FYI.

This story is over 5 years old.

Saúde

Probióticos funcionam mesmo?

As pessoas tomam as bactérias para digestão, imunidade, depressão e várias outras coisas. Faz sentido?
Madalena Maltez
Traduzido por Madalena Maltez
MS
Traduzido por Marina Schnoor
Crédito:  Alex Bueckert / Getty

Por grande parte da minha vida, eu pensava em probióticos como algo que eu só beberia se perdesse uma aposta. Aí uma síndrome do intestino irritável (SCI) causado por stress transformou meu trato intestinal numa rio de merda constante – estamos falando de semanas com tudo que eu comia indo direto para a minha bunda em forma líquida. A internet dizia que probióticos eram minha melhor aposta não farmacêutica para ajudar meu sistema digestivo a se acalmar, então engoli meu orgulho (e minha primeira kombucha), e meio que vi a luz. Minha SCI não foi totalmente curada, mas os probióticos me ajudaram a passar menos tempo na privada com os olhos arregalados de terror, e mais tempo fazendo o que realmente importa – assistindo a TV com a minha família.

Publicidade

Embora probióticos existam desde que descobrimos as bactérias, eles foram oficialmente identificados por seus benefícios para a saúde no começo do século 20 pelo biólogo russo Élie Metchnikoff. Metchnikoff acreditava que “bactérias boas”, como aquelas que produzem ácido lático, podiam prolongar a vida e adiar a senilidade, e até recomendava tomar leite azedo para ter uma saúde melhor. Apesar das teorias de Metchnikoff terem sido descartadas por muitos de seus contemporâneos, o primeiro probiótico comercial, o Yakult, chegou ao mercado em 1935 e continua nas prateleiras até hoje.

Mais de 80 anos depois, probióticos se tornaram incrivelmente populares e muito lucrativos. Uma pesquisa de 2012 do National Institutes of Health mostrou que 3,9 milhões de norte-americanos diziam ter usado alguma forma de probióticos ou prebióticos (um tipo de fibra que alimenta seu intestino com bactérias benéficas) nos últimos 30 dias – 3 milhões de pessoas a mais que no estudo anterior em 2007. Probióticos agora estão disponíveis em quase toda forma imaginável – comprimidos, tabletes, iogurtes, sucos, cereais e barras energéticas. Eles teriam benefícios não só para a saúde digestiva, mas para transtornos de humor, câncer, prevenção de gripes e resfriados, e questões de saúde reprodutiva.

Quando perguntei a amigos e parentes sobre suas experiências com probióticos, tive respostas mistas. Alguns disseram que eles mudaram sua vida, outros que nunca sentiram nenhum efeito. Deixei as anedotas de lado e falei com Ben Lebwohl, gastroenterologistas e diretor de pesquisa clínica do Centro de Doença Celíaca da Universidade de Colúmbia, para saber se probióticos são um milagre ou um mito.

Publicidade

Primeiro, Lebwohl credita parte do hype mais recente dos probióticos se deve a um reconhecimento maior de que antibióticos são usados em excesso. “Uso excessivo de antibióticos tem consequências”, ele diz. “As pessoas estão procurando tratamentos que podem reequilibrar a saúde, mas que não envolvam perturbar nosso microbioma do jeito como os antibióticos fazem.”

“Microbioma” se refere aos trilhões de bactérias e microrganismos que vivem entrando e saindo dos nossos corpos. “Há cada vez mais reconhecimento das várias maneiras como o microbioma afeta a saúde”, disse Lebwohl. “E com esse reconhecimento vem a observação verdadeira de que muitas bactérias são boas para nós. Isso vai contra a ideia de que bactérias são iguais a germes, o que é igual a dano. Acontece que muitas bactérias nos mantêm saudáveis e os probióticos podem apoiar essa noção.”

Mas noção não é igual evidência, e Lebwohl alerta contra pensar em probióticos como uma cura para tudo, e examinar as maneiras como esses produtos mostraram que funcionam e aquelas em que não funcionam. Então, para quais condições médicas os probióticos se mostraram promissores e que afirmações têm a mesma credibilidade de um vendedor de carros usados cheirado?

Probióticos ajudam com síndrome do intestino irritável?

Sim, eles podem ajudar. Lebwohl disse que há estudos respeitáveis mostrando ligação entre o uso de probióticos e redução de sintomas de SCI, citando esta metanálise. Estima-se que 11% da população mundial sofre com cólicas abdominais, diarreia, intestino preso, gás ou muco em excesso em suas fezes. Enquanto parte da condição pode ser atribuída a certos gatilhos alimentares, outros parecem relacionados a stress, o que nos traz ao cerne de muitas afirmações sobre a eficácia de probióticos – o eixo intestino-cérebro.

Publicidade

Lebwohl diz que SCI não tem só a ver com desconforto intestinal. Para muitas pessoas com o transtorno, é uma questão de seu cérebro recebendo mensagens sobre dor. Ele descreve o cólon humano como “quase reptiliano”, na maneira como ele se contrai e relaxa durante o dia, mas diz que essas contrações geralmente ocorrem abaixo dos limiares da consciência, então nem notamos. Em pessoas com SCI, os neurotransmissores do intestino (sim, temos neurotransmissores lá também) podem mandar sinais de perigo para o cérebro sobre contrações acontecendo no trato digestivo.

Nesses casos, SCI é essencialmente como inibição transmarginal. “Para o cólon funcionar direito, ele precisa se contrair e relaxar de uma maneira condutiva para os movimentos intestinais normais que ocorrem em horas previsíveis, e não muito frequentemente ou muito raramente”, diz Lebwohl. “E o intestino precisa dar feedback infrequente para o cérebro. E as pessoas podem estar recebendo atualizações de seu intestino na forma de cólicas ou sentindo que estão tendo movimentos intestinais com muita frequência. Pessoas com SCI recebem com muita frequência esses 'relatórios de progresso' não solicitados do intestino.”

Como os probióticos conseguem diminuir esse fluxo de “relatórios de progresso” ainda não é completamente entendido, mas Lebwohl diz que tem algo a ver como olhar para trilhões de bactérias no microbioma e “mudar a comunidade” acrescentando probióticos à mistura, o que tem mostrando desacelerar a tendência do intestino de compartilhar informação demais em alguns casos.

Publicidade

Enquanto Lebwohl não se sente confortável indicando uma marca específica publicamente, ele disse que “uma marca amplamente usada, cujo principal composto é bifidobacterium ou lactobacilos, parece um jeito razoável de um paciente experimentar com probióticos, mas é sempre melhor fazer isso sob a supervisão de um profissional de saúde”. Ele aconselha procurar por um suplemento com algo entre 1 bilhão e 10 bilhões de unidades formadoras de colônias, ou UFCs.

Então probióticos provavelmente são bons para diarreia relacionada a antibióticos, certo?

Provavelmente. Lebwohl diz que probióticos podem diminuir o risco de ter diarreia durante tratamento com antibióticos, e também podem ter um papel em prevenir especificamente o desenvolvimento da superdiarreia relacionada a antibióticos C. difficile. Antibióticos podem acabar com as bactérias boas que te impedem de ficar doente se você for exposto a C. difficile, ou se já tem isso no seu sistema. Sintomas de C. difficile variam de diarreia líquida moderada várias vezes ao dia a infecções graves, que podem ser acompanhadas de febre, sangue nas fezes, batimentos cardíacos acelerados e pode até levar a insuficiência renal. Cerca de 500 mil americanos estavam infectados com C. difficile em 2015 e 15 mil morreram por causa disso.

Para Síndrome do Intestino Irritável, pacientes que respondem bem a probióticos podem tomá-los a longo prazo, diz Lebwohl, para manter os sintomas sob controle. Com algo como diarreia relacionada a antibióticos, você tomaria probióticos por um período definido até os sintomas desaparecerem. “Isso já foi estudado em crianças e adultos, e mesmo com os resultados variando, metanálise sugere que os probióticos podem ser uma proteção nesse contexto”, ele acrescenta.

Publicidade

E quanto ao humor? Você pode realmente tomar alguns lactobacilos ou algo assim e se sentir menos ansioso?

Não. “Há estudos sugerindo uma ligação teórica entre microbioma e até mudanças no microbioma e mudanças no cérebro”, me disse Lebwohl. Ele apontou para este estudo, onde mulheres saudáveis com problemas gastrointestinais fizeram ressonância magnética no cérebro antes e depois de um mês consumindo iogurtes contendo probióticos duas vezes ao dia.

vários estudos adicionais que ligaram stress a mudanças nas bactérias intestinais, então parece haver uma ligação. Mas Lebwohl diz que isso não é suficiente para recomendar a prática amplamente. Ele se referiu a esses estudos como “estudos de geração de hipóteses”, que podem levar a testes clínicos concretos onde probióticos são testados contra um placebo. “Esses estudos são importantes”, ele diz. “Mas é prematuro dizer que esses estudos podem mudar as práticas estabelecidas.”

OK, mas fiquei entusiasmada com a possibilidade de usar probióticos para tratar candidíase. Devo continuar fazendo isso?

Claro, por que não? Lebwohl diz: “A candidíase é basicamente um crescimento excessivo de um tipo de fungo. Em teoria, um probiótico pode ter um efeito no microbioma da vagina, apesar de provas disso ainda não terem sido realmente estabelecidas”. Não há perigo em experimentar, desde que você não sucumba à tentação de colocar iogurte na vagina.

Publicidade

Acho que agora você vai dizer que probióticos não vão ajudar com o câncer da minha mãe.

E você tem razão. Lebwohl disse que não há estudos atualmente apoiando o uso de probióticos contra o câncer, e que ele se preocuparia se alguém com um sistema imunológico comprometido usasse probióticos. “Ainda não há um estudo adequado sobre o câncer e probióticos, e eu me preocuparia com o uso de probióticos por alguém que pode ter o sistema imunológico comprometido pelo câncer, porque há casos raros mas documentados de infecções surgindo pelo uso de probióticos.”

Uma pesquisa de 2017 com pacientes com câncer mostrou que mais de 80% deles estavam usando algum suplemento, vitaminas, minerais ou ervas para tratar problemas digestivos causados pela quimioterapia. Os pesquisadores notaram que enquanto esses suplementos podem ser benéficos em alguns casos, eles também podem mudar o metabolismo de drogas usadas no tratamento, ou levar a condições perigosas como sepse por causa do sistema imunológico comprometido do paciente.

A página do Memorial Sloan Kettering Cancer Center sobre probióticos diz que mais testes clínicos são necessários para confirmar a eficácia de probióticos, e também fornece uma lista assustadora de casos onde os pacientes desenvolveram sepse ou outras infecções bacterianas por tomar probióticos durante o tratamento do câncer.

OK, mas eu deveria continuar tomando probióticos para melhorar minha imunidade, certo? Combater gripes? A Jamie Lee Curtis que disse.

Publicidade

Sim, ela disse, mas você deve ter notado que não vê mais esses comerciais de iogurte. Isso porque, em 2010, a Comissão de Comércio Federal dos EUA e 39 promotores estaduais proibiram essas propagandas, descobrindo que a Dannon Company não tinha evidências científicas para apoiar essas afirmações. A Dannon teve que pagar $21 milhões para resolver as investigações associadas.

Enquanto um estudo de 2009 mostrou evidências de redução de sintomas de gripe e resfriado em crianças entre três e cinco anos, e uma análise de 2015 ter mostrado que probióticos são melhores que placebos para evitar infecções agudas do trato respiratório superior, nenhuma convenceu o National Institutes of Health da eficácia de probióticos para gripes e resfriados. O NIH confirma: “as evidências são fracas e os resultados têm suas limitações”.

Então, para o bem-estar geral, probióticos não são realmente úteis?

Certo. “Não há provas de que tomar probióticos promove intrinsecamente o bem-estar”, diz Lebwohl. “E alguém que se sente saudável não tem motivo para tomar probióticos.” A Escola de Saúde de Harvard concorda, dando um não endosso morno para os probióticos: “O melhor que podemos dizer é que eles não são prejudiciais e que podem ajudar”.

Há ciência de verdade dizendo que probióticos podem ajudar com certos tipos de diarreia, mas para outras condições, essa não é uma aposta certeira. Lebwohl diz que a primeira coisa que precisa mudar para os probióticos se tornarem realmente legítimos na comunidade médica e a regulamentação deles. Como atualmente são vendidos como suplementos alimentarem, probióticos não estão sujeitos aos mesmos padrões do FDA para medicação. Isso significa que não só eles não têm provas de que probióticos funcionam, mas também que não há garantia de que os rótulos desses produtos realmente mostram o que tem na garrafinha.

Siga a VICE Brasil no Facebook , Twitter, Instagram e YouTube.