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Ciclos

O contador das mortes no trânsito no Brasil não para de subir

Quarto do mundo em valor absoluto de acidentes fatais, o país precisa melhorar em educação, investimento em infraestrutura e fiscalização

Ilustração: Issao Nakabachi

'Esta matéria faz parte do projeto Ciclos, uma série sobre mobilidade urbana feita pela VICE em parceria com o Itaú.'

Em 2011, a Organização das Nações Unidas (ONU) instituiu a Década de Ação pela Segurança no Trânsito 2011-2020. Frente a um número abismal de 1.3 milhão de mortes anuais no trânsito, com perspectiva de aumento para 1.9 milhão em 2020, a medida propunha uma série de atividades para dar uma guinada nesse cenário e cortar o número pela metade até o final da década. Enquanto resultados tímidos começam a ser colhidos pelo mundo, o Brasil ainda não tem muito do que se orgulhar: somos o quarto país do mundo em valor absoluto de acidentes fatais, um número que orbitou ao redor de 43 mil nos últimos anos.

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É um indicativo triste e que custa caro. Segundo um estudo feito pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em parceria com a Polícia Rodoviária Federal (PRF), o prejuízo causado por acidentes de trânsito no Brasil chegou a R$ 40 bilhões só em 2014, valor que inclui além de danos materiais, custos relativos à saúde assim como perda de produção laboral — os anos de trabalho que as vítimas tinham pela frente. Esse último fator ganha destaque quando se analisa o perfil dos envolvidos em acidentes fatais: 84% das pessoas têm entre 15-60 anos, ou seja, estão em uma fase economicamente ativa.

Como reduzir esses acidentes é a pergunta de um milhão de dólares que traz uma resposta aparentemente simples, mas que esconde uma tremenda complexidade: educação, investimento em infraestrutura e fiscalização. "Quando se fala em acidentes de trânsito, diversos aspectos variáveis influenciam sua ocorrência, como fatores humanos, mecânicos, estruturais e ambientais", diz Maurício Pina, professor de Engenharia Civil da UFPE especializado em infraestrutura de transportes.

As variáveis são o xis da equação e, para controlá-las, é preciso entendê-las. Maurício conta o caso de um projeto que ele faz parte que se debruça há mais de cinco anos sobre um trecho de cerca de 30 km no qual a BR 101 atravessa a região metropolitana de Recife, onde ocorrem cerca de 6 mil acidentes por ano. "Nós pegamos estudantes de graduação e fazemos levantamentos detalhados de cada quilômetro. Um exemplo: o km 68 era o que mais tinha acidentes, e não sabíamos o porquê. Ao analisarmos o tipo de acidente e imagens de satélite, notamos que o grande problema é que aquele era um trecho muito esburacado", conta o professor.

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Ele cita outro exemplo. No km 54 ocorriam poucos acidentes, mas eles apresentavam um percentual de fatalidade maior do que o resto da rodovia. Depois de verificar que eram, em sua maioria, atropelamentos noturnos, os pesquisadores fizeram uma visita de campo e encontraram o seguinte cenário: uma área de transição entre zona urbana e zona rural, com uma região residencial de um lado da pista e indústrias do outro, sem nenhum poste de luz. Ao cair da noite, os trabalhadores atravessavam a rua correndo, mas eram pegos por motoristas aceleravam além da conta depois de sair da cidade. "Era um problema de iluminação pública", afirma Maurício.

As possibilidade não param por aí. Sinalização na pista, angulagem nas curvas, qualidade do asfalta, fiscalização de limites de velocidade, assim como de consumo de álcool por motoristas, enfim, não há um culpado pelo panorama de trânsito brasileiro, mas é preciso um esforço conjunto para melhorá-lo. Isso inclui, claro, a indústria. O Brasil adotou a obrigatoriedade de airbags e freios ABS para carros novos apenas em 2014. Nos Estados Unidos, regulamentação semelhante data de 1998 e na União Europeia, de 2007. Ambos os itens garantem mais segurança para motoristas e passageiros.

Para o engenheiro e consultor em trânsito Luiz Célio Bottura, além de questões objetivas é necessária uma mudança na maneira como a relação entre carros e pedestres é construída, tanto por motoristas quanto pelo poder público. Ele sintetiza essa ideia com uma exemplo encontrado em todos os quarteirões em plaquinhas de "atenção saída de veículos" e congêneres. "Quem devia ter sua atenção chamada era o motorista, e não o pedestre. Quem está invadindo a via, a calçada, é o carro afinal de contas. Uma mudança comportamental é fundamental", diz Bottura. "É o veículo que deve respeitar o pedestre, e não o contrário."

Parece uma ideia básica, mas a verdade é que ainda estamos mais próximos daquele desenho clássico, de 1950, no qual o cidadão de bem por excelência vira um monstro quando senta atrás do volante. E, ainda que faixas de pedestres e passarelas elevadas ou subterrâneas facilitem a vida de quem está a pé, elas existem em número insuficiente para mudar esse cenário. "Em vias rápidas, às vezes você tem um ponto de ônibus distante centenas de metros da faixa de pedestres. Não é razoável acreditar que vá se deslocar tanto para atravessar a rua, tanto na ida quanto na volta", afirma o engenheiro.

O fato de ônibus urbanos circularem por vias rápidas por si só já é um problema, já que por ali os pedestres sempre estarão em uma situação de risco. Por isso, um dos pontos fundamentais dessa discussão é o investimento em meios alternativos de transporte, como metrô e trens. Membro da Academia Brasileira de Engenharia, Maurício Pina conta que uma das principais discussões do grupo é como diversificar a matriz de transporte brasileiro e reduzir a dependência excessivo em apenas um modal, o rodoviário.

Enquanto isso, continuamos com o alto número de mortes no trânsito que, na realidade, pode ser bem pior. O Brasil subnotifica acidentes fatais, já que só são considerados assim se o passageiro ou motorista estiver morto na hora do boletim de ocorrência — se o óbito ocorrer em decorrência do acidente depois, não é considerado fatal. Mas há esperança: "Nós trabalhamos com prevenção, temos que ser otimistas. Afinal, já foi bem pior", diz Bottura.

Acesse o site www.projetociclos.com.br  e assista ao documentário sobre mobilidade urbana que fizemos em parceira com o Itaú.