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Noisey

Adeus, Cherry Taketani

Uma homenagem a Cherry Sickbeat, ex-vocalista do Okotô e que hoje tocava guitarra no NervoChaos. Figura histórica do underground, morreu no domingo (3), vítima de um câncer.
Foto: Didier Coste/Divulgação NervoChaos

Cherry Taketani, uma das roqueiras mais influentes do underground nacional, morreu vítima de câncer na manhã do último domingo (3). O tipo da doença não foi revelado, mas ela havia sido diagnosticada menos de uma semana antes, e não resistiu. Conhecida como “Cherry Sickbeat”, tocava guitarra no NervoChaos e no HellSakura. Passou também pelo Hats, como baterista. Foi no vocal do Okotô que se tornou figura emblemática. O Okotô começou no meio dos anos 1980, em Campinas, interior de São Paulo, fazendo um som diferente, com instrumentos japoneses e umas pirações. Aos poucos a banda enveredou para o rock de garagem, e, de repente, virou uma das mais inflamadas dos anos 90.

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Foi quando eles lançaram o álbum Monstro (1993), um clássico. A Cherry era baixinha, mas tinha uma presença tão forte que botava banca no rolê. Nas antigas, andava de skate na Praça Roosevelt no maior style, e chegou a ter um problema no joelho resultante da prática. Todas as bandas das quais ela participou eram muito boas, transitando entre o garage, o punk e o metal. Entrava moda e saía moda, Cherry sempre representava no visual headbanger-skater-punk, orgulhosa de suas referências e sua cultura, direto impactando com uns cabelos, makes, botas, jaquetas e calças muito legais. Roqueira guerreira, como costumam dizer dela os amigos próximos.

Cherry curiosamente nunca revelava quantos anos tinha. Mas o camarada Bart Silva, que tocava com ela no HellSakura, contou que, no começo do Okotô, ela precisava de autorização dos pais para se apresentar, já que era menor de idade. Pelas nossas contas, vai se embora muito nova, deixando saudades e uma inspiradora caminhada como legado.

No intuito de uma pequena homenagem, o Noisey conversou com alguns amigos e amigas da Cherry, que logo abaixo comentam a sua importância para a cena e o quanto era querida.

Lu Riot

Produtora de eventos e DJ

“A Cherry sempre foi uma referência no mundo do rock feminino, uma pessoa muito querida, honesta e amiga. A melhor presença de palco e referência que pude ter em toda minha carreira foi dessa pessoa incrível. Sua energia sempre contagiava a todos. Nessas duas décadas de vivência pelas noites de São Paulo como promoter, sempre agendava alguma de suas bandas, tributos, etc. Uma imagem que nunca me saiu da minha cabeça foi uma ocasião há mais de vinte anos, na porta do Der Temple, quando eu estava na fila esperando para entrar na casa e a vi saindo com uma de suas botas gigantes de plataforma – devia ter uns 25 cm – e pensei: ‘Que mulher!’ Também esperava ansiosa pelo videoclipe “Give Me Your Money”, na MTV. Cherry deixou seu registro e vai fazer muita falta a todos.”

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Bart Silva

Baterista do HellSakura

"Fundamos em 2006 o HellSakura, banda com a qual gravei o primeiro CD, foi lançado aqui e no Japão, em 2007. Foi uma experiência maravilhosa. Ela era uma mulher de atitude, e de uma personalidade forte, que sabia e sempre soube onde queria chegar. Essa bagagem eu carrego comigo no Baleia Mutante. Sempre vou ter um quê da Cherry em mim."

Jan Veneziani

Editou o zine 'Screaming For Change' ao lado da Silvana Mello

“A Cherry esteve presente à cena do rock alternativo desde a década de 90. A primeira vez que vi o Okotô ao vivo, eu era adolescente e estava na extinta Der Temple. Depois de anos, começamos a ter mais contato por conta das matinês do Hangar 110 e das bandas de meninas, sem contar os eventos de skate onde que ela sempre esteve presente. Ela conversava com todo mundo e estava sempre envolvida com diversas atividades. Tinha muita dedicação por todas as bandas das quais participava, cantando, tocando instrumentos, indo assistir aos shows das bandas dos amigos e incentivando muito tudo o que fosse ligado à cena independente. Essa atitude, necessária, de incentivo à participação de todos, de alegria, de vontade de realizar, vai fazer uma falta imensa. É uma perda gigante para todos.”

Rodrigo Carneiro

Vocalista do Mickey Junkies

“Sempre tive a Cherry Taketani em alta conta. Conheci o trabalho dela ainda na fase inicial do Okotô, em que musicalidade tradicional japonesa, pós-punk e tecno-pop davam as cartas. Eu, que já adorava o que ela fazia em duo com André Fonseca, testemunhei o gradual direcionamento para searas mais pesadas. O que ocorreu de modo muito legítimo. Lembro da minha imensa alegria em vê-los na plateia de um show dos Mickey Junkies. O empresário deles, o também saudoso Nano, era um dos mais exultantes e passou a nos representar. Foi aí que a proximidade ficou mais intensa. Dividimos inúmeros palcos e delírios. Era fascinante a transformação que se dava naquela criatura. Findo o Okotô, a encontrei diversas vezes. E acompanhei os belos projetos musicais nos quais ela mergulhou – sem contar a surpreendente prática do skate. Penso na Cherry como uma mulher extremamente livre e que teve nas próprias convicções um compromisso perene. Uma das maiorais da música não convencional brasileira que cruzou oceanos e continentes de roupa preta e guitarra em punho. Façamos barulho para ela.”

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Flávia Biggs

Voz e guitarra da banda The Biggs

"A primeira vez que eu vi a Cherry foi na TV, num videoclipe do Okotô, e pensei: “Olha essa mina, que fodaaaa!” Era começo dos anos 90. Alguns anos depois nos conhecemos nos rolês do rock das minas! Fizemos muitos shows juntas! Hats e HellSakura eram bandas irmãs da The Biggs. Inclusive tive o prazer de substituir a Eliane [guitarrista] num show e foi só amor! Mulher de projetos mil, sempre agregadora, convidava todas as minas pra somar! Produzia festivais voltados pras mulheres, como o Festival Viva La Woman, e arrasava muito em todas bandas que tocou. Estudiosa, compenetrada na guitarra, determinada e muito apaixonada pelo rock’n’roll. Sempre representando forte as mulheres com sua postura e atitude! Vai fazer muita falta por aqui!"

Eliane Testone

Voz e guitarra do Hats

"Eu já admirava a Cherry como guitarrista do Okotô, pelo seu destaque nos palcos. Eu ia puxar papo com ela depois dos shows até que nos encontramos um dia em que ela andava de skate no Pacaembu e me disse que queria tocar bateria. Na hora pensamos em montar uma banda e convidar a Helena para tocar baixo. Dessa conversa nasceu a nossa banda Hats, que durou oito anos. Nesse tempo eu virei fã não apenas da dedicação e talento dela, mas da sua personalidade única, amizade e lealdade. Cherry é exemplo de persistência, paciência e respeito. Me mostrou que não precisamos de drogas ou álcool pra fazer rock. Precisamos é ter compromisso, vontade e paixão. Tive sorte de tê-la como amiga e parceira de banda. Uma pena ter partido tão cedo. Vai deixar muitas saudades e um monte de música boa. A sua voz ecoará todos os dias em nossos corações."

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Silvana Mello

Artista plástica, foi vocalista do Lava

"Eu não lembro como conheci a Cherry, sei que foi logo que cheguei do Sul, talvez no Der Temple. Vim pra São Paulo em 93, pra estudar, ver shows, e andar de skate. Tinha apoio de uma marca e andava sempre em algumas pistas. Um dia, na Praça Roosevelt, a Cherry apareceu, e me disse que estava querendo começar a andar. No outro dia ela montou um carrinho, e começamos a ir pras pistas juntas. Íamos quase todos os dias no Passat dela pra ZN, São Caetano, e São Bernardo. Acho que ela tinha muita vontade, disciplina, se dedicou ao skate da mesma forma que fazia com a música. Em pouco tempo já dava uns olliezinhos, e foi só melhorando. Nesses rolês a gente se divertia muito. Algumas casas noturnas tinham rampas, e íamos andar. Uma vez ela me chamou pra ir com ela e os outros okotôs pra um show que eles fariam em uma convenção de tattoo em Curitiba. Foi quando nos aproximamos mais. A irmã dela tinha uma loja de gibis por lá. Eu fazia um fanzine de hardcore straight edge, chamado Screaming for Change, e a Cherry escreveu um texto super legal sobre lançamentos de gibis e mangás. Ela tinha muito orgulho de ser japonesa, a cultura oriental estava presente em tudo que fazia. Eu nunca tive banda com ela, mas a minha banda, o Lava, tocava sempre com o Hats. A Cherry era uma das meninas mais doces que eu conheci. Quando penso nela só lembro dela meio tímida, não falava muito, mas sempre dava umas risadinhas. Nos afastamos, mas quando tive a minha filha ela levou um gato japonês de brinquedo de presente. Nos últimos anos encontrei com ela no aeroporto, ela indo pro Japão com uma turma de japoneses. Só sabia dela pelos posts no Instagram, dela sempre tocando. O que eu acho admirável é como ela nunca desistiu do rock. Fazia tudo que tinha vontade. Eu sempre admirei muito a maneira como ela se importava e tratava os animais. Uma vez, vi uma foto dela com um cachorro de rua, pedi pra bordar, e ela adorou a ideia, fez parte de uma exposição minha, que chamei de Meus Raros Amigos, (na galeria Laura Marsiaj no Rio de Janeiro, em 2012) o que se encaixa perfeitamente pra descrever a Cherry. Era uma pessoa rara, uma grande amiga, que merece todas as homenagens que fizerem pra ela."

Edu

Baterista do NervoChaos

"A Cherry sempre foi uma guerreira, uma das pioneiras na música e tive a oportunidade de te-la como minha amiga por mais de 20 anos….no NervoChaos estávamos juntos a quase 03 anos…ela, com absoluta certeza, deixou a sua marca e continuaremos honrando a sua memória no lugar que ela mais gostava de estar, no palco! R.I.P. guerreira!!!"