Por dentro da seita de fanáticos por Elon Musk

FYI.

This story is over 5 years old.

Tecnologia

Por dentro da seita de fanáticos por Elon Musk

Quem são os entusiastas da revolução energética proposta pela Tesla Motors? Fomos até a nova fábrica da empresa para descobrir.

Momentos antes que Elon Musk, CEO da Tesla Motors e da SpaceX, subisse num palco improvisado para se dirigir a seus seguidores mais fervorosos, seus assessores lhe deram alguns conselhos: "Sorria bastante, isso, sorria bastante", disseram. "Se você parecer feliz, todos ficarão felizes".

A música, uma batida eletrônica genérica, foi ficando cada vez mais fraca, e a platéia — já empapuçada de cervejas IPAs de fermentação local e ponche — foi à loucura quando o executivo entrou na tenda construída no meio do deserto para a ocasião. Ao subir no palco, Musk foi ovacionado como se fosse o Justin Bieber da meia-idade, o Beatle do Vale do Silício.

Publicidade

"ELON, EU TE AMO", grita uma voz masculina saída de algum ponto entre os 2.000 pares de bermudas cáqui que lotam a tenda. "VOCÊ É UM HERÓI", grita outra voz. Estava claro que aquele público ficaria satisfeito independente do que o presidente da Tesla e da SpaceX fizesse.

Crédito: Jason Koebler

A Gigafactory, a alardeada super-fábrica da Tesla, estava pronta. A festa celebrava as possibilidades daquele novo local: produzir baterias de íon-lítio que alimentarão carros elétricos e armazenarão energia para casas e empresas. Em conjunto com os painéis solares da SolarCity, empresa comprada pela Tesla por US$2.6 bilhões, essas tecnologias poderão transformar qualquer lar em pequena produtora de energia reutilizável. Trata-se de parte essencial do "grande plano" da Tesla: criar um mundo que não dependa de combustíveis fósseis.

Musk iniciou timidamente seu sermão. Embora ele não seja o melhor dos oradores, compensa sua falta de habilidade com um conhecimento científico impressionante e um pouco de modéstia. A multidão ouviu suas palavras com atenção. Alguns repetiam algumas delas de tempos em tempos.

"Com alguns cálculos simples, vemos que para produzir meio milhão de carros por ano, precisaríamos da ajuda de todas as fábricas de baterias de íon-lítio para celulares, laptops, carros e tudo mais. Isso só para alcançar essa meta", disse Musk. "E é claro que isso não está acontecendo, porque se estivesse, nós veríamos isso pelos satélites… Portanto, pensamos: 'OK, vamos construir essa fábrica e, com sorte, as pessoas vão comprar a ideia e acreditar no que fazemos.'"

Publicidade

"NÓS ACREDITAMOS! NÓS ACREDITAAAAAAAAMOOOOS!, grita alguém. "SALVE O MUNDO!"

Aquilo era um culto em todos os sentidos da palavra; e o que esse pastor prega é a esperança em um futuro sustentável.

"Espalhem essa mensagem", disse Musk, encerrando seu discurso. "Sei que vocês acreditam no aquecimento global, mas muita gente não acredita. Isso me deixa louco. A indústria dos combustíveis fósseis usa a propaganda para se defender. É de se esperar, mas o problema é que eles nunca param. Eles tem muito mais dinheiro do que a gente, o que me faz acreditar que essa revolução nascerá do povo."

***

Crédito: Jason Koebler

A palavra "revolução" me fez pensar. A Tesla, a SolarCity e a SpaceX são uma tentativa de tornar o futuro grandioso novamente, para citar o bordão de um certo candidato presidencial (N.da T.: O autor refere-se a Donald Trump, cujo slogan é "make America great again"). Mas como começar uma revolução quando seus principais clientes são — convenhamos — pessoas ricas?

Musk está acostumado a receber essas crítica, e os dois "Planos Mestres" que ele escreveu para a Tesla são uma boa resposta: a ideia é usar carros caros para financiar a criação de automóveis mais baratos, que ficarão mais em conta a medida em que a economia de escala entra em jogo.

Baterias de carros também podem ser utilizadas como forma de armazenar a energia gerada por painéis solares; quando ele cria carros que não precisam de combustíveis fósseis, Musk espera o mesmo com casas e empresas. Em outras palavras, essa é uma revolução de cima para baixo.

Publicidade

"Parte do motivo pelo qual escrevi o primeiro plano foi para defender a Tesla de ataques inevitáveis, como acusações de que só nos preocupamos em fazer carros para os ricos, que entramos nesse mercado porque achávamos que havia uma lacuna no ramo de carros esporte, ou qualquer outra acusação bizarra", escreveu Musk mês passado em um post sobre o plano-mestre publicado em seu blog. "Infelizmente, esse blog não impediu que milhares de artigos baseados nessas acusações fossem escritos, o que significa que ele não cumpriu seu objetivo."

O foco de Musk pode não ser vender carros para os ricos, mas não há como negar que sua revolução depende dos mais abastados. Segundo seu plano, caso os ricos não se interessem pelos seus carros elétricos, a revolução nunca acontecerá. Pensando nisso, viajei até Sparks, uma cidade no interior do estado de Nevada, para descobrir quem são os membros da Igreja de Elon Musk.

Fotografando pessoas fotografando Elon Musk. Crédito: Jason Koebler

Os 2.000 convidados da festa de abertura da Gigafactory são os adeptos mais fervorosos do plano de Musk — ou pelo menos os mais bem relacionados. Para conseguir dois ingressos para o evento, cada convidado precisou convencer cinco amigos a comprar um Tesla. Outros, alguns deles proprietários de carros Tesla ou pessoas que haviam encomendado o recém-anunciado Model 3, tiveram a sorte de ganhar um sorteio ou de serem convidados por alguém com dois convites.

Publicidade

A Tesla me convidou para o evento e me deixou dirigir um Model X por um dia; assim, eu entenderia toda a euforia em torno da empresa (nota: a Motherboard pagou meu transporte e minha hospedagem). Antes do início da minha jornada, eu e a porta-voz da Tesla que me acompanhava fomos abordados por um homem de meia-idade vestindo uma camisa pólo e uma bermuda. "Esse é o transporte para o evento?", ele perguntou (a resposta era não — o transporte foi feito por ônibus comuns, movidos à gasolina; no entanto, Musk planeja criar um microônibus Tesla em breve). "Você tem um Tesla?", perguntou a porta-voz. "Tenho dois. São os melhores carros do mundo. Não trocaria eles por nada."

Logo percebi que, ao comprar um Tesla, você está comprando um lugar numa comunidade, moldando uma imagem de si mesmo como alguém que dirige um carro futurista, alguém que se preocupa com o futuro e que muito provavelmente não se interessa por manutenções ou trocas de óleo. Ao adquirir um Tesla, você se torna uma pessoa que usa a palavra "frunk" (N.da T.: junção das palavras "trunk" ["porta-malas"] e "front" ["da frente"]) sem rir e que guarda suas compras onde a maioria das pessoas esperaria ver um motor. Uma pessoa que leva seu carro até as estações de carregamento sustentáveis chamadas Superchargers, onde é possível encontrar outros donos de carros Tesla e bater um papinho sobre as alegrias da vida consciente.

A Tesla já vendeu cerca de 140.000 Tesla Roadters, sedans Model S e SUVs Model X. Além disso, a já recebeu por volta de 373.000 encomendas do Model 3, cujo preço começa na casa dos US$35.000, o que significa que o grupinho da Tesla ainda é composto por um número relativamente pequeno de pessoas. Em comparação, a Ford vendeu 2.6 milhões de carros só em 2015.

Publicidade

Me senti envergonhado ao entrar e sair do carro. Na hora do almoço, estacionei no que eu não sabia se era uma vaga, certo de que, ao voltar, encontraria um bilhete no para-brisa me xingando por dirigir uma nave espacial por aí.

É fácil entender porque as pessoas falam da empresa de forma tão passional. Dirigir um Tesla e falar sobre essa experiência não é uma novidade, mas vou ser sincero — o Tesla Model X é, de longe, o melhor carro que já dirigi. Não tive que lidar com o famoso "medo da estrada", a sensação de que a bateria pode morrer no meio de uma viagem, ou com nenhuma outra questão de manutenção particular ao Tesla; eu estava livre para correr pelas montanhas verdes que cercam o Lago Tahoe.

Crédito: Jason Koebler

O para-brisas é enorme, o que faz o carro parecer maior do que é, a aceleração (o carro vai de 0 a 100 km/h em 3.2 segundos) é mais rápida que o arranque de muitas montanhas-russas e a bateria de íon-lítion situa o centro de gravidade no meio dos pneus, tornando o carro extremamente manobrável e quase impossível de capotar. Tudo — incluindo a sensibilidade da suspensão e dos freios — pode ser alterado com alguns toques na tela do painel; as portas do banco traseiro abrem-se para cima, como em um veículo extraterrestre, e o carro é capaz de se dirigir sozinho graças à uma mistura de radares, câmeras externas e o que parece ser magia negra. Além disso, sua aceleração (o carro chega até 249,45 km/h) é praticamente instantânea, o que torna ultrapassagens arriscadas — caso você queira ser um babaca — ridiculamente fáceis.

Publicidade

Comparado ao meu pouco utilizado Honda Accord 2000, com seus 323.000 quilômetros rodados e dificuldade em entrar na primeira marcha ou na ré (ele é automático), o Model X é inacreditável. Já comparado a carros mais razoáveis… bem, ele é mais rápido, mais divertido, aparentemente mais seguro e mais futurista. Ao testá-lo, senti o mesmo que senti ao testar o primeiro iPhone enquanto ainda usava um celular flip e meus amigos mais ligados em tecnologia tinham Sidekicks, a última novidade em celulares. Os três podem até pertencer à mesma espécie, mas não é isso que parece. Dirigir o Tesla, ao menos por um dia, foi uma experiência muito divertida.

Crédito: Jason Koebler

Me senti envergonhado ao entrar e sair do carro. Na hora do almoço, estacionei onde não sabia se podia, certo de que o carro seria não apenas rebocado, mas que, ao voltar, encontraria um bilhete no para-brisa me xingando por dirigir uma nave espacial por aí e estacioná-la em qualquer lugar. Fui super educado no trânsito, dando seta para mudar de faixa e acenando para fora do carro como quem diz sim, estou controlando essa máquina absurda que está tecnicamente sob meu poder, mas a verdade é que não passo de uma farsa. Meu outro carro é uma bicicleta, por favor, tome cuidado para não bater sua porta em mim enquanto eu pedalo pelo Brooklyn. Esses pensamentos podem ter sido absurdos, mas acho que me senti assim porque o carro era diferente de tudo o que circulava por aquelas ruas.

Publicidade

"Vocês estão parados no meio da fábrica", disse Musk para o público que lotava a tenda. Nós estávamos a aproximadamente 300 metros de distância das paredes temporárias da Gigafactory.

De qualquer forma, durante meu passeio ouvi muitos comentários do tipo: "Isso é um Tesla?" e "Uau! Um Tesla!". Quando saí do carro, na frente do meu hotel, um homem chamado Bob saiu de seu Model S e andou em minha direção — "Você dirigiu seu carro até aqui?"

Respondi que não, e Bob logo me informou que ele e seu Tesla haviam vindo da Costa Leste. "Você não fez uma viagem de carro de verdade até viajar num Tesla", disse ele. "Você já correu com ele?"

Bob me informou que quase todo os donos de Teslas já correram mais do que deveriam; no caso de dele, bateu num Camaro em um semáforo, jogando a parte superior da carroceria do outro carro para longe. Ouvi muitas histórias parecidas ao longo da noite, independente do quão tímido ou despretensioso fosse meu interlocutor. As pessoas amam correr com seus malditos Teslas, tanto quanto elas amam falar sobre esses mesmos Teslas. Bob não parecia um revolucionário; ele estava mais para um apóstolo.

***

Esse robô toca a música do Indiana Jones ao se mover. Crédito: Jason Koebler

A Gigafactory é a base dessa revolução, seu centro de comando. A empresa moveu — literalmente — montanhas, escavando parte das colinas de Nevada para construir sua gigantesca fábrica. Hoje, a Gigafactory (que recebeu esse nome porque irá, eventualmente, produzir muitos gigawatts de armazenamento de energia) ocupa o espaço de 14 campos de futebol. Quando estiver pronta, terá 557.418 m², ocupando o posto de maior construção do mundo. A fábrica ocupará um espaço maior do que o Vaticano, que ocupa uma área de 440.000 m². Sua área será equivalente a 107 campos de futebol; nas palavras de Musk, ela terá espaço suficiente para abrigar "50 bilhões de hamsters".

Publicidade

"Vocês estão parados no meio da fábrica", disse Musk ao público que lotava a tenda. Nós estávamos a aproximadamente 300 metros de distância das paredes temporárias da fábrica, que serão desmontadas e reerguidas conforme ela for ampliada.

Atualmente a fábrica é grande, mas não descomunal. De longe, ela parece um prédio branco cortado por uma longa listra vermelha. Não há por que romantizá-la; a Gigafactory não passa de um prédio grande.

O tour pela Gigafactory foi a principal atração da festa de abertura; os convidados, grande parte deles montados em seus Teslas ou, horror dos horrores, em seus carros movidos à gasolina, entraram na fila uma hora antes da abertura dos portões. Durante esse tempo, os convidados saíram de seus carros e ficaram conversando no meio da rodovia, esperando ansiosamente a hora de conhecer a fábrica.

Meus companheiros de tour — um canadense que grava podcasts sobre a Tesla, um casal de aposentados e alguns caras que faziam piadas de pai, muito provavelmente porque eles eram pais — estavam visivelmente empolgados.

"Vocês vão construir um cassino aqui, também?", um homem perguntou antes de entrarmos. Alguns minutos depois, um deles assumiu o papel de guia turístico: "Dentro dessa máquina temos lasers, e aqui, tubarões. Eles colocam lasers nos tubarões, e os tubarões fazem as baterias". Revirei meus olhos, mas ri um pouco.

"Faz sentido que a matéria-prima entre de um lado e carros finalizados saiam do outro".

Publicidade

Muitas das salas da Gigafactory estão vazias ou em construção, e muitas das máquinas ainda não funcionam. Há robôs por todos os lados e, até onde pude ver, os funcionários pareciam estar lá só para supervisionar essas máquinas. Os robôs falam: "Bem-vindo à Tesla", disse um robôzinho parecido com o R2-D2 encarregado de transportar as baterias. Os robôs também cantam — um deles toca a música-tema de Indiana Jones para abrir caminho entre os funcionários. "Esse é um robô que toca a musiquinha de Indiana Jones e traz pizza para os funcionários", brincou um dos homens com cara de pai. Quando ninguém respondeu, ele repetiu sua piada.

Crédito: Jason Koebler

Atualmente, a Gigafactory produz Powerpacks e Powerwalls, baterias que armazenam energia para uso doméstico e comercial. Acopladas a painéis solares que as carregam durante o dia, essas bateria podem um dia iluminar sua casa de forma completamente sustentável. Musk estima que, com o crescimento da demanda por armazenamento de energia, cerca de metade da produção da Gigafactory será voltada para a manufatura de Powerpacks e Powerwalls.

No momento, a fábrica ainda não está transformando matéria-prima em baterias. A produção terá início antes do fim do ano. Segundo Musk, a ideia é que as próximas Gigafactories recebam matéria-prima de um lado e entreguem carros finalizados do outro.

Se a Tesla usasse, digamos, um "pára-choques da Honda, um volante de tal marca, um motor de outra — não faria sentido construir um carro a partir de pedaços de outros carros", disse Musk. "É preciso projetar um carro como um só produto, do início ao fim."

Publicidade

Musk já fez muitas críticas ao sistema de produção em cadeia. Segundo ele, essa forma de produção incha a economia, encarece os produtos e prejudica o meio-ambiente. É por isso que a SpaceX produz quase todas as peças de seus foguetes, o que segundo Musk barateia seus lançamentos.

As baterias serão armazenadas aqui. Crédito: Jason Koebler

Ele está tentando fazer a mesma coisa com a Tesla — quando um dos convidados pergunta sobre o Model 3, Musk observa que o design da fábrica é a chave para produzir um carro elétrico mais barato. A integração desse processo é algo que Musk faz questão de ensinar para todos funcionários. Quando comento com uma funcionária como é irônico que, para tornar o processo mais sustentável, a Tesla tenha construído o maior prédio do mundo, ela responde que o verdadeiro desperdício é causado pela fabricação e transporte de pequenos componentes por meio de milhares de fábricas espalhadas por todo o mundo.

"A integração é importante; pensem no tamanho da viagem que uma molécula faz para chegar até aqui. Quando uma molécula é coletada de um lado do mundo, mandada para o outro lado para ser processada e de volta para então ser montada, isso é um trabalho do caralh—" Musk para a frase no meio.

Um deslize, talvez. Muito provavelmente não. A multidão vibra com risadas de aprovação.

"É óbvio que esse produto será caro", continua Musk. "Não dá para mandar objetos em viagens internacionais e esperar que o produto final seja barato e acessível."

Publicidade

Crédito: Jason Koebler

Como a Tesla tem uma montadora de carros em Fremont, na Califórnia, a primeira Gigafactory fabricará apenas baterias, mas se tudo der certo, ele acrescenta que "faz sentido que carregamentos de matéria-prima entrem de um lado e carros finalizados saiam do outro".

Um homem toca meu ombro e sugere que eu mude de lugar caso não queira ser esmagado

Musk diz que a Gigafactory é uma "máquina", um produto Tesla como qualquer outro. Algumas das inovações parecem revolucionárias: limitar toda a produção a uma só fábrica, por exemplo. Outras parecem ideias simples disfarçadas de ideias geniais: usar caixas de plástico para transportar as baterias ao redor da fábrica irá economizar "14 quilos de papelão por lote", diz nosso guia, apontando para uma bateria. Um dos pais faz uma piada.

***

Um técnico checa se a tenda não será arremessada no ar por uma tempestade de areia. Crédito: Jason Koebler

Após o tour, voltamos para a tenda sagrada de Elon Musk. Por coincidência, o clima logo se torna bíblico. O que começou como uma pequena garoa no caminho entre Reno e a Gigafactory se transforma numa tempestade de areia, que por sua vez evolui para uma chuva torrencial e cheia de raios. O balanço das luminárias de metal presas à tenda me assusta — um homem toca meu ombro e sugere que eu mude de lugar se não quiser ser esmagado. Um engenheiro de capacete sobe uma escada e inspeciona a tenda para garantir que nós não fôssemos esmagados.

Um funcionário da Tesla me diz que a empresa tinha apostado numa "vibe meio Burning Man", o que explica o carpete cor de areia. O festival Burning Man é conhecido por suas tempestades de areia e por sua ligação insidiosa com o Vale do Silício, o que significa que a Tesla consegui criar o clima ideal. Entretanto, o Burning Man não é conhecido por suas palmeiras e painéis de madeira falsa, coisas das quais a tenda estava cheia.

Publicidade

As luzes e a tenda ficaram no lugar, a chuva só durou meia hora, as palmeiras e a madeira falsa deixaram o lugar bonito e nós fomos agraciados com um arco-íris que riscou o céu acima da fábrica.

O evento oscilava entre o formal e o casual. O público era composto por uma mistura de nerds com bermudas e meias longas, homens de camisa social e calças cáqui, entusiastas da Tesla, mulheres com vestidos de festa. O clima era divertido — todos estavam contentes por terem a chance de ficar na fila dos passeios pela fábrica, na fila dos test drives, na fila da comida.

O vocalista da banda usa um aplicativo do iPhone que muda sua voz. Crédito: Jason Koebler

Isso não significa que não haviam oportunistas entre os convidados: as bandejas de salame e pão foram saqueadas por homens de bermuda que pareciam ter medo de nunca comer novamente. As primeiras pessoas da fila pegavam um bocado de salame e se escondiam embaixo de uma palmeira para compartilhar sua comida com seus acompanhantes, numa cena que parecia ter sido retirada de O Senhor das Moscas. A comida foi reposta ao poucos durante o evento, mas as filas do bar permaneceram vazias; até onde eu sei, a bebida nunca acabou. A festa durou até depois da meia noite, embora ela tenha amornado visivelmente após o discurso de Musk, às 21h.

Um programador de Pequim me disse que eventos desse tipo acontecem "a cada 100 anos".

A banda cover tocou uma versão instrumental de "Creep" e uma versão lenta de "Gin and Juice". Em certo momento, o vocalista usou seu iPhone como um modulador de voz.

Os convidados vieram de lugares como Alemanha, Pequim, Canadá e Japão. Um programador de Pequim me disse que eventos desse tipo acontecem "a cada 100 anos". Um cara da Virgínia me disse que aquela era uma "experiência única". Ninguém mencionou que a Administração Nacional de Segurança no Tráfego está investigando um acidente no qual um passageiro morreu enquanto o piloto automático de seu Tesla controlava o carro, que a Tesla já descumpriu vários prazos, ou que mais de 12.000 pessoas já cancelaram suas encomendas do Model 3.

Para fazer uma revolução, é preciso mobilizar as massas. Musk não tem dificuldade em mobilizar sua platéia — relaxados por causa do álcool, eles são ainda mais impressionáveis que o grupo de universitários para quem Musk discursou em março, durante uma conferência sobre o "hyperloop", um de seus projetos.

As palmeiras pós-festa. Crédito: Jason Koebler

Mas será que convencer aqueles que podem gastar US$70.000 em um carro é o suficiente? Os agitadores dessa revolução são programadores, gerentes, empresários e aposentados. Os convidados da festa são em sua maioria homens brancos envolvidos no ramo da tecnologia, pessoas que sabem qual é a diferença entre o Tesla que vai de 0 a 100 km/h em 2.8 segundos e o Tesla que chega à mesma velocidade em 4.2 segundos.

Será que esse entusiasmo irá contaminar outras parcelas da população? O Model 3, com lançamento previsto para o final 2017, pode ajudar.

Por enquanto, Musk dá ao povo o que ele quer. Após seu discurso, ele anuncia que irá fazer uma rodada de perguntas. Vocês irão mandar carros elétricos para Marte? É claro que vamos. A Tesla planeja construir navios elétricos? No momento não, "mas se ninguém mais fizer isso, nós iremos fazer". Musk explica como ele quer transformar todos os Teslas em uma frota de Uber robóticos, permitindo que o dono de cada carro ganhe parte dos lucros. "Isso poderá ampliar a utilidade desses veículos e compensar o investimento", diz ele.

Uma voz no meio da multidão o interrompe: "Os carros vão pegar Pokémons pra gente?"

"É claro que eles vão capturar Pokémons", brinca Musk. A platéia vai à loucura.

Tradução: Ananda Pieratti