A vida das mães solo
Ester ao lado de seus dois filhos, Zion e Noah. Foto: Larissa Zaidan/VICE.

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A vida das mães solo

Elas representam 40% dos lares brasileiros.

Todas as fotos são da Larissa Zaidan/VICE.

Muita gente pode até fingir que não, mas o modelo de famílias monoparentais lideradas por mulheres é tão tradicional quanto a definição clássica de família compostas por casais. Em 2014, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), quase 28 milhões de lares brasileiros eram chefiados apenas por mulheres. O número já demonstrava que 40% das famílias no país seguiam essa formatação.

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No entanto, mesmo sendo um modelo familiar muito comum no Brasil, ainda são muitos os preconceitos, os olhares invertidos, as frases dúbias e os desafios que as mulheres que criam sozinhas seus filhos enfrentam diariamente. Ou vai dizer que nunca ouviu alguém se referir a uma mãe solo como uma mãe "solteira"?

Se nas famílias com os dois pais a situação já é complicada uma vez que mulheres que criam filhos ao lado do companheiro trabalham 7,5 horas a mais do que os homens por conta da dupla (seria tripla?) jornada que criar um filho exige, imagine realizar o labor da maternidade sem nenhum auxílio.

Criando seus filhos sozinhas e matando um leão por dia, as três mulheres contatadas pela VICE contaram que na maior parte das vezes são tratadas como se fossem interesseiras ou irresponsáveis e frequentemente questionadas sobre por que estão longe dos seus filhos, por exemplo.

Por isso, em nome do Dia das Mães, três matriarcas falam sobre a experiência de ter que criar seus filhos sozinhas.

Débora Pinheiro, 30 anos, publicitária, mãe do Josh, 6 anos, e da Zoey de 4 anos.

VICE: Você imaginava que seria mãe solo quando engravidou?
Débora: Eu tinha medo disso acontecer por muitos motivos, mas a minha relação com o pai nunca foi muito estável, então posso dizer que parte de mim não queria acreditar, mas eu imaginava que poderia ser dessa forma sim.

A romantização que rola sobre a maternidade é uma coisa que atrapalha um diálogo mais sério sobre essas questões de ser mãe?
Eu sempre sonhei com isso, hoje sendo mãe eu percebo que eu mesma tinha uma ideia muito romantizada do que é a maternidade. Acho que estimular esse pensamento é nocivo porque não retrata exatamente o que é. Fico feliz de viver em um tempo onde existe uma conversa mais aberta sobre os desafios e as agruras de ser mãe. É importante pra quem vem saber sobre a experiência de outras mulheres. É lindo sim, é mágico sim, mas também é uma trolha de se segurar. É uma escolha muito séria.

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Você acha que é mais aceito na sociedade o homem não ajudar na criação dos filhos ou ser completamente ausente?
Hoje em dia um pai que pague a pensão dos filhos é visto como um puta pai herói. Ele não necessariamente precisa participar da rotina ou ver as crianças, se ele contribuir financeiramente, ele já é foda. Pra mãe, é tudo muito diferente, porque ela vai ser julgada se estiver num bar, ou trabalhando demais, ou deixando os filhos com a babá. A sociedade espera muito mais e de forma muito injusta que a mãe cumpra um papel que é dos dois. Ninguém vai julgar o caráter de um cara que abandona, talvez até fiquem chateadinhos com ele por 5 minutos, mas se essa for a escolha de uma mãe, pra ela é o fim.

"Romantizar a maternidade é nocivo porque não retrata exatamente o que é."

Qual é a melhor parte de ser mãe?
Ver a vida acontecendo. Sem a menor sombra de dúvidas acompanhar o desenvolvimento deles e ver a vida acontecendo bem na sua frente é a melhor coisa. Eu lembro muito bem do dia que meu filho mais velho olhou pra cima e viu o céu, que ele percebeu o céu ali, ele tinha 1 ano e meio, acho. O deslumbre, a alegria, o encanto dele com aquele monte de azul me emocionaram muito, foi incrível. E é até hoje com cada descoberta e cada conquista deles eu fico emocionada, choro mesmo. Além disso, os filhos têm um amor muito puro pelos pais também, é algo que eu realmente não vejo vindo de outro lugar e é imenso. Eu me sinto muito privilegiada por ter sido escolhida, de alguma forma, pra guiar esses dois seres humaninhos na trajetória deles. Totalmente incrível.

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E qual é a pior parte?
A preocupação. Af, é duro. Vai ter dinheiro pra pagar a conta? Vai acabar o leite? Fez a lição de casa? Tomou banho? Ta comendo saudável? Se machucou? Tomou o remédio? To dando atenção suficiente? Ta se sentindo tão amado quanto é? Nossa, é uma constante. Eu sinto que tem sempre alguma coisa que não posso esquecer, ou tenho que fazer pra ter certeza que vai estar tudo bem. A maternidade vem atrelada de uma carga de responsabilidade absurda e às vezes tudo que você quer fazer é tomar um café com uma amiga e não pensar em nada.

Bianca Oliveira, 30 anos, pedagoga, mãe do Benjamin de 4 anos.

VICE: Você imaginava que seria mãe solo quando engravidou?
Bianca: Eu descobri a gravidez quando já estava com 12 semanas. No quarto mês decidi terminar a relação que eu tinha com o pai do meu filho. Então eu sabia que seria mãe solo, mas não imaginei que a maternidade fosse algo tão solitário.

Enche muito o saco quando te chamam de "mãe solteira"?
Nossa, me irrito demais. A maternidade não tem nada a ver com o meu status de relacionamento. E muito menos a ver com as pessoas que eu vou me relacionar no futuro.

Você sofre muito preconceito por ser mãe solo?
Sim. Principalmente porque meu filho é mestiço de japonês. No hospital as pessoas me viam ao lado do bercinho do Ben e perguntavam pela mãe dele. E se espantavam quando eu dizia que era eu. Já ouvi gente dizer que ele era muito clarinho pra ser meu filho. As pessoas sempre perguntam por que o pai dele me abandonou, já supondo que mulheres negras são mães solo porque foram abandonadas. É bem difícil.

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"As pessoas sempre perguntam por que o pai dele me abandonou, já supondo que mulheres negras são mães solo porque foram abandonadas."

É muito difícil ter um relacionamento amoroso sendo mãe?
Total! Quando o cara descobre que sou mãe já manda a desculpa de que "não está pronto pra assumir tamanha responsabilidade agora", mesmo que a gente nunca tenha pedido nada. Eles sempre presumem que nós estamos atrás de um pai pro nosso filho. O engraçado é que às vezes a gente só quer beijar na boca mesmo. Ou um sexo casual (porque mãe solo transa também, acreditem). Pior ainda são os que acham que por sermos mães solo estamos desesperadas e somos iscas fáceis, portanto, vamos topar qualquer coisa tipo um encontro escondido às três da manhã. O preconceito é muito grande.

Qual é a melhor parte da maternidade?
A melhor parte de ser mãe é poder conviver com meu filho. Que é uma criança doce, generosa, inteligente. É poder construir e compartilhar o amor que a gente sente. E saber que por causa disso, pelo menos um pedacinho do mundo vai ficar mais bonito.

E a pior?
A pior parte de ser mãe é o barulho. A maternidade te rouba o silêncio. Tem sempre alguém falando como você deve agir, apontando seus erros, dando conselho que você nem pediu sobre a criação do seu filho. Te culpando. A gente não consegue silêncio nunca mais.

Ester Ganev, 31 anos, maquiadora freelancer, mãe do Zion, 10 anos, e do Noah de 7 anos.

VICE: Você já passou por algum preconceito por ser mãe solo?
Ester: Me lembro que na nossa primeira viagem internacional (fomos pra Buenos Aires) em todos os lugares (aeroporto, airbnb, etc) quando eu me apresentava com eles, olhavam ao redor e me perguntavam: mas cadê seu marido? Como se fosse impossível ou uma irresponsabilidade eu estar viajando sozinha com meus dois filhos. Se é possível passear com eles pela minha cidade, por que seria dificultoso em qualquer outra cidade do mundo? Além disso, o fato de eu ser branca, e eles negros, já percebi várias olhadelas pra conferir se eles eram mesmo meus filhos, ou se eram crianças de rua.

Rola uma dificuldade de ter relacionamentos criando sozinha os seus filhos?
Olha, eu acho sim. Já existe uma dificuldade geral em assumir um relacionamento, com uma mãe solo mais ainda. Eu gostaria de me relacionar com uma pessoa, não arrumar um pai pros meus filhos. Isso parece ser muito difícil pra eles. Acho que nessa sociedade só me cabe o papel de contratinho (risos).

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"Eu gostaria de me relacionar com uma pessoa, não arrumar um pai pros meus filhos. "

Você sabia que seria mãe solo quando engravidou?
Eu era bem nova e me casei achando que continuaria casada pra sempre (risos). Não imaginava, não. Mesmo depois do divórcio, não passava pela minha cabeça que ele abandonaria os filhos, porque ele mesmo sofreu o abandono do pai.

Você acha que a maternidade é muito romantizada na sociedade?
Certamente. Fui mãe muito nova, e me lembro quando tive o Zai (depois de uma cesária desnecessária e cheia de violência obstétrica) eu olhei pra aquele bebezinho penteado e cheirosinho e pensei: cadê aquilo de "quando nasce um bebê também nasce uma mãe?". Eu só sentia uma necessidade louca de não deixar aquele bebezinho morrer (risos). Via as campanhas de amamentação, sobre a importância da criação de vínculo entre mãe e filho e achava uma loucura porque né, era tão óbvio que uma mãe fosse apegada ao bebê. Me senti muito culpada por não ter essa inundação de amor que todo mundo fala.

As pessoas de fora estranham quando você fala que cria seus filhos sozinha?
A primeira pergunta é: "Mas quantos anos você tem? Começou novinha,? Depois perguntam onde meus filhos estão enquanto eu tô trabalhando. Prefiro achar que elas perguntam dos pequenos porque estão interessadas em saber que eles estão bem (risos). E eles sempre estão bem assistidos.

Mais fotos de Larissa Zaidan no seu Instagram.

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