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Entretenimento

Todas as coisas escrotas, racistas, machistas e bostas que seus parentes vão dizer no Natal

Leia, queime de vergonha alheia, e aprenda com os exemplos.
Imagem via Shutterstock.

Matéria originalmente publicada na VICE Canadá.

O primo machista, o vovô homofóbico, a tia que chama castanha-do-pará de “dedos de preto” e depois ri. Aí você tem o pai que diz “que gay isso” como se fosse um moleque de colégio em 2005 e a vó que culpa os imigrantes por praticamente tudo. Voltar para casa para as festas de final de ano significa encarar uma lacuna geracional, mas também uma lacuna de consciência social. Com as manchetes infinitas sobre política e a campanha #metoo bombando no mundo todo, isso deve ficar ainda mais aparente este ano.

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Quando algum parente comete essas gafes (atrocidades?) nas conversas, você tem duas opções: dizer alguma coisa ou não. Acho que podemos dizer que ir contra a intolerância é a coisa certa, mas e se isso significa estragar o churrasco da família ou até colocar em risco seus relacionamentos?

Se você é queer ou uma pessoa não-branca, o fardo de ter que educar alguém socialmente (ou tentar) não deveria necessariamente cair sobre seus ombros. Para pessoas brancas e privilegiadas, teoricamente essa deveria ser uma prioridade. De qualquer maneira, as apostas podem parecer desconfortavelmente altas – especialmente se seu objetivo para a noite é simplesmente encher o bucho e a cara até não ver mais nada enquanto Então É Natal toca em loop.

Esperando que você possa aprender com exemplos, a VICE pediu histórias de pessoas que confrontaram seus parentes intolerantes, e elas compartilharam os resultados nem sempre perfeitos. Porque às vezes alguém precisa falar umas verdades pro seu tio Ernesto.

*Os nomes foram mudados.

Natalie*

Tive algumas picuinhas com praticamente todo mundo da minha família imediata, mas meu pai é um troll clássico e vai dizer deliberadamente coisas para ofender minha mãe e eu. Tenho graus variados de sucesso lidando com ele.

A vez em que tive mais sucesso foi quando ele começou a fazer piadas com a Rihanna ter apanhado. Fechei a cara, gesticulei para o meu parceiro e disse “Seria engraçado se ele fizesse isso comigo?” e meu pai calou a boca. A ideia não tinha ocorrido para ele, não sei como. Tento evitar a retórica “ela é filha de alguém”, já que isso quer dizer que tenho que apelar para o amor dele por mim para que ele mostre respeito básico por outra pessoa. Mas acho que funcionou porque ele sabia desde o começo que o que estava dizendo era errado e que a insensibilidade era a base da piada. Minha pergunta tornou impossível para ele tirar suas emoções disso, e acho que fez ele reconhecer que a situação era diferente para ele porque ela era uma mulher negra. Ele não brincou mais com esse assunto desde então.

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A vez de menos sucesso foi num jantar, depois que ele fez um comentário sobre as mulheres com quem ele trabalhava. Insisti perguntando o que ele queria dizer com isso (“O que você quer dizer quando as chama de 'suas meninas'? O que você quer dizer quando diz que elas são 'todas muito trabalhadoras'?”), aí a coisa descambou para ele me acusando de julgá-lo, ser muito sensível e me chamando de ser racista, machista e condescendente. Ele saiu para fumar bravo e quando voltou eu expliquei em voz alta Feminist Killjoy de Sara Ahmed para minha mãe sem olhar para ele. Ele de algum jeito ainda não abriu sua mente para críticas.

Andy*, 26 anos

Eu estava numa viagem de carro com a família quando passamos por uma reserva indígena. Não lembro como a discussão começou exatamente, mas meu primo começou a fazer comentários sobre como era inútil o governo dar isenção fiscal e outras “vantagens” para povos indígenas. O argumento dele provavelmente era aquele que todo mundo já ouviu: “supera” e “por que temos que pagar pelos erros dos nossos ancestrais?”

Eu disse algo como “Como você ousa dizer 'supere', considerando quanto você é privilegiado? Como você consegue fingir que entende?” Logo acusei ele de ignorância, que foi um erro porque meu primo pode ficar muito na defensiva se sente que estou jogando a carta “tenho mais estudo que você”, algo que já fiz antes e não tenho orgulho. Meu primo continuou dizendo que reconhecer reservas era inútil, e isso acendeu meu fogo de novo. Eu disse que ele precisava ler mais sobre o assunto, ou falar com pessoas envolvidas antes de julgar sem saber. Batemos boca intensamente no banco de trás enquanto o resto da família ficou em silêncio na frente. Acho que estava tocando Tragically Hip no rádio. Foi uma experiência muito canadense (depois vimos um urso) e acabei chorando, o que sempre acontece quando discuto com a minha família.

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Desisti temporariamente de discutir com ele. Provavelmente nem sou a pessoa certa para tentar educar alguém sobre questões indígenas porque sou branco, e sempre vou ter pontos cegos. Também tenho uma boa relação com meu primo em outras coisas – e não quero prejudicar isso. Ele é inteligente, generoso provavelmente mais gentil que eu de várias maneiras. Mas ele não me ouvir nessa questão em particular é algo que sempre me incomoda. Não sei se isso um dia vai se resolver.

Michael, 25 anos

Quando tinha 14 anos, eu morava com a minha vó enquanto estudava num colégio no centro de Ottawa, e durante esse tempo ela sempre dizia coisas de passagem que eram muito homofóbicas ou racistas. Eu frequentava uma escola de artes e às vezes ela implicava comigo, comentava que devia ter muitas bichas lá e como ela ficava desconfortável por eu passar tanto tempo numa área com tantos paquistaneses e indianos – porque era uma área realmente diversa racialmente. Na época eu estava aceitando privadamente o fato de ser gay, e ela sempre perguntava se eu não ia trazer uma namoradinha pra casa um dia desses. Ela temia que, como eu frequentava uma escola de artes, eu fosse virar gay. Até tive que trazer amigas para o jantar se passando por namoradas porque era o único jeito dela parar de encher o saco.

Alguns anos se passaram e me mudei para fazer faculdade. Aí voltei para Ottawa para o meu aniversário de 20 ou 21 anos. Também era Ação de Graças, então fui até a casa dela. Meu tio, que eu não via há dez anos e que tinha acabado de sair da cadeia, estava lá e ficou me olhando esquisito a noite inteira. Foi muito desconfortável. Aí ele foi para a cozinha e disse para minha vó que achava que eu era gay. Então tivemos uma conversa muito feia.

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Ela me perguntou “É verdade”, e eu disse “É sim” porque não queria mais esconder.

Ela desviou os olhos como se tivesse sido esfaqueada ou algo assim. Ela estava enojada, culpou meus pais – principalmente minha mãe por não me fazer entrar para o exército quando eu era garoto. Foi uma grande discussão e não falo com ela há cinco anos por causa do que ela me disse naquela noite, no meu aniversário e no Dia de Ação de Graças, que ela não me queria na casa dela. Não a vejo nem tenho notícias dela há cinco anos. Ela também cortou laços com a minha família completamente. Ela não fala com a minha mãe nem com meu pai. Meu pai até teve câncer ano passado e ela desligou o telefone quando ligaram para contar.

Penso assim: se valesse a pena ter ela na minha vida, ela estaria na minha vida. Mas não quero esse tipo de raiva, essa escuridão e esse ódio, ao meu redor. Ela se sente melhor cercada por gente que compartilha as visões dela, mas esse grupo é cada vez menor conforme o tempo passa.

Audrey*, 27 anos

Uma vez, meu tio fez uma piada escrota durante o discurso no Oscar da Patricia Arquette para o filme Boyhood, quando ela dedicou o prêmio às mães solteiras. Meus primos e tias reviraram os olhos para a piada (que era algo tipo “ah, como se essas divorciadas sofressem recebendo pensão e tudo mais”). Pausamos o programa (graças a Deus pelos serviços de streaming, assim a gente não perdeu os momentos do Chris Rock apresentando), e explicamos por que ser mãe solteira não tem graça nenhuma e não tinha nada de patético ou querendo atenção por Arquette chamar atenção para isso. Foi um momento de reação crua e genuína dos dois lados, e acabou com uma boa discussão sobre feminismo, piadas às custas dos outros e empatia. Depois comi por impulso um monte de biscoitos, mas valeu a pena.

Maria*, 32 anos

Eu estava na casa de férias da minha família. Não tem sinal de celular lá nem wifi, então a menos que você sintonize na rádio local não tem nenhuma rádio, então não tem como saber o que está acontecendo no mundo. Nessas viagens eu me sentava alegremente nas cadeiras do jardim sob o sol e nem fiquei sabendo que a Amy Winehouse tinha morrido até vários dias depois. Era um lugar para escapar.

Também era um lugar para nadar, tirar cochilos, ler, comer, beber e passar tempo com a família. Eu estava com meus pais e minha avó. Ela era uma pessoa muito legal e sempre gostei de passar tempo com ela. Era divertido falar de qualquer coisa. Estávamos passando por uma onda de calor, incêndios estavam acontecendo nas proximidades e estávamos almoçando biscoitos e queijo no pátio. Também estávamos bebendo há algum tempo por causa do calor e também porque minha família gosta de uma cervejinha.

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Como moradores de Vancouver, estávamos conversando sobre a mesma coisa de sempre: imóveis e habitação. Como não sou uma pessoa rica, não tenho uma casa, eu alugo. E para a minha vó, isso parecia injusto.

“Por que você não compra uma casa?”, ela perguntou.

“Porque é muito caro.”

“Bom, a gente sabe por quê.”

Aí tomei outro gole de cerveja, porque só podia imaginar o que viria depois. Nesse ponto, minha mãe parecia nervosa, sem saber se meu lado calmo ou nervoso ia emergir.

“Todos esses orientais. Eles estão comprando tudo e atrapalhando o mercado de imóveis”, ela disse.

Não sei nada sobre o mercado de imóveis. Não sou um gênio nesse quesito, e basicamente não sei nada sobre como dinheiro funciona se não é uma transação para comprar uma calça nova. Mas eu sabia que aquilo tinha sido super racista. Primeiro tentei pegar a rota mais razoável.

“Sei que você é de uma geração diferente, mas não pode mais dizer isso… E os ricos brancos?”, perguntei.

“Não estamos falando deles.” Continuando, ela começou um discurso sobre como asiáticos ricos estavam estragando a cidade com seu dinheiro. Quase nem registrei o que ela estava dizendo. Só bebi minha cerveja mais rápido.

Terminei a cerveja, joguei a lata no lixo e comecei a gesticular violentamente. Não consegui deixar de gritar e até derrubei minha cadeira quando levantei.

“VOCÊ ESTÁ SENDO RACISTA, PORRA!”

Tremendo, saí do pátio mergulhei entre o ar esfumaçado no lago frio. Quando acendemos a churrasqueira pra o jantar, todo mundo estava sendo agradável, mas eu tive que nadar muito para chegar lá.

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