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Como a máfia russa salvou o ano horrível que passei numa prisão de Dubai

Conheça Karl Williams, que teve suas férias nos Emirados Árabes em 2013 viradas do avesso após ser acusado de envolvimento com drogas e ir para a cadeia.

Matéria originalmente publicada na VICE UK..

Alguns veem Dubai como o destino de férias perfeito. Praias idílicas, shoppings luxuosos e uma vida noturna agitada fazem os turistas esquecerem o muito mais sombrio do paraíso da Costa do Golfo. Apesar da reputação de ser uma das nações islâmicas mais relaxadas e moderadas do mundo, os EAU são um lugar onde a brutalidade policial abunda e o racismo é apoiado por um sistema de dois níveis, com alguns emiradenses desfrutando uma vida confortável apesar do salário baixo, mas com 88% da população migrante escravizada por ninharias.

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O turista britânico Karl Williams não sabia de nada disso quando viajou para Dubai em 2012. Ele estava mais preocupado em aproveitar o sol, o mar e a areia — isso até seis policiais armados pararem ele e seus amigos Grant Cameron e Suneet Jeerh, os arrastando para fora do carro alugado deles. Os policiais espancaram violentamente Karl enquanto o xingavam da "merda preta", como ele conta.

Não é a prisão desta história. Foto por Raul A via.

A polícia encontrou saquinhos de maconha sintética, o "Spice", no carro de Karl e seus amigos. Eles afirmam que foram torturados para dar informação sobre seu suposto fornecedor. Mais tarde Karl foi sentenciado a quatro anos no infernal sistema carcerário local, onde ele diz que estupro é normal, os detentos são rotineiramente drogados e as alas são comandadas extraoficialmente pela máfia russa. Falei com ele sobre o ano que ele passou em custódia, até que ele e seus amigos fossem perdoados e libertados em abril de 2013.

VICE: Oi, Karl, obrigado por falar com a gente. Recapitulando: quais foram as circunstâncias a cerca da sua prisão?
Karl Williams: Alugamos um carro e depois que terminamos de fazer compras, fomos colocar as sacolas no porta-malas, aí notamos que já havia um saco ali. Olhamos dentro e ele estava cheio de pacotes menores. Não pensamos muito nisso na hora, mas depois, quando estacionamos em frente ao apartamento de um amigo esperando ele sair, fomos cercados por policiais. Fomos arrancados do carro, jogados no chão, estapeados e levados para o deserto, onde eles começaram a nos atacar com tasers.

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O que eles queriam?
Um deles disse "Ligue para o seu traficante e faça ele trazer mais spice para nós". Eu disse "O que diabos é spice?" Eu nunca tinha ouvido falar disso. E ele disse "Conte de quem você conseguiu isso". Respondi "Amigo, não sei do que você está falando". Eles também usaram várias ofensas raciais, o que é típico das autoridades lá. Éramos constantemente xingados pela polícia e os carcereiros. Qualquer um que não seja emiradense puro sangue é desprezado. Depois disso, eles nos levaram de volta para o hotel e me chutaram até quebrar minha mão. Eu estava vendado, e eles deram choques com fios elétricos na parte interna da minha coxa e nos meus testículos.

Que horror. Quanto tempo você ficou preso?
Fui perdoado e libertado depois de cumprir um pouco mais de um ano. Estive em duas prisões lá: Port Rashid e Dubai Central Prison.

Como eram as condições lá?
Em Port Rashid as condições eram nojentas. O lugar estava superlotado, com cerca de 300 pessoas numa prisão que deveria receber apenas 100. A comida era horrível e os detentos comandavam o lugar. A segunda prisão era muito limpa e a comida era boa. Mas o lugar também era comandado pelos presos, e a maioria dos outros detentos eram loucos. A máfia russa eram os caras mais respeitados lá. Eles foram muito simpáticos comigo; eles eram como gente normal. Eles eram muito respeitosos, limpos e tinham um senso incrível de moralidade.

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Além dos russos, que outras nacionalidades você encontrou lá?
Cerca de 20 a 30% dos detentos são indianos, paquistaneses ou bengali, outros 20 ou 30% são africanos, e cerca de 15% são filipinos. Também havia muitos gangsteres emiradenses.

Como funcionava o contrabando lá dentro?
Meus celulares foram contrabandeados pelos carcereiros. Havia muitas drogas ilegais, mas a maioria usava remédios prescritos. Não lembro exatamente que drogas vi lá, mas algumas pessoas usavam relaxantes e outras estimulantes. Para mim nunca prescreveram nada.

Isso é para manter os presos calmos e sob controle?
Sim, mas muita gente acaba trocando os remédios. Um guarda e outro detento me disseram que eles colocam drogas no chá rotineiramente. Eles colocavam brometo [um sedativo considerado impróprio para o consumo humano na maioria dos países] na comida também.

A capa do livro de Karl sobre o caso.

Pesado. Também ouvi que estupro é algo comum nas prisões dos Emirados, e que as pessoas usam HIV como uma arma. Você viu algo assim?
Se um gângster tinha um problema sério com alguém, por exemplo, outro detento que esfaqueou seu amigo, ele podia usar alguém com HIV para infectar a pessoa e se vingar. Também tinha esse cara que estuprava vários recém-chegados. Não sou um bandidão nem nada, mas quando vi o cara, olhei para ele e dei risada. Eu disse "O quê? Você é o cara que está estuprando todo mundo?" E ele disse "Sim, coloco drogas no chá deles e depois estupro".

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E quanto à violência?
Recebíamos bandejas de metal para as refeições, e os detentos cortavam pedaços delas e afiavam. Toda noite você ouvia os caras afiando os estiletes. A última coisa que você quer ouvir enquanto tenta dormir é um cara afiando sua lâmina na parede.

Como você conseguiu ser perdoado?
Se você é réu primário por porte de drogas em Dubai, você é sentenciado a quatro anos. Você também é elegível para o perdão. Esse era o nosso caso, mas acho que fomos libertados antes porque o caso recebeu muita publicidade.

Qual foi o impacto disso na sua vida?
Primeiro foi um impacto muito negativo; tive que ver um psiquiatra por um tempo. Internalizei muita coisa e obviamente tive muitas experiências ruins. Inicialmente foi difícil lidar. Quando superei essa fase negativa, isso acabou aumentando meu impulso criativo. Escrevi um livro sobre minhas experiências, Killing Time, e meu tempo na prisão também impulsionou minha carreira musical, porque eu achava difícil falar sobre o que tinha acontecido, mas era mais fácil fazer música sobre. Vou lançar um álbum ainda este ano.

Obrigado, Karl.

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