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Música

Rio Parada Funk 2014: Quando o Funk Invadiu o Sambódromo

No último domingo (14), nossa dupla de repórteres foi ao evento intitulado como o “maior baile de funk do mundo”, e conta tudo o que viu e viveu por lá - cada um com seu olhar. Isso é o que chamamos de uma cobertura completa.
Com a palavra, Eduardo Pininga:

Essa foi a minha primeira vez em um Rio Parada Funk. E também foi a primeira vez que eu pisei no famoso Sambódromo - assim como todo brasileiro que não mora no Rio, passear pela famosa avenida só rolava por meio da televisão, na transmissão do carnaval. Graças a Deus, dessa vez os gritos de "Notaaaaaaaa… no-ve-vír-gu-la-cin-co" do júri carnavalesco foram trocados por refrões como "Muito louca de balinha" e "Aaahhhh, eu vou gozar", que integram o léxico do funk carioca atual. Apesar da diferença musical, os elementos que compõem tanto o desfile das escolas de samba do Rio e o Parada Funk são praticamente os mesmos. Em ambos os casos, lá estão comunidades e times colocando grandes carros e sistemas de som na rua, disputando a preferência do público que não deixava uma letra ou montagem passar batida. Tudo era vividamente acompanhado por cantos ou um passinho. Mas, no lugar de grandes fantasias com plumas e paetês apoiados por cenários apoteóticos, a regra para brilhar era simples: correntes de ouro que pareciam pesar alguns quilos, bonés customizados com palavras como "FUNK" ou "DJ XOU", um abdôme e/ou bunda sarados e uma selfie com seu DJ ou MC favorito.

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Um adendo: o jogo da selfie não era algo pra se brincar. Alguns artistas mais modestos passeavam pela multidão agraciando seus fãs, antigos ou recém-adquiridos, com seu sorriso pixelizado para os espertofonoes da geral. Os mais famosos, porém, nem tanto e acabavam gerando uma onda de atropelamentos e disputas entre as pessoas que se acotovelavam para capturar nem que fosse um pedaço do braço do seu ídolo. Até eu e um amigo caímos na ingenuidade de tirar uma foto com a Lacraia, do MC Serginho, para depois sermos lembrados de que na verdade ela morreu em 2011, e ali na nossa frente estava apenas um cover muito bom. O MC Smith que o diga, ao se apresentar no palco principal - que mantinha uma certa altura e distância do público abaixo -, ele pediu para subir nas costas de alguém e foi pro meio da galera, agraciando alguns felizardos com uma foto mais próxima de seu rosto ou do seu rego, dependendo de que lado da situação você estivesse. Mas nesse burburinho, um francês passeava tranquilamente sem fazer nenhum alarde, trocando ideia e fotografando alguns personagens da festa. Muitos podiam não entender a sorte do que estava acontecendo. Simplesmente eles estavam falando e sendo clicados por um dos mais famosos documentaristas de baile funk do universo, o Vincent Rosenblatt.

Confesso que na hora das brigas, o ácido já tinha batido & ido embora & batido de novo, o que me fez prestar atenção ao chamado das pessoas que estavam em cima dos palcos se protegendo da tragédia que estava rolando na pista. De cinco a dez pessoas se juntavam para bater em apenas um, que acabava desfigurado quando finalmente os seguranças chegavam para apartar a briga. Seguranças que, ao invés de passar a sensação segurança, possuiam apenas o dom de serem facilmente identificáveis na multidão com seu uniforme laranja berrante inofensivo. Quem testemunhava as brigas parecia se dividir entre apreensão, curiosidade ou apatia total, mas medo mesmo só sentiu quem estava preocupado de não ter cerveja gelada o suficiente. Mas teve cerveja gelada até o fim, sim. Gringos, crianças, negros, brancos, gays, trans e homens prateados pareciam andar pelo evento sem maiores preocupações. Minhas unhas pintadas de florescente, que poderiam ser um problema em algum ambiente mais conservador, não significavam nada perto do símbolo do "Tudo 2" que eu tinha acabado de fazer na minha cabeça em um dos quiosques da Batalha de Barbeiros.

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A competição, então, tornou-se o principal atrativo da mecânica do funk. Assim como na lei da oferta e procura, sem competição não parece existir avanços. E foi assim que tudo virou uma divertida e empolgante batalha entre barbeiros, DJ's e suas MPC's, além de dançarinos de passinho, sistemas de som, comunidades, facções, o Deus católico contra o Deus evangélico.

Mas o ponto principal da festa, que deveria ser a música, não encontrava muitos concorrentes. Nos mais de dez palcos pelos quais eu passava a cada hora, não ouvi nenhuma rasteirinha, e muito menos o funk paulista, exceto pelos hits recentes e extravagentes do MC Livinho e MC Bin Laden. As clássicas montagens dominavam os palcos que cantavam, em clima de nostalgia, sons de antigos bailes. E, sabe, por não ter crescido no meio de nomes e letras que eram facilmente reconhecidos por qualquer carioca, senti que fiquei de fora da magia do festival. O funk, mais do que uma forma de expressão artística ou apenas música para fazer você dançar, também funciona como um elemento de comunicação entre novas e velhas gerações que poderiam nunca ter se falado graças ao abismo geográfico e social que divide as diferentes comunidades no Rio de Janeiro.

DJ Byano e MC Maromba aprovaram.

Com o título de "O Maior Baile Funk do Mundo", o evento talvez não represente muito o que há de novo e diferente sendo feito no funk atualmente, com diferentes interpretações e abordagens que vem sendo feitas em cidades como São Paulo, Vitória e Salvador. Ainda assim a realização de eventos como o Rio Parada Funk é com certeza a melhor maneira para que o funk se livre das mazelas midiáticas e preconceituosas com a qual viveu praticamente sua vida inteira.

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Vamos à Lousa: Um Balanço sobre a Festa

Com a palavra, Renato Martins:

O domingo (14) estava quente e com o sol de rachar. Foi nesse clima que rolou a quarta edição do Rio Parada Funk, maior evento do gênero no Brasil, que já passou pela Cinelândia, foi pra Lapa, chegou ao Sambódramo no ano passado - e por lá mesmo ficou. Gratuita, a festa recebeu 12 equipes de som: a Big Mix, Pipos, Furacão 2000, A Coisona, Som do Negão, Série Gold, Cash Box, Hollywood, Espião, Pitbull, CurtiSom e os amigos do Apavoramento, que ao invés de levar o paredão de som, estavam com o seu característico som automotivo.

A assessoria do evento estima que 50 mil pessoas tenham passado por lá. Essa galera se dividiu entre procurar uma sombra, dançar no palco da sua equipe favorita e tentar ver um pouco dos 200 artistas escalados para o evento. Na Big Mix, havia um número grande de Mc's. Já na Hollywood, os DJs se divertiam com vinis para resgatar clássicos do funk e do melody, e o público caia no passinho. A Série Gold e a Furacão 2000 foram as atrações favoritas do público e disputavam o título de maior paredão, junto ao equipo do A Coisona. No Apavoramento, Neo Baile Funk, Favela Trap e uma dose cavalar de grave, divertia os moderninhos e derrubava os desavisados.

Neste ano, o evento estava com cara de festival profissa. Ou seja, o público teve que enfrentar os conhecidos problemas de dessas mega festas. Vendedores ambulantes foram barrados, e a água saia por R$ 5. Havia outras bebidas como cerveja, vodka, energético e whisky, mas era necessário encarar uma longa fila para pegar a ficha e em seguida outra longa fila para ser atendido. A alimentação ficou por conta de duas barracas de ho dog, onde o público se dividia entre pegar o mais barato sem fila, ou amargar longos minutos sob o sol escaldante por um dog completo.Descanso? Só uma parte da arquibancada estava liberada para o público. E por um azar do destino (sério que ninguém conseguiu prever isso?), a área pegava sol. Ainda assim, nada foi capaz de desanimar a galera que se dividia entre sorrisos e passinhos.

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Neste ano, rolou uma novidade da cultura do baile funk, o corte de cabelo. Duas barbearias se dividiam em preparar os novinhos para o maior baile funk do mundo.

Em edições anteriores, os organizadores se queixavam que os problemas do funk vinham de cima, dos governantes que não olhavam para o funk como uma cultura, que era necessário mais apoio. Confesso que esperava o mesmo discurso nesse ano, ainda mais no meio do período eleitoral. Para minha surpresa, nenhuma das equipes sequer mencionou a conquista do funk em chegar ao sambódromo. Parecia que havia um sentimento de "agora que conseguimos chegar aqui, esta tudo bem". Algo bem diferente do que rolou no ano passado, quando a cada nova apresentação, as equipes vibravam em dizer "chegamos até o sambódromo; o funk está vivo; nada vai nos parar".

Mas claro que não faltou propaganda política. Na porta do evento, os panfleteiros distribuíam santinhos da Mae Loira do Funk aka Verônica Costa, ex-mulher do dono da Furacão 2000, que já foi senadora quatro vezes e que agora tenta seu primeiro mandado como deputada. No jingle, a Mãe Loira abusava da sua história no funk, com destaque para o seu trabalho em diluir os bailes de corredores. O enxame só serviu para chamar a atenção do público, mas quando o assunto é proposta, nenhuma menção ao funk propriamente dito.

A imprensa também teve lá seus percalços. Diferentemente da edição anterior, na qual imprensa e artistas estavam na mesma área, desta vez houve uma divisão, o que dificultou bastante o trabalho de quem cobria o evento. Na área destinada à imprensa não havia banco, cadeira, tomada, água, nem ao menos uma tenda. Era apenas um espaço demarcado no estacionamento. Talvez isso seja um dogma do funk. Considerando 1989 como marco do nascimento do funk carioca com o álbum do DJ Marlboro, todas as vezes em que a mídia mencionou o gênero, deu ruim. Como exemplo, podemos levantar os acontecimentos: em 93 quando rolou o arrastão na praia, evento responsável por rotular o funkeiro como bandido; em 96 quando um em cada 10 bailes eram de corredores, mas a mídia preferiu colocar todo mundo no mesmo saco; e nos anos 2000 com o proibidão. Mas a ausência da mídia tradicional não foi um problema. Pra falar a real, ninguém se importou, nem sentiu falta.

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Tá vendo alguém preocupado?

Ainda na ala dos problemas, essa foi a primeira vez – das três edições em que estive presente – que rolou uma briga no Rio Parada Funk. Se pensarmos a somatória de: bebida + som alto + sol forte, o resultado não poderia ser diferente. Mas a galera do baile funk já esta preparada para situação. Assim que as equipes perceberam que estava rolando uma confusão, pararam o som. Os frequentadores que eram da paz e estavam ali para se divertir, se afastavam para que a organização identificasse os baderneiros e os levassem para fora. Um dos Mc's disse no microfone: "Galera, vamos parar com isso, ninguém aqui quer briga. Depois a mídia põe isso no jornal e vão voltar a falar que funkeiro é bagunceiro, que o funk é briga, o que não é verdade". Ele estava certo, e logo a briga se dissipou.

Perguntei a dois garotos o que tinha acontecido, e eles me contaram que "rolou uma briga". Perguntei de novo porque tinha acontecido, e um deles respondeu "essas coisas acontecem, saiu uma briga lá no meio". O garoto desconfiado queria uma foto, mas ainda pude fazer minha ultima pergunta. Brigas eram frequentes? "Não, não acontece nos bailes, foi estranho até pra mim, agora tira a foto". Combinado, vamos à foto:

O Rio Parada Funk 2014 foi tão legal quanto a sua edição anterior. Havia espaço para todos. O branco, o preto, o gay, o travesti, o turista, o gringo. Todos que estiveram ali para curtir o som. A cultura do baile funk há anos estava precisando de um evento como esse, para encontrar as equipes, encontrar as turmas, encontrar o seu público. Em um papo rápido com Gran Master Rafael, o DJ me disse alguns nomes que já se foram e não puderam ver o funk chegar ao patamar que está. A vitória é dedicada a eles: Amazing Clay, Mc Limar e Luizinho Disc Jockei Soul. Ano que vem tem mais.