do Mar do Norte. Em março de 2004, uma compensação que somava mais de US$ 458 mil foi oferecida a 200 mergulhadores. Agora, há outro caso do tipo sendo julgado no Tribunal Europeu de Direitos Humanos, em Estrasburgo. Em 2012, Henning Haug, da organização Offshore Dykker Unionen, disse que a Noruega “deve ver como uma grande vergonha que sua riqueza seja baseada em violações aos direitos humanos de um caráter tão sério, que agora terão de ser encaradas num tribunal internacional”.

Quando o petróleo tornou o país rico, “a Noruega aprendeu como controlar uma indústria muito maior que ela mesma”, afirmou Skjoldbjærg. Mas o que o país fez para chegar lá cristaliza alguns dos elementos mais preocupantes do capitalismo. O FMI (Fundo Monetário Internacional) atualmente coloca o país como o 4º país mais rico do mundo por renda per capita, o que seria inimaginável para quem cresceu antes de o Mar do Norte revelar suas riquezas. Essa riqueza foi assegurada às custas de trabalhadores comuns noruegueses. Alguns deles ainda lutam por uma compensação. Mergulho Profundo leva o espectador de volta aos primórdios dessa história, quando tudo ainda estava em disputa e as águas ricas em recursos do Mar do Norte tiveram um papel similar aos dos desertos cheios de petróleo do Iraque algumas décadas mais tarde.

Mergulho profundo foi lançado em DVD e Blu-Ray no dia 4 de agosto.

@oscarrickettnow

Tradução: Marina Schnoor